O Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a julgar em breve uma ação que pede a descriminalização do aborto realizado até 12 semanas de gestação, apresentada em 2017.
Embora a relatora do caso e presidente do STF, Rosa Weber, tenha liberado a ação para julgamento, ela não marcou ainda uma data para o início.
No entanto, como Weber se aposenta no dia 2 de outubro, o caso deve começar a ser analisado antes disso. Ela é relatora da ação e será a primeira a votar.
A expectativa é de que a ministra seja favorável à descriminalização, mas não se sabe nos bastidores do Supremo se há maioria para acompanhar o voto.
Defensores da descriminalização dizem que o aborto deve ser uma decisão da mulher e que sua proibição fere direitos humanos da gestante.
Já opositores defendem que a vida começa na concepção e que, portanto, deve-se proteger o feto.
A possibilidade de o STF liberar a prática do aborto gerou reação de parte do Congresso, sob o argumento de que apenas o Parlamento pode decidir isso.
"Qual é a prioridade de legalizar o aborto na pauta nacional hoje? Isso é desejo da população brasileira? É óbvio que não. É desejo de poucos militantes que usam toga, assim como fizeram na questão das drogas", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), em referência também a outra ação que discute descriminalizar o porte de drogas para consumo.
Já os defensores da descriminalização lembram que outros países já permitiram a interrupção da gestação por meio do Judiciário.
No caso da América Latina, por exemplo, o Congresso foi o caminho para liberação do aborto no Uruguai e na Argentina. Já no México e na Colômbia a decisão foi do Judiciário.
No Brasil, atualmente, o aborto é permitido parcialmente. O Congresso permite a prática em casos de gestação em decorrência de estupro e quando há risco para a vida da mãe na gravidez.
Já o STF autorizou em 2012 o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), que não têm possibilidade de viver após o parto.
A vereadora Luciana Boiteux (PSOL-RJ), professora de direito penal da UFRJ e uma das autoras da ação, rebate o argumento de que apenas o Congresso poderia decidir sobre o tema.
Ela diz que Cortes Constitucionais têm o dever de proteger os direitos humanos, mesmo em temas em que a maioria da população seja contrária, como, na sua visão, é o caso do aborto para mulheres.
Boiteux argumenta também que é função constitucional do Supremo analisar se leis ferem princípios da Constituição.
O pedido da ação é para que a Corte determine que dois artigos do código penal, que criminalizam a gestante e a pessoa que realizar o aborto, seriam incompatíveis com preceitos fundamentais como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros.
"O fato é que é exatamente o papel das Cortes constitucionais, nesse papel de guardião da Constituição e guardião dos direitos fundamentais, de atuar quando há uma demanda (uma ação apresentada) e quando se verifica que uma lei viola os princípios constitucionais", ressalta.
Quando será o julgamento?
Há dois cenários possíveis sobre o início do julgamento. Um deles é Rosa Weber levar a ação para análise do plenário físico da Corte, dada à relevância do tema.
No entanto, caso não haja tempo hábil para isso devido a outros casos importantes já previstos - como o do Marco Temporal -, a ministra pode iniciar o julgamento da ação sobre aborto no plenário virtual, em que os ministros divulgam seu voto por escrito, no prazo de seis dias úteis.
Seja qual for o cenário, a expectativa é que o julgamento seja interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar a ação) de um dos ministros. O prazo máximo para liberar a ação após pedido de vista é de 90 dias.
E, no caso do julgamento virtual, também é esperado que algum ministro solicite destaque da ação, ou seja, que ela seja julgada no plenário físico.
Confirmando-se o esperado adiamento do julgamento, quem decidirá sobre a retomada ou não do julgamento será o próximo presidente, Luís Roberto Barroso, que já se manifestou favoravelmente à descriminalização do aborto no primeiro trimestre de gestação.
O que acontece se o STF descriminalizar o aborto?
A implementação da eventual descriminalização do abordo dependerá dos temos da decisão do Supremo, avalia Luciana Boiteux.
A Corte pode definir a liberação do aborto até 12 semanas, como pede o PSOL, ou determinar que um órgão técnico, como o Ministério da Saúde, defina qual será o tempo limite, por exemplo.
Haverá também a necessidade de uma regulamentação sobre como o procedimento será oferecido, nos serviços de saúde públicos e privados.
Para entidades feministas que defendem a liberação do aborto, isso poderia ser feito diretamente pelo Poder Executivo, como ocorreu quando o STF permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (2012).
"Foi assim que aconteceu no caso da anencefalia: o STF decidiu que o aborto nesse caso não era crime, e o Ministério da Saúde definiu os detalhes de como as mulheres e pessoas que gestam poderiam acessar os serviços de saúde nesses casos", defende um cartilha sobre o tema produzida por organizações como Anis Bioética e Católicas pelo direito de decidir.
"Foi assim que ocorreu em outros países que descriminalizaram o aborto, como a Colômbia. Com a decisão do tribunal, coube ao poder executivo editar uma regulamentação para a oferta do procedimento nos serviços de saúde", continua o documento.
Luciana Boiteux, porém, reconhece que eventual regulamentação do acesso ao aborto "vai gerar ruído e disputa" com o Congresso.
O aborto até 12 semanas de gestação, em geral, pode ser feito apenas com uso de medicamentos, como misoprostol e mifepristona.
Outro impacto da eventual descriminalização é que pessoas condenadas ou processadas por praticar aborto poderiam ter seus casos anulados pela Justiça.
Com a colaboração de Camilla Costa e da equipe de Jornalismo Visual da BBC.
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