Condições climáticas erráticas — incluindo o agosto mais seco em mais de um século — fizeram com que a inflação anual de alimentos tenha passado dos 11% na Índia, um importante ator no comércio agrícola global.
No momento em que os preços do tomate começam a arrefecer no mercado interno, as cebolas ficaram 25% mais caras. E as leguminosas usadas para fazer o humilde dal (sopa de lentilha) estão agora cerca de 20% mais caras do que no início do ano.
A Índia tem um “problema no curry”, dizem alguns economistas, em referência ao fato de que o custo de uma refeição vegetariana comum no país aumentou cerca de 30% somente no mês de julho.
Com algumas eleições estaduais importantes previstas para este ano e uma grande eleição geral em 2024, o governo indiano entrou em ação, adotando uma série de medidas para tentar controlar a inflação dos alimentos.
Após a proibição das exportações de trigo em maio de 2022, a Índia anunciou uma interrupção abrupta nas exportações de arroz branco não basmati no mês passado.
Mais recentemente, o Ministério das Finanças colocou um imposto de 40% sobre as cebolas para desencorajar as exportações e melhorar o abastecimento interno.
Com a expectativa de que a produção de açúcar seja menor este ano, “a probabilidade de uma proibição às exportações de açúcar também aumentou”, disse Rajni Sinha, economista-chefe do grupo CareEdge.
Nesse cenário, o governo pode intensificar a sua resposta com novos banimentos, dizem os analistas.
Por exemplo, uma vez que as consecutivas restrições à exportação de arroz ainda não reduziram a inflação interna dos preços do produto, "o governo poderia procurar uma proibição mais abrangente", afirmou a corretora global Nomura em nota divulgada recentemente.
Será que a Índia, com sua política agressiva de contenção dos preços internos, pode acabar exportando sua inflação nos alimentos?
O Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês) acredita que sim, especialmente com o arroz, o açúcar e a cebola.
Ao longo da última década, a Índia emergiu como o maior exportador mundial de arroz — o país detém 40% do mercado — e o segundo maior exportador de açúcar e cebola.
O Índice de Preços do Arroz da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) saltou 2,8% em julho, o valor mais alto desde setembro de 2011.
Essa alta foi impulsionada principalmente pelo arroz do tipo Indica, cujas exportações a Índia proibiu.
Isto ampliou a “pressão crescente” sobre os preços do arroz em outras regiões, diz a FAO.
“Desde que a proibição foi anunciada no final do mês passado, os preços do arroz na Tailândia aumentaram 20%”, afirma Joseph W. Glauber, pesquisador sênior do IFPRI, à BBC.
O impacto disto — especialmente para os mais pobres no planeta — poderá ser devastador, com a deterioração da insegurança alimentar em 18 "locais críticos de fome" identificados pela FAO e pelo Programa Alimentar Mundial da ONU.
O arroz faz parte da dieta básica de milhões de pessoas na Ásia e na África, e a Índia é um importante fornecedor para esses mercados.
Quarenta e dois países da Ásia e da África Subsariana obtêm 50% das suas importações da Índia, chegando a 80% em alguns países, segundo o IFPRI.
Essa parcela não pode ser "facilmente substituída por importações de outros grandes exportadores, como Vietnã, Tailândia ou Paquistão".
Upali Galketi, economista sênior da FAO, lembra também que os altos preços globais dos alimentos resultam em altos custos com a importação, o que às vezes consome divisas valiosas, "agravando assim os problemas da balança de pagamentos e contribuindo para a inflação".
Mas o aumento dos preços globais dos alimentos não pode ser atribuído exclusivamente às decisões da Índia. O fim da Iniciativa dos Cereais do Mar Negro após a invasão da Ucrânia pela Rússia e as condições climáticas extremas em todo o mundo são outros fatores importantes.
A conjugação destas dinâmicas de mercado "resultou na inversão da tendência decrescente dos preços globais dos alimentos observada desde meados do ano passado", aponta Galketi.
Os preços globais dos alimentos estão em máximas históricas, apesar de uma desaceleração em muitas partes do mundo, como a China. Isso está afetando os preços globais dos alimentos devido à fraca procura destes lugares.
O Banco Mundial espera que o seu índice de preços dos alimentos em 2023 seja, em média, mais baixo do que 2022, devido principalmente aos valores mais baixos do petróleo e dos cereais.
Mas os analistas dizem que a trajetória futura dos preços dependerá do impacto do fenômeno climático El Niño — algo que poderá ter implicações de longo alcance e colocar ainda mais pressão sobre os mercados alimentares.
Em meio à incerteza, os apelos para que a Índia reverta a sua proibição à exportação de produtos essenciais vieram de várias partes, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Além de contribuir para a inflação global, "as proibições às exportações têm outras consequências negativas, como o prejuízo à reputação da Índia como fornecedor confiável e a barreira para que os agricultores se beneficiem de preços vantajosos a nível mundial", afirmam os analistas da Nomura.
Segundo a FAO, no entanto, a ameaça mais significativa vem da possibilidade de mais países recorrerem a restrições às exportações, o que “minaria a confiança no sistema comercial global”.
No entanto, alguns acreditam que a realpolitik e as soluções para aumentar a autossuficiência alimentar irão prevalecer sobre esses alertas na Índia, especialmente durante um período politicamente sensível.
No passado, os preços elevados de itens como a cebola contribuíram para derrotas eleitorais no país. Acrescente a isso uma recuperação do consumo já instável.
O banco central da Índia já aumentou as taxas de juros seis vezes — e pouco pode fazer a mais para controlar a inflação dos alimentos, uma vez que se trata de um problema do lado da oferta.
Assim, o governo fica com pouca munição além de impor restrições comerciais.
“Neste momento, todos os países estão concentrados em controlar a inflação nas suas próprias economias. Eu diria que a Índia também tem de cuidar dos seus próprios interesses antes de começar a se preocupar com a inflação global”, avalia Sinha.
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