Houve época em que o escritório era uma segunda casa para muitas pessoas.
As mesas dos funcionários eram decoradas com objetos pessoais. Suas canecas favoritas eram lavadas no fim de cada dia. Cadeiras giratórias eram ajustadas de acordo com cada pessoa.
Mas, desde a pandemia, essa rotina diminuiu. E, agora que o trabalho híbrido é a norma adotada por muitas empresas, muitos dos arranha-céus que os profissionais costumavam visitar diariamente estão vazios — ou sua ocupação atual é muito inferior à sua capacidade.
Dados de julho da imobiliária norte-americana Cushman & Wakefield demonstram que os edifícios comerciais de Manhattan (Nova York, EUA) apresentaram taxa de desocupação de 22,4% no segundo trimestre de 2023.
Em São Francisco (Califórnia, EUA), a taxa de escritórios desocupados antes da pandemia era de quase zero. As startups brigavam por espaços comerciais. Agora, os níveis de desocupação aumentaram para 31,8%, segundo a imobiliária CBRE.
No centro de Londres, os edifícios não estão tão vazios, mas a taxa de desocupação atual — de 9,4%, segundo a imobiliária JLL — é quase o dobro da média histórica de 5,5%.
E, mesmo nos edifícios comerciais atualmente ocupados, o trânsito de pessoas é mais esporádico. Eles podem estar fervilhando na quarta-feira, por exemplo, mas se transformam em uma cidade-fantasma quando chega a sexta.
Dados da companhia Leesman, que analisa os ambientes de trabalho globais, demonstram que 74% dos profissionais britânicos planejam ir ao escritório dois dias por semana ou menos e que o comparecimento no meio de semana é muito maior do que na segunda ou sexta-feira.
Tudo isso significa que muitas empresas têm mais espaço disponível do que estão realmente utilizando. E os especialistas indicam que há poucos sinais de que as companhias irão precisar retomar o mesmo espaço imobiliário que detinham antes da pandemia.
Será que as empresas irão se manter nesses edifícios, cruzando os dedos para que seus funcionários retornem, ou existe um novo futuro à frente para esses espaços, antes borbulhantes e agora pouco utilizados?
Espaços vazios
As organizações estão percebendo que agora precisam de muito menos espaço do que era necessário apenas três anos atrás, segundo o CEO (diretor-executivo) da Leesman, Tim Oldman. Os clientes corporativos da Leesman calculam que irão precisar de escritórios 30% a 40% menores do que antes da pandemia, segundo sua pesquisa.
Mas muitos desses clientes ainda se encontram nos mesmos edifícios que ocupavam antes da covid-19. Este é um problema para as empresas, que vêm perdendo receita devido ao espaço não utilizado.
Em fevereiro de 2023, por exemplo, a empresa de tecnologia Dropbox, com sede em São Francisco, publicou um prejuízo de mais de US$ 175 milhões (cerca de R$ 870 milhões) em 2022, causado pelos escritórios não ocupados que a empresa planejava sublocar. E, para enfrentar esta questão, algumas companhias já estão se desfazendo de seus espaços, que vinham ocupando há anos.
Em junho, o conglomerado financeiro global HSBC anunciou que irá substituir sua sede de 45 andares em Canary Wharf (um importante centro comercial na zona leste de Londres) por um escritório muito menor no centro da capital britânica.
Os escritórios vazios não são apenas resultado da redução do tamanho das empresas, mas também da sua consolidação, segundo Larry Gadea, fundador e CEO da plataforma de dados sobre locais de trabalho Envoy, com sede em São Francisco.
Gadea afirma que muitos clientes da Envoy demitiram muitos funcionários e estão se mudando para um único escritório, em vez de ocupar diversos locais espalhados pela mesma cidade.
"É assim que os nossos negócios estão sendo principalmente conduzidos agora", ele conta, "com companhias que estão se consolidando".
À medida que as empresas desocupam seus espaços, Oldman acredita que muitos dos edifícios ficarão vazios para sempre.
"Não conseguiremos reutilizar os escritórios para que eles possam desempenhar funções diferentes nos dias de folga", afirma ele.
"Os escritórios não são pavilhões, com escoteiros em uma noite e um clube de tricô na noite seguinte. Eles são muito sintonizados com as necessidades da organização locatária e suas obrigações legais junto aos seus funcionários. A ideia de algum tipo de ambiente misturado, com diferentes coisas acontecendo em diferentes dias, não é real", explica Oldman.
Transformar em residências?
Alguns especialistas são céticos sobre a possibilidade de conversão e readequação de escritórios. Mas empresas e governos municipais estão tentando evitar que esses espaços continuem desocupados.
Em alguns casos, as construtoras estão transformando edifícios vazios em complexos de apartamentos de alto nível em todo o mundo.
No centro de Manhattan, construtoras levantaram fundos para transformar um bloco comercial com 102 mil metros quadrados em uma torre residencial com 1,3 mil apartamentos. O custo do projeto foi estimado em mais de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,49 bilhões).
