Nos dois primeiros dias da 15ª Cúpula do Brics, o governo brasileiro deu demonstrações de que tenta se equilibrar ante a força que a China exerce sobre o grupo e aos temores de que o bloco criado em 2006 como uma alternativa à atual ordem global passe a ser visto como um grupo que se oponha frontalmente a ela.
A cúpula do bloco, que teve início na terça-feira (22/8), termina nesta quinta-feira (24/8). O encontro ocorre em Joanesburgo, na África do Sul.
O Brics é o grupo hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Inicialmente, o bloco se uniu com base no fato de serem países com economias emergentes localizados no chamado Sul Global — termo usado para designar países em desenvolvimento localizados no hemisfério sul.
Desde sua criação, a cooperação econômica entre os países foi o principal tema debatido pelos seus líderes. Em 2014, o grupo criou o Banco do Novo Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), que ficou conhecido como "Banco do Brics", atualmente presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Nesta quinta, foi confirmado oficialmente o processo de expansão do bloco.
O presidente da África do Sul, anfitrião da 15ª cúpula do bloco, anunciou que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia foram "convidados" a entrar no grupo como membros plenos a partir de 1º de janeiro de 2024.
O termo "convite", segundo diplomatas, é uma formalidade técnica, uma vez que os países anunciados já haviam demonstrado interesse em entrar no bloco.
Nos últimos anos, a pressão feita pela China, com apoio da Rússia, pela expansão do grupo levantou dúvidas sobre se esse movimento teria como objetivo dar um caráter mais político ao bloco.
As dúvidas levantadas por analistas surgem em um momento em que as relações de China e Rússia com os Estados Unidos e União Europeia passam por desgastes.
A China é acusada pelos norte-americanos de práticas comerciais predatórias e de espionagem, o que o governo chinês nega.
Os russos, por outro lado, enfrentam sanções e críticas internacionais por conta da guerra na Ucrânia, que começou em 2022, quando tropas comandadas pelo presidente Vladimir Putin invadiram o país vizinho.
Nesse cenário, tanto o presidente Lula quanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vieram a público abordando os rumores de que o Brics caminhariam para ser um antagonista de outros grupos, como o G7, grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo.
"A gente não quer ser contraponto ao G7. A gente não quer ser contraponto ao G20. A gente não quer ser contraponto aos Estados Unidos. A gente quer se organizar. A gente quer criar uma coisa que nunca teve, que nunca existiu”, disse Lula, durante em um programa de rádio na terça-feira (22/8).
No mesmo programa, Lula voltou a abordar o assunto.
"O Brics não significa tirar nada de ninguém. Significa uma organização de um polo forte, que congrega muita gente. Se entrar a Indonésia, com mais 200 milhões de habitantes, vamos ter mais da metade da população (do mundo) participando dessa organização. E isso é importante porque vai permitir que a gente tenha um certo equilíbrio nas discussões”, disse Lula, abordando a possibilidade de a Indonésia ingressar no bloco, o que não foi confirmado.
A Indonésia, que era apontada como uma das favoritas a entrar no bloco, entraria em um segundo momento, segundo avaliação de alguns negociadores.
No mesmo dia, Fernando Haddad seguiu a mesma linha adotada por Lula.
Ao falar para ministros e empresários reunidos em um fórum empresarial durante a Cúpula do Brics, Haddad disse que o bloco não deveria ser interpretado como um antagonista de outros blocos.
"Acreditamos que os Brics têm uma grande contribuição a dar. Brasil, África do Sul, Índia, China e Rússia podem, cada um a partir da sua perspectiva, oferecer ao mundo uma visão que seja coerente com os seus propósitos. E que não signifique nenhum tipo de antagonismo a outros fóruns importantes dos quais nós mesmos participamos”, afirmou o ministro.
Em busca de equilíbrio
Professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri-USP), Marília Souza Pimenta disse à BBC News Brasil que a reunião deste ano pode consolidar a liderança e a condução geopolítica do grupo pela China.
"Esta reunião pode ser decisiva, pois pode consolidar sua expansão e, assim, a liderança absoluta da China no Bloco, como também a concretização do caráter mais geopolítico e ideológico do bloco", disse a professora à BBC News Brasil, antes do anúncio que confirmou o processo de expansão.
Diplomatas e membros do governo brasileiro ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmam que a China não estaria fazendo nenhum movimento concreto para transformar o Brics em um bloco de oposição ao chamado Ocidente.
Eles afirmam, no entanto, que o temor de que essa interpretação possa ser disseminada levou Lula e Haddad a se manifestarem sobre isso.
Eles dizem que um Brics como bloco de oposição a potências como os Estados Unidos ou a Europa Ocidental não interessa ao Brasil.
Segundo eles, apesar de o Brasil apoiar o fortalecimento do Brics e de o presidente Lula fazer críticas constantes a instituições como a ONU e o G7, a estratégia do país continuaria sendo a de manter boas relações com Europa e Estados Unidos.
De acordo com eles, essa posição estaria em linha com a tradição diplomática do país.
Nos últimos anos, um dos parceiros do Brasil na tentativa de conter a condução chinesa no Brics vinha sendo o governo da Índia.
O país tem disputas territoriais com a China e é um importante parceiro político e econômico dos Estados Unidos na Ásia.
Inicialmente, o Brasil e a Índia vinham apresentando resistência à expansão desejada por russos e chineses. Nos últimos dias, no entanto, os governos brasileiro e indiano passaram a dar demonstrações de que não vetaria a entrada de novos integrantes.