Irã

Irã: Um ano após a morte de Mahsa Amini, revolução segue em marcha

Em 16 de setembro de 2022, morria a iraniana de 22 anos espancada pela polícia por violar o rígido código de vestimenta islâmico. Movimento de resistência das mulheres permanece vivo

Uma mulher sem véu, em pé sobre o carro, enquanto milhares caminham até o enterro de Amini, em 2022  -  (crédito: UGC / AFP)
Uma mulher sem véu, em pé sobre o carro, enquanto milhares caminham até o enterro de Amini, em 2022 - (crédito: UGC / AFP)
postado em 16/09/2023 06:00

No primeiro aniversário de morte de Jina Mahsa Amini, 22 anos, a revolução desencadeada pelas mulheres segue viva, na opinião de especialistas e ativistas. Espancada pela polícia responsável pela fiscalização da moral e dos bons costumes, por supostamente não usar de forma apropriada o hijab (véu islâmico), Amini entrou em coma e faleceu em 16 de setembro de 2022. Tornou-se inspiração para milhares de iranianas, que saíram às ruas do país persa, gritaram palavras de ordem contra o regime teocrático islâmico, cortaram os próprios cabelos e queimaram o hijab em fogueiras nas ruas e nas praças. 

Nesta sexta-feira (15/9), vídeos divulgados pelas redes sociais, cuja autenticidade não  pôde ser confirmada, mostravam supostos protestos em Teerã e em outras cidades, com pessoas gritando do alto dos prédios e promovendo buzinaços pelas avenidas. A expectativa é de que novas manifestações ocorram neste sábado, apesar de o regime teocrático islâmico ter reforçado as medidas de segurança. 

Para Alireza Nader, especialista em Irã e Oriente Médio do think tank Foundation for Defense of Democracies (Fundação pela Defesa das Democracias), em Washington, a revolução das mulheres iranianas segue em marcha. "O fogo da revolução, que começou com o assassinato de Mahsa Amini, está muito vivo. Nós não vemos protestos em larga escala todos os dias, pois o regime esmaga qualquer dissidente com brutalidade. Mas a população está resistindo ao regime todos os dias, por meio de atos individuais de desobediência civil", explicou ao Correio. Ele acredita que o regime teme protestos de maior envergadura no dia de hoje e faz um alerta: "A sociedade não vai mais tolerar a República Islâmica". 

Ainda segundo Nader, as pessoas esperam o momento certo para derrubar o regime de uma maneira que não leve a um massacre de manifestantes. "A revolução está em andamento. Não há como retroceder depois que Mahsa foi assassinada. Os iranianos sabem que o regime deve partir", acrescentou. O estudioso explicou que o Irã tem experimentado vários levantes populares desde 2017. "O povo se revoltará até que o regime deixe de existir", reiterou.

Em 21 de setembro de 2022, cinco dias depois da morte de Mahsa, a arquiteta iraniana Nisabe Shamsai (leia Depoimento abaixo), 39 anos, tornou-se um dos símbolos dos protestos, depois que foi fotografada cortando os próprios cabelos diante do consulado do Irã em Istambul. A imagem ganhou as páginas de jornais de todo o mundo. Ontem, o Correio falou com Shamsai, que cumpre exílio forçado na Turquia, depois de ser condenada a 12 anos de prisão em seu país natal. Ela concorda com Nader. "A revolução iraniana continua até o dia em que as iranianas estiverem livres das algemas do sistema islâmico ditatorial e anti-mulheres. Nossas mulheres ainda lutam nas ruas, deixando seus cabelos expostos. Apesar dos danos mentais e físicos infligidos a elas pelo governo, elas não recuam e mantêm esse movimento diariamente, apesar de pagarem um custo alto. Muitas são multadas e aprisionadas, mas não retrocedem", disse, por meio do Instagram.