Estas transformações também estão acontecendo em menor escala. Em Leeds, no Reino Unido, um edifício comercial de sete andares dos anos 1960 será transformado em breve em 168 apartamentos para aluguel. Mas estes projetos não são o padrão.
Segundo a imobiliária CBRE, as transformações de edifícios comerciais representaram apenas 1% dos novos complexos de apartamentos nos Estados Unidos, nos últimos 20 anos. E a expectativa é que essas conversões continuem sendo feitas em pequenos números.
Ainda assim, segundo a mesma imobiliária, a moradia continua sendo a forma de reutilização mais comum dos edifícios comerciais vazios. E algumas construtoras acreditam que o êxodo dos escritórios tenha aberto o caminho para o crescimento deste processo, mas apenas em alguns locais.
"Nós nunca conseguiríamos fechar a conta em Midtown [na cidade de Nova York]", afirmou Nathan Berman, fundador da construtora Metro Loft, em um evento imobiliário em Nova York, em maio de 2023. Berman defende há muito tempo a transformação de escritórios em apartamentos.
"Mas o que estamos vendo agora é que os valores [de alguns edifícios comerciais] caíram a níveis tão baixos que está começando a valer a pena", afirma ele.
Alguns especialistas questionam se essas transformações fazem sentido, economicamente falando. "Financeiramente, não compensa", afirma Oldman, especificamente sobre os arranha-céus de Londres.
Para ele, "o custo de renovar essas construções para acomodações domésticas faz com que elas cheguem ao mercado a preços tão altos que não atendem à lacuna que precisa ser preenchida no mercado de moradia, que são as pessoas que compram imóveis pela primeira vez."
Gadea concorda. "Existem problemas de zoneamento, pois esses edifícios só têm água e outras instalações em um lado do prédio. Mesmo em Nova York, que basicamente desistiu do zoneamento, esses edifícios raramente são convertidos porque é muito caro."
Espaço de compartilhamento
Algumas empresas descobriram alternativas que podem ser colocadas em ação imediatamente.
Diversas companhias com grandes escritórios, por exemplo, estão aproveitando a redução de outras empresas sublocando dezenas de milhares de metros quadrados para firmas que buscam espaços menores, depois que abandonaram seus grandes escritórios.
Mas Larry Gadea adverte que este procedimento pode criar um novo problema. Menos espaço pode fazer com que não haja mesas ou espaços de reunião suficientes para todos, mesmo com apenas uma parte dos funcionários no escritório.
"Muitas empresas estão fechando seus escritórios auxiliares", afirma ele, "e trazendo todos os seus funcionários para um único local com ocupação acima da capacidade e alto consumo de energia."
Ele destaca que este procedimento pode promover a colaboração entre os funcionários, mas sua administração é difícil, especialmente com o aumento do presenteísmo.
Nos escritórios britânicos clientes da Envoy, a empresa observou aumento de 29% do tráfego nos locais de trabalho desde agosto de 2022. E, nos Estados Unidos, foi registrado um aumento de 8% da presença nos locais de trabalho entre janeiro e maio deste ano.
Os dados do Índice de Trabalho Híbrido da consultoria sobre ambientes de trabalho AWA também mostram que o comparecimento global aos escritórios cresceu em 6% em 2023, em comparação com o ano anterior.
E estes aumentos podem ser observados com muito mais facilidade nos escritórios consolidados. Eles podem não ter 100% dos funcionários da empresa presentes, mas os espaços estão com a capacidade total ocupada.
"Existem pessoas em toda parte", afirma Gadea. "Eles não têm salas de reunião, não têm mesas suficientes... é um problema totalmente diferente."
Esperando a volta dos profissionais
Os especialistas afirmam que é importante observar que nem todas as empresas estão perdendo espaço de escritórios. Algumas estão mantendo e atualizando seus espaços para convencer seus funcionários a retornar ao trabalho presencial.
"Para manter e atrair os talentos certos — os melhores talentos —, as organizações precisarão jogar o jogo deles", afirma Helen Hughes, diretora do Laboratório Comportamental da Escola de Negócios da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
"Certamente, existe um lugar para que o escritório possa progredir", afirma ela, mas "iremos ver pressão para que as organizações construam ambientes mais adaptados às suas atividades".
A pesquisa de Hughes demonstra que apenas um terço dos profissionais comparece ao escritório para realizar tarefas que exigem alta concentração. Por isso, os escritórios precisarão de espaços comunitários mais colaborativos, com sofás, módulos e áreas de fuga, no lugar de fileiras e mais fileiras de mesas que os profissionais podem não ter interesse em ocupar.
Essa melhoria dos espaços irá transformar o escritório em um local desejável, segundo Tim Oldman.
É cedo demais para afirmar se os edifícios comerciais continuarão vazios, criando cidades-fantasma dentro dos centros das cidades, ou se voltaremos a ver esses espaços atualmente vazios fervilhando de pessoas, estejam elas trabalhando ou morando nos edifícios.
Mas o que os especialistas afirmam é que as mudanças estão acontecendo e os escritórios de alto padrão que um dia conhecemos nunca mais serão os mesmos.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.
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