Em 5 de junho deste ano, a professora sul-coreana Lee Min-so*, de 23 anos, descreveu em seu diário o medo que tomava conta de seu corpo quando entrava em sala de aula.
"Meu peito está muito apertado. Sinto que vou cair em algum lugar. Nem sequer sei onde estou."
Em 3 de julho, Lee escreveu que estava tão sobrecarregada com a loucura do trabalho que "queria abandonar tudo".
Duas semanas depois, ela foi encontrada morta no armário da sala de aula por seus colegas. Lee havia tirado a própria vida.
O episódio desencadeou uma onda de protestos por parte dos professores do Ensino Fundamental em toda a Coreia do Sul.
Dezenas de milhares deles entraram em greve nesta segunda-feira (4/9) para exigir melhor proteção no trabalho.
Os professores alegam ser frequentemente vítimas de assédio por pais autoritários, que ligam para eles a qualquer hora do dia e nos finais de semana, com queixas injustas e incessantes.
O primo de Lee, Park Du-yong, se esforça para não chorar enquanto arruma o pequeno apartamento vazio dela, que agora abriga apenas seu peixinho dourado.
A cama está desfeita e ao lado dela há uma pilha de desenhos de seus alunos da primeira série, dizendo o quanto eles a amavam. E, logo abaixo, outra pilha, esta de livros da biblioteca, sobre como lidar com a depressão.
Park diz que sua prima lecionava há pouco mais de um ano, realizando seu sonho de infância ao seguir a profissão de sua mãe. Ela adorava as crianças, diz ele.
Por isso, nos dias seguintes à morte de Lee, que a polícia rapidamente atribuiu ao término recente de um relacionamento, Park assumiu o papel de detetive.
Ele leu centenas de anotações de diário de sua prima, assim como relatórios de trabalho e mensagens de texto.
Esse conteúdo revelou que nos meses que antecederam seu suicídio, Lee foi bombardeada por reclamações dos pais.
Mais recentemente, um de seus alunos havia ferido a cabeça de outra criança com um lápis, e ela estava envolvida em discussões acaloradas com pais, que ligavam ou mandavam mensagens para ela tarde da noite.
Nas últimas seis semanas, dezenas de milhares de professores realizaram protestos na capital Seul, alegando que estão agora com tanto medo de serem chamados de abusadores de crianças que são incapazes de impor autoridade em sala de aula ou intervir quando elas brigam.
Eles acusam os pais de se aproveitarem de uma lei de bem-estar infantil, aprovada em 2014, que determina que docentes acusados de abuso infantil sejam automaticamente suspensos.
Por essa legislação, os professores podem ser denunciados por abuso infantil por conterem uma criança violenta, enquanto uma repreensão é frequentemente rotulada como abuso emocional.
Tais acusações podem fazer com que os professores sejam imediatamente afastados dos seus empregos.
Um professor recebeu uma queixa formal após negar o pedido de um pai para acordar o filho com um telefonema todas as manhãs.
Outro foi denunciado por abuso emocional depois repreender um menino que havia ferido seu colega de classe com uma tesoura.
Pressão e agressividade
Em um dos protestos acompanhados pela reportagem da BBC, a professora Kim Jin-seo, de 28 anos, disse que tinha tido pensamentos suicidas e precisou tirar três meses de licença após duas queixas particularmente agressivas de pais.
Ela conta que certa vez pediu a um aluno perturbador que dedicasse cinco minutos para organizar os seus pensamentos no banheiro, enquanto no outro denunciou uma criança aos pais por brigar. Em ambos os casos, a escola forçou-a a pedir desculpas.
Kim diz que chegou a um ponto em que sentiu que não poderia dar aulas com segurança.
"Nós, professores, nos sentimos extremamente impotentes. Aqueles que experimentaram isso em primeira mão mudaram fundamentalmente, e aqueles que não o fizeram, viram isso acontecer com outros, então de qualquer forma é debilitante", diz.
Para especialistas, essa cultura de reclamação está sendo alimentada pela sociedade hipercompetitiva da Coreia do Sul, na qual quase tudo depende do sucesso acadêmico.
Os estudantes competem arduamente pelas melhores notas desde muito jovens, para um dia entrar nas melhores universidades.
Fora da escola, os pais enviam os filhos para estudar em escolas extracurriculares caras, conhecidas como hagwons, que funcionam das 5h às 22h.
Enquanto as famílias na Coreia costumavam ter cinco ou seis filhos, agora a maioria tem apenas um, o que, para muitas, significa que têm uma única oportunidade de sucesso.
