A economia brasileira perdeu força no segundo trimestre, com um crescimento de 0,9% em relação ao trimestre anterior, após alta de 1,8% de janeiro a março, informou nesta sexta-feira (1°/9) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Apesar da desaceleração, o resultado surpreendeu positivamente: ficou acima das expectativas dos analistas, que era de uma alta de 0,3% na comparação trimestral.
O resultado positivo é explicado, segundo o IBGE, pelo bom desempenho da indústria (0,9%) e dos serviços (0,6%).
A agropecuária, que tinha sido o destaque no trimestre anterior, teve um recuo de 0,9% na comparação com o período imediatamente anterior. O setor tinha registrado uma alta de mais de 20% de janeiro a março, na comparação trimestral, devido à sazonalidade da safra recorde de soja, cuja colheita se dá nos meses iniciais do ano.
Na comparação com o segundo trimestre de 2022, a alta do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos no país) foi de 3,4%, uma desaceleração em relação ao crescimento interanual de 4% registrado no primeiro trimestre.
Após a surpresa positiva de serviços e da atividade industrial, o que esperar da economia brasileira nos próximos meses?
Outras notícias negativas no front econômico – como a piora no cenário externo, particularmente na China e EUA; dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas no Brasil; e a bolsa em queda, com dólar e juros futuros em alta – trazem a dúvida: o melhor momento da economia brasileiro ficou para trás, após um início de ano de boas notícias para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)?
Entenda os principais riscos para a economia brasileira à frente e os motivos para otimismo, segundo especialistas.
Agro forte, mas sem a 'explosão' deste ano
A expectativa do mercado é de uma alta de 2,3% para o PIB brasileiro este ano, desacelerando para avanço de 1,3% em 2024, segundo o boletim Focus do Banco Central divulgado antes do resultado do PIB do segundo trimestre.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), é um pouco mais pessimista e estima um crescimento de 1,8% para a economia este ano e de 1% para o ano que vem.
Para o terceiro e quarto trimestres de 2023, a economista vê o desempenho da atividade estável ou até ligeiramente negativo, nas comparações trimestrais.
"Geralmente é assim, o agro contribui positivamente para o PIB no primeiro semestre e o segundo é sempre mais negativo, porque não tem mais a colheita da soja", observa Matos.
"A contribuição positivo do agro foi excepcional, completamente fora de qualquer projeção [em 2023] e isso acaba criando um problema para 2024, quando o PIB agro deve crescer pouco."
Segundo a economista, isso deve acontecer devido ao próprio ciclo agropecuário. Num ano de supersafra como o atual, os produtores acabam vendendo os grãos a preços baixos e a reação natural no ano seguinte é que a área plantada não cresça tanto.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, observa ainda que os últimos anos viram uma conjunção rara para a agropecuária brasileira, de preço das commodities, câmbio e produção em alta, em meio aos efeitos da pandemia, guerra da Ucrânia e incerteza fiscal no Brasil.
Para Vale, é improvável que essa conjunção de fatores se repita à frente.
"O câmbio deve se manter estável em torno de R$ 5; para os preços de commodities, [2024] é um ano frágil com a eleição americana, guerra [entre Rússia e Ucrânia] ainda presente e China com dificuldades de crescimento", cita, avaliando que a produção pode ainda ser a surpresa positiva, devido aos efeitos do El Niño no Sul do país, que se beneficia de maior volume de chuvas.
Incertezas na China e nos EUA
O cenário internacional é o elemento de maior risco para o crescimento brasileiro à frente, avaliam os economistas, em meio ao crescimento da incerteza nos dois maiores parceiros comerciais do país: China e Estados Unidos.
"A China passa por um processo de desaceleração, de uma economia que estruturalmente enfrenta dificuldades há muito tempo", observa Vale.
"Há no país um mercado imobiliário extremamente inchado, taxa de investimento muito grande e dificuldade de estimular consumo, além de centralismo político muito forte, que dificulta a vida das empresas privadas. Então é uma economia que tem desafios grandes pela frente."
Nos Estados Unidos, apesar de a inflação dar sinais de perder força, o mercado de trabalho tem continuado forte, sugerindo que os juros podem seguir elevados por lá durante mais tempo.
Juros altos são uma forma de "esfriar" a atividade econômica, ao elevar o custo do crédito para o consumo das famílias e investimento das empresas. Com rendimentos maiores, no entanto, os juros também acabam atraindo capital de outros mercados para os Estados Unidos.
"O banco central americano sinalizou que pode ser que não suba mais juros, mas que também não vai baixar. Então o cenário de juros altos lá fora – e não se sabe quanto tempo isso vai durar – é ruim para emergentes em geral", diz Matos.
Essa conjunção de fatores – uma China fraca e EUA com juros altos – afeta preços de commodities e os fluxos financeiros para o Brasil, podendo representar um freio para as perspectivas de crescimento.
