Exatamente dois meses após o início de um motim do Grupo Wagner contra o comando das forças militares de Vladimir Putin, um avião Legacy 600, fabricado pela brasileira Embraer, caiu às 18h11 (12h11 em Brasília) desta quarta-feira (23/8), perto do vilarejo de Kuzhenkino, no norte da Rússia. Sete passageiros e três tripulantes estavam a bordo — mesmo número de ocupantes de um avião militar derrubado pelo Wagner, em 24 de junho. Não houve sobreviventes. A Agência Federal de Transporte Aéreo da Rússia confirmou que Yevgeny Prigozhin, chefe dos mercenários, era um dos passageiros.
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Em nota divulgada no Grey Zone, canal afiliado no Telegram, o Grupo Wagner confirmou a morte de seu líder e denunciou um assassinato. "O chefe do Grupo Wagner, herói da Rússia, um verdadeiro patriota dessa pátria, Yevgeny Viktorovich Prigozhin, morreu como resultado das ações dos traidores da Rússia. Mas, mesmo no inferno, ele será o melhor!", afirma o texto. Dmitry Utkin, um dos fundadores do Wagner e número dois no comando, também viajava no Legacy, que fazia o trajeto entre Moscou e São Petersburgo. Vídeos divulgados na internet, cuja autenticidade não pôde ser confirmada pela agência France-Presse, mostram o avião em chamas caindo verticalmente, na região de Tver, a cerca de 300km ao norte da capital russa.
Enquanto as primeiras informações sobre a queda circulavam, Putin discursava em Kursk, 877km ao sul de Kuzhenkino, durante cerimônia que marcou o 80º aniversário da vitória soviética na batalha contra os nazistas, ocorrida na região, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele não mencionou o incidente com Prigozhin. "A todos nós, e a toda a Rússia, um feriado maravilhoso", declarou o presidente russo. Horas antes, Putin tinha afastado do comando das Forças Aeroespaciais da Rússia Serguei Surovikin. O general está desaparecido desde o motim.
A Casa Branca informou que o presidente Joe Biden foi informado sobre a queda da aeronave. "Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas não estou surpreso" com a notícia da possível morte de Prigozhin, disse. "Não há muita coisa que aconteça na Rússia que Putin não esteja por trás. Mas não sei o suficiente para saber a resposta."
"Questão de tempo"
Vice-diretora do Programa Rússia e Eurásia do think thank Chatham House (em Londres), a ucraniana Orysia Lutsevych afirmou ao Correio que, se confirmada, a morte de Prigozhin é "um desenvolvimento lógico que segue um motim fracassado contra o Kremlin". "Depois da revolta, que minou a fortaleza de Putin no poder, era questão de tempo a eliminação de Prigozhin. Vivo, o líder do Grupo Wagner era um lembrete de que Putin é fraco", observou. De acordo com ela, resta saber se os seguidores de Prigozhin "apenas engolirão uma pílula amarga ou aumentarão suas fileiras". "Em qualquer caso, o conflito dentro das agências de segurança e de defesa da Rússia tende a aprofundar", aposta.
Lutsevych ressaltou que, após o motim de 23 de junho, Putin decidiu mudar o comando e a subordinação do Grupo Wagner. "Informações vazadas sugerem que a inteligência militar da Rússia queria expulsar Prigozhin da África e assumir as operações no continente", disse. A especialista não descarta a extinção do Grupo Wagner, por entender que os mercenários estão excessivamente expostos, e Putin reconheceu que eles foram financiados pelo Estado russo. "O Wagner é conhecido por cometer crimes de guerra não apenas na Ucrânia, mas também na África. É provável que seja declarado uma 'organização terrorista'."
Para Angelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP), a provável morte de Prigozhin pode denotar duas coisas. "Putin não se preocupa mais com a própria reputação e acha mais importante instilar o medo em desafiadores, ou apresenta uma perda de controle emocional. Um dos canais do Telegram ligados ao Wagner divulgou que houve duas explosões no avião antes da queda, o que insinua uma derrubada."
Segundo Segrillo, haveria meios mais discretos de acabar com Prigozhin, como envenenamento ou "suicídio". Doutor em ciência política pela USP e especialista em política da Rússia, Vicente Ferraro Jr. sublinhava, desde 24 de junho, que o motim não ficaria impune. "O que surpreende foi a velocidade com que essas lideranças foram reprimidas. O caso de Prigozhin mostra-se excepcional por ele ser alguém que fez parte da linha-dura, militarista e mais nacionalista do governo."
Ferraro pontuou que outros líderes russos teriam interesse na morte de Prigozhin, como o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valeryi Gerasimov. "Dificilmente se arriscariam sem o aval de Putin. Nos canais do Telegram, dentro da Rússia, propagandistas acusam Kiev pela queda, com a conivência do Ocidente, em celebração ao Dia da Independência da Ucrânia, hoje (24/8)."
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