Sem comparação

Shamsai afirma que o Movimento Jina — referência ao primeiro nome de Mahsa Amini — é um dos maiores e mais singulares atos feministas dos últimos anos. "Sua escala, diversidade e inclusão são incomparáveis. Mulheres de diferentes estratos sociais, religiões, nacionalidades, além de grupos LGBTQIA+, se reuniram em um evento para se oporem ao patriarcado, que possui seus corpos e seus direitos básicos. Esse mesmo patriarcado controlou e limitou o direito delas de protestar", comentou a ativista. Alguns homens se juntaram a elas e ocuparam as ruas, em um gesto de resistência. 

O jornalista e especialista militar iraniano Babak Taghvaee confirmou que alguns dos vídeos divulgados nas redes sociais são de protestos ocorridos na noite desta sexta-feira no Irã. No entanto, advertiu que o regime de Teerã empregou operações táticas psicológicas, a fim de coibir grandes manifestações. "Tropas foram deslocadas para locais estratégicos e as principais ruas da cidade, além de bairros onde ocorreram atos de rebeldia no ano passado. "Não posso prever o que ocorrerá exatamente neste sábado, mas estou ciente de que muitos iranianos planejam protestos, apesar da presença das forças de segurança", disse. 

Taghvaee acrescentou que o regime tansformou cidades em "campos de batalha", com a mobilização de 15 mil policiais e de milhares de paramilitares das forças Basij, sob o comando da Guarda Revolucionária Iraniana. Ao longo do último ano, as autoridades também impuseram restrições à internet, levando as pessoas a buscarem meios alternativos de se comunicarem ou de fazer negócios. Os controles se estendem, principalmente, a redes sociais como Instagram e WhatsApp, e coincidem com o momento em que milhões de iranianos lutam para sobreviver em meio a uma crise econômica marcada pela inflação disparada e a desvalorização da moeda local. Em 2009, o acesso a redes sociais tinha sido bloqueado durante os protestos multitudinários conhecidos como o Movimento Verde, após eleições presidenciais disputadas, vencidas por Mahmud Ahmadinejad.

Ao ser questionada sobre os ganhos obtidos pelas iranianas ao longo do último ano, Shamsai assegura que elas se tornaram "mais corajosas". "Olho no olho, as oprimidas permanecem nas ruas  e gritam por liberdade. As pessoas tornaram-se mais conscientes das suas exigências e, agora, a maioria da sociedade está contra o regime", observa a exilada na Turquia. "Um ano se passou desde o início da revolução. Muitos jovens foram mortos ou feridos. O povo do Irã ainda exige o fim do governo islâmico."

 

DEPOIMENTO

"É uma rebelião contra a opressão"

 Nasibe Samsaei, an Iranian woman living in Turkey, cuts her ponytail off during a protest outside the Iranian consulate in Istanbul on September 21, 2022, following the death of an Iranian woman after her arrest by the country's morality police in Tehran. - Mahsa Amini, 22, was on a visit with her family to the Iranian capital Tehran, when she was detained on September 13, 2022, by the police unit responsible for enforcing Iran's strict dress code for women, including the wearing of the headscarf in public. She was declared dead on September 16, 2022 by state television after having spent three days in a coma. (Photo by Yasin AKGUL / AFP)
Nasiba Shamsai, 39 anos, corta os cabelos durante protesto em Istambul, em 21 de setembro de 2022 (foto: AFP)

"Eu cortei o meu cabelo com raiva do governo tirânico. Destruímos uma parte do nosso corpo com o que o governo nos oprime: nossas próprias mãos.Para cortar a mão controladora do governo dos nossos cabelos e libertar o nosso corpo da dominação. É uma rebelião contra a opressão, que tem o caráter da libertação e mostra a solidariedade das mulheres de todo o mundo a esta questão. Não seremos mais vítimas da opressão, da intolerância e da tirania. Não queimaremos no fogo. Com isto, fiquei ao lado dos meus compatriotas, dos homens e mulheres que protestaram nas ruas, naquele dia, e estão sendo baleados. Estão perdendo uma parte de sua existência. Na foto também perco parte de minha existência com minhas próprias mãos, por causa do governo tirânico."

Nasiba Shamsai, 39 anos, arquiteta iraniana exilada na Turquia. Em 21 de setembro de 2022, foi fotografada cortando o próprio cabelo diante do consulado do Irã, em Istambul

 

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