Dúvidas nas contas públicas
A aprovação do novo arcabouço fiscal, substituindo o antigo teto de gastos, retirou parte da incerteza sobre o equilíbrio das contas públicas nacionais.
Mas agora a dúvida é se o governo vai conseguir elevar as receitas para cumprir sua meta de zerar o déficit fiscal em 2024.
Segundo a ministra do Orçamento e Planejamento, Simone Tebet, o governo vai precisar de R$ 168 bilhões em receitas extras para cumprir esse objetivo.
O plano do governo para isso envolve um pacote de seis medidas, incluindo a volta do chamado voto de qualidade (ou voto de desempate em favor do governo) nas deliberações do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a taxação dos fundos dos super-ricos e de investimentos no exterior (offshore), entre outras.
Mas economistas avaliam que é improvável que o governo cumpra sua meta e que o mais factível é um déficit na faixa de 0,7% a 0,9% do PIB para 2024. Isso forçaria o gasto público a crescer menos no ano seguinte, pela regra do arcabouço, ou obrigaria o governo a rever a regra, abalando sua credibilidade logo nos primeiros anos de vigência da norma.
Essa incerteza é um dos fatores que pode inibir o crescimento à frente, dizem os analistas.
"O cenário fiscal hoje ainda é o grande risco", diz Vale, da MB Associados.
"Com um déficit esperado para esse ano de 1,3%, e para ano que vem de 0,7% [do PIB], começamos a ficar com dificuldade para saber se nos dois últimos anos de mandato, com toda a pressão de gastos tendo em vista a eleição de 2026, o governo vai conseguir entregar resultados robustos, sem a bonança das commodities dos últimos anos, que não vai se repetir nos próximos três anos."
Silvia Matos, da FGV, observa que, por enquanto, o mercado está aceitando a perspectiva de um déficit maior do que o previsto pelo governo, mas que esse cenário pode mudar.
"Se o governo não entregar superávit, isso faz com que os prêmios de risco [para financiar a dívida pública brasileira] fiquem mais altos e as curvas de juros não cedam como gostaríamos."
Caso a percepção de risco fiscal aumente, isso pode afetar a taxa de câmbio e pressionar a inflação, limitando o espaço do Banco Central para reduzir a taxa básica de juros – o que impactaria o crescimento e a geração de empregos.
Razões para otimismo
Mas nem tudo é pessimismo nas perspectivas para a economia brasileira à frente.
O Bradesco, por exemplo, lançou em agosto um estudo apontando que é possível que o crescimento potencial do país tenha aumentado – se isso for verdade, o PIB pode surpreender novamente no próximo ano, avaliam os economistas do banco.
O PIB potencial é a capacidade de crescimento do país, uma variável não observável e que, portanto, precisa ser estimada pelos analistas.
Após diversos resultados do PIB acima do esperado nos últimos anos, o banco foi investigar quais as possíveis razões para isso. As análises mostraram que o motivo não estava no comportamento do investimento, nem do consumo, mas sim, possivelmente, no mercado de trabalho.
Antes, o Bradesco estimava que a taxa de desemprego de equilíbrio do país (aquela em que o nível de emprego não contribui para acelerar a inflação) era de 9%, mas agora o banco avalia que ela pode, na verdade, ser mais baixa, de 7,5%.
Segundo Myriã Bast, economista do Bradesco responsável pelo estudo, isso talvez seja fruto da reforma trabalhista de 2017 e também de mudanças na dinâmica do trabalho no pós-pandemia, algo que vem sendo observado em outros países, e não só no Brasil.
"Se tivermos um PIB potencial maior de fato, vamos conseguir no ano que vem uma desaceleração menor [da economia]", diz Bast.
"Todo mundo prevê um PIB menor em 2024 do que em 2023, por alguns motivos: o agro que ajudou muito esse ano e não deve ter o mesmo desempenho ano que vem, e também a política de juros, que ficou elevado por muito tempo esse ano e ainda tira crescimento do ano que vem", enumera a economista.
"Mas se nosso potencial é maior, especialmente por conta dessa taxa de desemprego de equilíbrio mais baixa, devemos ainda ver uma geração de empregos mais forte no ano que vem."
Em julho, a taxa de desemprego do país caiu a 7,9%, menor nível para o período desde 2014, segundo o IBGE. O país tinha então 8,5 milhões de desempregados, 3,8% a menos do que um ano antes.
Sergio Vale, da MB Associados, também avalia que o crescimento em 2024 pode surpreender.
"No ano que vem, commodities não vão crescer na intensidade deste ano, mas a safra ainda deve ser bem positiva – e sem esquecer que a taxa de juros vai estar caindo, o que é outro sinal favorável", cita o economista.
"Tem o efeito de preços de alimentação mais baixos, o que ajuda a população mais pobre, a reforma tributária que é um incentivador aos investimentos – então tem uma economia em 2024 que talvez possa surpreender de novo."
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