O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu discurso na cúpula G-77+Cuba a uma plateia que deveria estar repleta de delegações de cem países e ao menos 16 chefes de Estado, mas que estava praticamente vazia na manhã deste sábado (16/9).
Quando o anfitrião da cúpula, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel, o chamou ao púlpito, pouco depois das 9h local, não houve aplausos e Lula parecia nem entender que já estava com a palavra.
Avisado por integrantes da delegação brasileira, ele caminhou ao palco para um discurso de cerca de 10 minutos no qual criticou o embargo americano a Cuba e a inclusão do país na lista de nações patrocinadoras de terrorismo, elogiou a diversidade do G-77, que corresponde a 79% da população mundial, apontou a falta de representatividade dos atuais mecanismos multilaterais, voltou a cobrar dos países ricos a conta pelas mudanças climáticas e exaltou a cooperação Sul-Sul, da qual disse que o Brasil era pioneiro.
“O G-77 foi fundamental para expor as anomalias do comércio global e para defender a construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional. Infelizmente, muitas das nossas demandas nunca foram atendidas”, afirmou Lula em seu discurso.
Diplomatas brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil defendiam que o evento mais importante de Lula em Cuba era justamente sua participação no fórum, e não a visita bilateral ao governo cubano.
Criado nos anos 1960, o bloco é composto por mais de 130 países do chamado Sul Global, mas historicamente tem tido pouca voz nas definições tomadas em ambientes geopolíticos centrais, como a ONU.
“A governança mundial segue assimétrica. A ONU, o sistema Bretton Woods (em uma referência à primazia do dólar no comércio global) e a OMC (Organização Mundial do Comércio) estão perdendo credibilidade”, complementou o presidente brasileiro.
Segundo um de seus auxiliares mais próximos, ao comparecer ao G-77 e, na próxima terça, 19/9, abrir a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Lula terá concluído o processo de “devolver o Brasil a todos os tabuleiros internacionais mais importantes”.
Neste ano, Lula também esteve no encontro do G-7, do G-20, dos Brics e da Celac/União Europeia.
Durante a fala do líder brasileiro no Palácio de Convenções em Havana, a plateia foi aos poucos enchendo, mas ainda longe de completar 50% de sua capacidade.
Além de Díaz-Canel, a BBC News Brasil presenciou apenas uma rápida troca de palavras entre Lula e Ralph Gonsalves, o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, um pequeno país da América Central com pouco mais de cem mil habitantes. Não estavam presentes, porém, o presidente argentino, Alberto Fernandéz, o venezuelano Nicolás Maduro e nem mesmo o líder nicaraguense Daniel Ortega.
Lula defendeu justamente que as nações em desenvolvimento se unam para que tanto a transição energética quanto a revolução digital não sejam conduzidas por “um punhado de economias ricas” e contem com presença decisiva da América Latina, do Caribe e da África Subsaariana.
“Não podemos nos dividir. Devemos forjar uma visão comum que leve em consideração as preocupações dos países de renda baixa e média e de outros grupos mais vulneráveis”, disse o brasileiro.
Lula defendeu a inclusão de especialistas dos países em desenvolvimento nos painéis de discussões tecnológicas e sinalizou que há oportunidades de desenvolvimento no processo de combate às mudanças climáticas.
“Vamos promover a industrialização sustentável, investindo em energias renováveis, na socio-bio-economia e na agricultura de baixo carbono”, afirmou o presidente para em seguida ressaltar que “faremos isso sem esquecer que não temos a mesma dívida histórica dos países ricos pelo aquecimento global”.
“É por isso que o financiamento climático tem de ser assegurado a todos os países em desenvolvimento, segundo suas necessidades e prioridades. No caminho entre a COP-28 (conferência climática da ONU, agendada para novembro), em Dubai, e a COP-30, em Belém, será necessário insistir na implementação dos compromissos nunca cumpridos pelos países desenvolvidos”, afirmou Lula.
Por fim, o mandatário sugeriu uma reedição da chamada Comissão do Sul, grupo de intelectuais de países em desenvolvimento, entre eles os brasileiros Celso Furtado e Paulo Arns, que se reuniu nos anos 1990 para criar uma visão comum sobre o caminho a seguir no pós-Guerra Fria.
Bilateral e acordos com Cuba
Além da participação no G-77+China, Lula terá uma reunião bilateral com Díaz-Canel no Palácio da Revolução. Na ocasião, os líderes assinarão acordos de cooperação nas áreas de desenvolvimento de biofármacos e de trocas tecnológicas especialmente focadas na agricultura familiar.
O encontro representa uma reaproximação dos países, que permaneceram distantes nos últimos sete anos.
E deve inaugurar também uma nova rodada de negociações para que Cuba volte a pagar a dívida de R$2,5 bilhões que têm com o BNDES pelo financiamento da contrução do complexo portuário de Mariel, a 40km de Havana.
No fim da tarde, Lula deixa a ilha em direção a Nova York, onde permanecerá por cinco dias para participar dos eventos da ONU e de encontro bilateral com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
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