COMBUSTÍVEIS

De 'vira-lata' à aliança global no G20: biocombustível ganha força e deve gerar negócios para Brasil

Brasil, Índia e Estados Unidos lideram nova articulação para expandir consumo de combustíveis como o etanol.

Da esq. para dir., a premiê italiana Georgia Meloni, o presidente americano Joe Biden, o premiê indiano Narendra Modi e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante lançamento de plano sobre biocombustíveis na cúpula do G20 -  (crédito: Reuters)
Da esq. para dir., a premiê italiana Georgia Meloni, o presidente americano Joe Biden, o premiê indiano Narendra Modi e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante lançamento de plano sobre biocombustíveis na cúpula do G20 - (crédito: Reuters)
BBC
Mariana Schreiber - Enviada da BBC News Brasil a Nova Déli
postado em 09/09/2023 14:52 / atualizado em 09/09/2023 16:15

A Aliança Global para os Biocombustíveis foi lançada neste sábado (9/9) durante a cúpula do G20, em Nova Déli, sob liderança de Brasil, Estados Unidos e Índia, os três maiores produtores nesse campo.

A iniciativa, que conta com mais 16 países, busca promover a produção e consumo de combustíveis como o etanol no mundo, em especial em economias em desenvolvimento do Sul Global, dentro de uma agenda de transição energética para fontes menos poluentes.

A iniciativa foi comemorada pelo Itamaraty e pelo setor privado brasileiro, que consideram que os biocombustíveis têm tido seu potencial pouco valorizado, frente a outras opções mais caras, como carros elétricos.

“É como se fosse uma energia meio vira-lata e agora está recebendo uma chancela”, disse à BBC News Brasil um diplomata que acompanha o tema.

Críticas têm partido historicamente, sobretudo, de países europeus, que questionam quão sustentáveis os biocombustíveis são de fato.

Desmatamento para abertura de novos campos de plantação e a ocupação de terras usadas para produção de alimentos são fatores apontados como problemas dessa produção.

Já os defensores da nova aliança dizem que ela visa, justamente, promover a produção sustentável de biocombustíveis, com o compartilhamento de conhecimento e tecnologia de países como o Brasil, e o uso de terrenos já desmatados.

Uma iniciativa brasileira que pode ser compartilhada, segundo fontes do Itamaraty, é o RenovaBio, programa criado pelo Ministério de Minas e Energia em 2016 que realiza a certificação da produção de biocombustíveis de acordo com suas reduções na emissão de gases do efeito estufa, permitindo aos produtores comercializarem créditos de carbono.

Na visão desses diplomatas, a resistência histórica de países europeus contra biocombustíveis, em geral justificada na preocupação com o desmatamento, está também relacionada ao interesse desses países em vender suas tecnologias, como os carros elétricos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da cerimônia de lançamento ao lado do presidente americano, Joe Biden, e do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, mas não houve discursos devido à agenda corrida durante a cúpula.

“Hoje, a necessidade do momento é que todos os países trabalhem juntos na área de mistura de combustíveis. Nossa proposta é tomar uma iniciativa em nível global para levar a mistura de etanol à gasolina a até 20%”, disse Modi, em outro momento da cúpula.

No Brasil, a gasolina já tem 27,5% de etanol em sua mistura, e o governo estuda aumentar esse percentual para 30%.

Crescimento do mercado vai gerar negócios para o Brasil

A ideia da aliança é que biocombustíveis sejam mais usados globalmente, não só no transporte automotivo, mas também em aviões e embarcações.

A Organização Internacional da Aviação Civil já adotou metas ambiciosas de redução de emissões de carbono que começam a valer em 2027, enquanto o setor marítimo está finalizando o processo para isso.

Os biocombustíveis líquidos já são um quinto (cerca de 20%) do consumo energético dos transportes do Brasil, mas no mundo esse percentual é de apenas 4%.

Segundo a Agência Internacional de Energia, a produção global precisa triplicar até 2030 para que o mundo possa alcançar emissões líquidas zero de carbono até 2050.

Um mercado mundial mais robusto pode render negócios ao Brasil, que é liderança na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar e poderá exportar carros flex (movidos a gasolina e etanol) e tecnologia, exemplifica Plinio Nastari, presidente da Datagro Consultoria e integrante do Conselho Nacional de Política Energética.

“O mundo vai produzir mais, vai precisar de equipamentos. Qual é o maior produtor mundial de equipamento para produção de etanol? É o Brasil”, disse à reportagem.

Nastari concorda que os biocombustíveis foram por muito tempos tratados como uma energia “vira-lata”. Ele ressalta que estão sendo desenvolvidos usos mais modernos dessa energia, como sua aplicação em carros movidos a hidrogênio.

“Sendo um carregador de hidrogênio, o etanol permite que você faça a distribuição de hidrogênio na forma de um combustível líquido, de forma prática, econômica e segura. E a transformação desse combustível líquido etanol em hidrogênio ocorre no ato do consumo”, explicou.

“O hidrogênio tem um conteúdo de energia muito concentrado. Então, a eficiência da motorização a hidrogênio é muito alta. Vamos poder ter um carro que vai fazer 25 quilômetros por litro de etanol, mas etanol na forma de hidrogênio, não na forma de combustível. Enquanto os carros utilizando o etanol (convencional) hoje fazem oito, onze, quatorze quilômetros por litro, no caso dos híbridos”, afirma Nastari.

Alternativa para o Sul Global

A tentativa de expandir o mercado mundial de etanol é uma agenda antiga do Itamaraty e do setor privado brasileiro, liderado pela Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar).

No seu segundo mandato presidencial, Lula chegou a assinar um acordo com o presidente americano George W. Bush em 2007, com objetivo de promover os biocombustíveis no mundo, mas os avanços foram tímidos.

Naquele momento, Bush chegou a se referir a Lula como o “evangelizador do etanol”, devido à forte campanha do brasileiro em favor dessa opção energética.

Para o Itamaraty, a aliança firmada na Índia é uma iniciativa que se encaixa perfeitamente nos objetivos da política externa brasileira de promover o desenvolvimento do Sul Global.

Isso porque a adoção dos biocombustíveis é considerada uma alternativa mais barata de energia sustentável para o transporte do que, por exemplo, a eletrificação da frota. Além disso, também é mais intensiva em mão de obra, podendo gerar mais emprego e renda.

Etanol, a aposta indiana com pitada brasileira

O Brasil é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás dos Estados Unidos.

Já a Índia se tornou recentemente o terceira maior, após o governo Modi apostar com mais força nessa opção energética, processo que contou com o apoio do governo e do setor privado brasileiros por meio de acordos de cooperação.

Devido à velocidade do avanço, o país inclusive antecipou de 2030 para 2025 a meta de adicionar 20% de etanol à gasolina, após atingir antecipadamente a meta de 10% do ano passado.

A Índia é um grande produtor de cana de açúcar (uma das matérias-primas do etanol) ao mesmo tempo que é o maior importador de petróleo do mundo. Por isso, a ampliação do uso de biocombustíveis passou a ser vista como um importante trunfo para a segurança energética do país e economia de divisas.

“O que no fundo essa aliança global vai fazer é justamente construir um processo de cooperação para que sejam acelerados os processos de adoção da bioenergia como substituto a fontes energéticas fósseis", disse à reportagem o presidente da Única, Evandro Gussi.

“Essa ideia nasce de um exemplo concreto: o que os setores público e privado do Brasil têm feito com a Índia nesses últimos anos é compartilhar a nossa experiência na produção de bioenergia, especificamente de etanol”, reforçou.

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