O professor Kim Bong-je, que forma futuros professores na Universidade Nacional de Educação de Seul, também culpa o aumento da desigualdade.
Tradicionalmente, a Coreia do Sul tinha uma cultura muito forte de respeito pelos professores, explica ele, mas devido ao rápido crescimento econômico do país, muitos pais são agora altamente qualificados.
"Isso significa que muitas vezes menosprezam os professores", diz ele. "Eles pensam que, por 'bancar' o salário dos professores com seus impostos, podem fazer o que quiserem. Ou seja, sentem-se superiores."
Outro professor, Kwon, diz à BBC que nos 10 anos em que trabalha como docente, tirou dois períodos de licença médica para lidar com a depressão e os ataques de pânico, ambos desencadeados pelo estresse causado por pais e alunos.
Até quatro anos atrás, um professor podia expulsar um aluno de sala de aula, conta, mas então os pais começaram a processar os docentes por abuso infantil.
Kwon mudou-se recentemente para uma escola numa comunidade mais pobre e confirmou que o comportamento dos pais em áreas ricas era muito pior.
"A mentalidade deles é 'só meu filho importa', e quando tudo que você consegue pensar é mandar seu próprio filho para uma boa faculdade, você se torna muito egoísta", diz.
Ele não tem dúvidas de que essa pressão atinge as crianças, afetando também o seu comportamento.
"Os alunos não sabem como aliviar essa pressão, então agem agredindo uns aos outros."
O bullying e a violência entre os alunos são problemas conhecidos nas escolas sul-coreanas.
A popular série The Glory, por exemplo, centra-se em uma mulher em busca de vingança contra seus ex-abusadores.
Baseada em fatos reais, ela retrata alguns atos perturbadores de violência.
Em uma reviravolta na história, o próprio diretor do programa foi acusado de bullying e forçado a se desculpar.
Em fevereiro, o governo, sob pressão para resolver a questão, anunciou que os registros de bullying dos alunos seriam incluídos nas suas candidaturas a universidades.
Embora na esperança de incentivar os alunos a não intimidarem uns aos outros, isso acabou alimentando ainda mais a ansiedade dos pais, fazendo-os pressionar os professores para que apagassem os erros dos seus filhos.
Shin Min-hyang, que dirige a organização Solidariedade para a Proteção dos Direitos Humanos de Estudantes e Pais, diz que esse comportamento é inaceitável, mas argumenta que casos assim são atípicos.
"A grande maioria dos pais comporta-se bem e estamos preocupados de que os canais que utilizamos para comunicar as nossas preocupações sejam agora cortados. Os pais estão sendo considerados culpados e isso não está certo", diz ela.
Mas Shin admite que já fez queixa de professores no passado e gostaria de receber mais informações sobre a educação de seu filho e como ele foi disciplinado.
Um dos pais, que não quis ser identificado, diz temer que as reclamações tenham saído do controle.
Ele mostrou à BBC o conteúdo de um bate-papo entre pais num aplicativo de mensagem, no qual encorajavam uns aos outros a assediar uma professora por causa de uma decisão que ela havia tomado.
"Se o seu número for bloqueado, use os telefones de sua família e amigos para ligar", instruiu um dos pais no bate-papo.
"Se os professores não tiverem o poder de intervir com alunos problemáticos, outros serão afetados negativamente", diz o pai que não quis se identificar.
Segundo uma sondagem recente, menos de um quarto dos professores (24%) estava satisfeito com o seu trabalho, abaixo dos 68% em 2006, quando o levantamento começou a ser feito.
A grande maioria diz ter pensado em deixar a profissão no ano passado.
O governo admite o problema e, por isso, emitiu novas diretrizes para professores.
Pelas novas normas, eles poderão expulsar alunos perturbadores da sala de aula e discipliná-los, se necessário.
As regras determinam que os pais devem combinar com os professores a data e o horário das reuniões com antecedência, e os docentes podem se recusar a realizá-las depois do trabalho.
O ministro da Educação da Coreia do Sul, Lee Ju-ho, disse esperar que tais medidas "façam as escolas voltar a ser como antes".
Mas há muitos aqui que argumentam que o problema é muito mais abrangente e defendem que todo o sistema educacional da Coreia do Sul precisa ser reformado. E isso tem que acontecer com uma mudança em como a sociedade do país encara o sucesso acadêmico.
*Alteramos o nome da professora a pedido de sua família.
Colaboraram Hosu Lee e Lee Hyun Choi
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