Acidente aéreo

Rússia: exame atesta a morte de Prigozhin em queda de avião

Causas do desastre ainda não foram esclarecidas pelas autoridades e há suspeita de abate

Autoridades russas anunciaram, ontem, que exames confirmaram a morte de Yevgueni Prigozhin, líder do grupo paramilitar Wagner. Segundo Moscou, geneticistas do Comitê de Investigação do país atestaram que o homem de 62 anos era um dos 10 passageiros de um avião que caiu na região de Tver, a 180km da capital, na quarta-feira passada. Não houve sobreviventes e, na lista de embarque, também constava o nome do braço direito de Prigozhin, o chefe de operações da organização, Dmitri Utkin.

O jato particular caiu abruptamente a 28 mil pés de altitude, momento menos provável para ocorrer problemas mecânicos ou estruturais. Além de acidente, é possível que o avião tenha sido alvo de um míssil, uma bomba ou abatido por um caça. Governos ocidentais e os opositores do presidente russo insinuaram que o Kremlin poderia estar por trás do ocorrido, mas Vladimir Putin nega as acusações e prometeu, na quinta-feira, uma investigação sobre o caso. Até agora, não foi mencionada, oficialmente, nenhuma hipótese para a tragédia aérea.

Desde a queda do avião, altares improvisados em memória de Prigozhin foram erguidos em várias cidades do país, de Novosibirsk (oeste da Sibéria) a São Petersburgo (noroeste). Pequenos memoriais ilustram sua popularidade nas áreas onde Wagner tinha centros de treinamento. Ontem, um simpatizante do miliciano disse a jornalistas que espera vingança. "Prigozhin e Utkin permanecerão na nossa história como verdadeiros heróis, como um exemplo do tipo de pessoas que devemos ser", acrescentou o homem, vestido com uma camiseta com a letra Z maiúscula, símbolo da ofensiva russa na Ucrânia.

"Traidor"

O empresário se tornou uma figura de destaque na Rússia pelo seu papel no conflito na Ucrânia, mas sua revolta contra o Kremlin em 24 de junho passado o transformou em um "traidor" para Vladimir Putin. Na ocasião, Prigozhin liderou um motim armado contra o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, ao acusá-lo de ordenar o bombardeio das bases do grupo Wagner na retaguarda da frente ucraniana.

O paramilitar prometeu frear a liderança militar em Moscou, ressaltando que tinha 25 mil combatentes à sua disposição, e convocou os russos a se unirem a ele para "acabar com a desordem". A revolta fez com que Putin alertasse para o risco de uma guerra civil.

Os homens de Wagner conseguiram tomar quartéis no sudoeste da Rússia e iniciaram uma marcha em direção a Moscou, mas Prigozhin recuou e pôs fim ao motim naquele mesmo dia. Em troca, o líder dos mercenários foi perdoado a princípio e chegou a um acordo que permitiu que ele se exilasse em Belarus, e seus homens se juntassem ao Exército regular russo.

África

O fundador do grupo Wagner voltou várias vezes à Rússia e chegou a ser recebido em 29 de junho por Putin no Kremlin. Há uma semana, ele apareceu em um vídeo divulgado por grupos próximos à milícia, afirmando estar na África, para "tornar a Rússia ainda maior em todos os continentes e a África ainda mais livre". O grupo continua no continente africano, mas seu futuro é incerto. Os homens de Prigozhin são acusados de abusos, execuções extrajudiciais e tortura.

A confirmação da morte de Prigozhin coincide com o aumento dos ataques entre Rússia e Ucrânia. Moscou informou ontem que as suas regiões fronteiriças foram mais uma vez alvo de ataques de drones, e que teria derrubado dois veículos não tripulados. Kiev, por sua vez, relatou um bombardeio noturno.

De vendedor de cachorro-quente a guerrilheiro

Nascido em São Petersburgo em 1961, Yevgueni Prigozhin esteve preso na Rússia por quase uma década no fim da era soviética. Depois, passou a vender cachorro-quente, até ganhar destaque no ramo hoteleiro e subir às altas esferas como empresário do ramo de restaurantes. Chegou a ser chamado de "chef de Putin", por ser dono das empresas de catering que forneciam serviços ao Kremlin.

Além dos restaurantes, Prigozhin investia em negócios mais obscuros, como a criação de um grupo paramilitar, o Wagner. Por anos, o empresário, que foi amigo de Putin, fez o trabalho nas sombras para o Kremlin, enviando mercenários de sua milícia a cenários de conflito no Oriente Médio e na África, mas sempre negando qualquer envolvimento.

Fundador

A estratégia, entretanto, mudou com o início da ofensiva na Ucrânia em fevereiro de 2022. Em maio daquele ano, o chefe paramilitar obteve sua consagração ao reivindicar a conquista da cidade de Bakhmut (leste), uma das poucas vitórias das forças russas, após meses de duros combates. Meses depois, em setembro, Prigozhin se apresentou pela primeira vez como o fundador do grupo Wagner.

Durante a batalha por Bakhmut, o clima de tensão com o Estado-Maior russo aumentou. Prigozhin acusou os militares de economizarem munição e publicou vídeos nos quais insultava os comandantes russos. Em outubro, instalou seus escritórios em um edifício espelhado e luxuoso de São Petersburgo, e começou a recrutar milhares de homens nas prisões da Rússia. A oferta feita aos condenados era lutar em troca de uma anistia, mas com uma advertência: os desertores e aqueles que se deixassem capturar seriam executados.

Ao contrário dos generais russos, criticados por não comparecerem pessoalmente às batalhas, Prigozhin posou orgulhoso ao lado de seus mercenários, supostamente na linha de frente. No início do ano, publicou uma mensagem da cabine de um caça Su-24 e desafiou o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, para um duelo aéreo. "Se você quiser, nos vemos nos céus. Se vencer, você fica (com Bakhmut)", afirmou.

Drones norte-americanos

A Rússia garantiu ter enviado, ontem, um avião de combate para impedir que um drone de reconhecimento da Força Aérea dos Estados Unidos cruzasse suas fronteiras sobre o Mar Negro. "À medida que o caça russo se aproximava, o Veículo Aéreo Não Tripulado de reconhecimento estrangeiro fez uma inversão de marcha para longe da fronteira estatal da Federação Russa”, disse o Ministério da Defesa.