América do Sul

Argentina: candidatos iniciam a difícil missão de derrotar Milei

Após a confirmação como candidata a presidente, Patricia Bullrich e o colega de coalizão Horacio Larreta, derrotado nas primárias, cerram fileiras. Sob pressão para renunciar, o ministro da Economia, Sergio Massa, é visto como o mais capaz de barrar o avanço da ultradireita

A pouco mais de dois meses das eleições presidenciais na Argentina, os candidatos começam a se mobilizar para conter os danos provocados pela vitória surpreendente de Javier Milei nas primárias do último domingo (13/8). A meta é impedir que o representante da ultradireita chegue como favorito, em 22 de outubro. Para especialistas, a tarefa não será fácil. Na tentativa de demonstrar unidade dentro da coalizão opositora Juntos por el Cambio, a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich se encontrou com o governador de Buenos Aires, Horacio Larreta, derrotado por ela nas prévias. "Os argentinos decidiram o rumo e a força que devemos ter no Juntos por el Cambio. Agora vamos trabalhar juntos pela mudança profunda que precisamos nesta Argentina", escreveu.

Entre os peronistas, além do desgaste provocado pelo rendimento aquém do esperado nas primárias, o ministro da Economia, Sergio Massa, precisa contornar fraturas internas. Deputado nacional da coalizão governista Unión por la Patria, Eduardo Valdés exigiu a renúncia de Massa, sob a justificativa de incompatibilidade entre o gerenciamento da crise econômica e a candidatura presidencial. 

Professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Miguel De Luca classifica como "lógica" a aliança entre Larreta e Bullrich, dois rivais internos no Juntos por el Cambio. "Somente aliados poderão reter votos e somar novos. Eles poderão ter êxito em tentar derrotar Milei, mas será difícil", afirmou ao Correio. Ele vê dois problemas em impedir o avanço do ultradireitista rumo a uma eventual vitória nas eleições presidenciais. "Se os políticos tradicionais se unirem, isso reforçaria a ideia de que são uma 'casta', de que são apenas o mesmo, assim como diz o próprio Milei. Tanto Bullrich quanto Massa são competitivos. Dificilmente um deles desejará renunciar à disputa, pelo menos por enquanto", observou. 

Arquivo pessoal - Patricia Bullrich conversa com Horacio Larreta (E) sobre os rumos da chapa opositora nas eleições de outubro: primeiras negociações após as prévias

Segundo De Luca, o dilema para os demais candidatos — Bullrich, Massa, Juan Schiaretti (governador de Córdoba) e a deputada Myriam Bregman — está no fato de que criticar Milei significa ampliar o seu espaço e reconhecer a possibilidade de vitória da extrema direita. "Isso seria fazer uma campanha a favor de Milei", avalia o cientista político. Ele entende que o ultradireitista tem dois adversários: a coalizão Juntos por el Cámbio, que governará em oito ou dez províncias e terá as maiores bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado; o outro é Axel Kiciloff, governador kirchnerista da província de Buenos Aires. "Milei poderia se aliar ao Juntos por el Cambio para derrotar Kiciloff e sepultar o kirchnerismo. Seria algo lógico, mas perderia credibilidade."

Damian Deglauve, analista da DED Consultoria Politica, em Buenos Aires, acredita que Bullrich possa lançar mão de sua experiência política para produzir o "novo", para forçar uma mudança original no estrato político da Argentina, como uma alternativa a Milei. "Ao contrário de Milei, Bullrich tem experiência e estrutura partidária para plasmar essas mudanças, na eventual condição de chefe de Estado. Por faltar essa estrutura a Milei, seu possível governo corre o risco de culminar em um grave conflito social", admitiu ao Correio. 

Na opinião de Deglauve, o único candidato capaz de impedir Milei de chegar à Casa Rosada é Sergio Massa. O problema está no fato de que o ministro da Economia teve um desempenho muito abaixo do esperado nas primárias. "Massa pode se beneficiar do peso da estrutura política do peronismo e tentar convencer os eleitores que se abstiveram para buscar se garantir no segundo turno. A partir daí, apostar em uma campanha negativa, de medo e de alto impacto. Mostrar que a sociedade deve preferir o continuísmo a um conflito social grave. No entanto, a crise econômica se agravou, e o oficialismo parece sem reação", acrescentou. 

Deglauve compreende que a saída do oficialismo, do kirchnerismo e do peronismo para golpear Milei e desgastar sua candidatura seja transmitir a mensagem sobre o perigo de caos social. "Os candidatos também têm que atacar as propostas vazias e utilizar o medo como agente mobilizador. Por sua vez, Patricia Bullrich precisa se colocar como uma candidata capaz de implementar reformas por ter peso e aparato político. Como a única para acabar com o populismo." 

Artistas

Para conquistar os eleitores mais jovens, considerados fundamentais para a vitória de Milei nas primárias,  um grupo composto por músicos populares na Argentina — como a popstar Lali Espósito, os rappers Trueno e Ca7riel — chamou seus fãs à reflexão sobre o avanço do ultraliberal. "Seus direitos são a única coisa que você tem, não os dê de presente", disse Trueno a seguidores, por meio da rede social X, o antigo Twitter. "É perigoso que tenha gente que vote em um antidireitos", "que perigoso, que triste", manifestou-se Espósito no domingo.

 

Equador deve confirmar Zurita

A autoridade eleitoral do Equador abriu o caminho para as aspirações presidenciais de Christian Zurita, o substituto do líder político assassinado, ao rejeitar um recurso apresentado pela força esquerdista do ex-presidente Rafael Correa para impedir a candidatura de Zurita. O correísmo alegou que Zurita aparecia inscrito pelo partido de centro-direita Renovación Total (Renovação Total, Reto) e não pelo Construye (Construir), que dá o aval presidencial, por isso estaria incorrendo em dupla militância. O Equador escolherá seu próximo presidente no domingo. 

Zurita argumentou que um documento que o vinculava ao Reto era falso, por isso pediu ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a cassação de sua validade para o primeiro turno de domingo. O CNE deu-lhe razão e aceitou "a nulidade" solicitada, disse à imprensa Diana Atamaint, presidente da entidade. O suposto conflito de Zurita o teria impedido de ser candidato por violação das normas eleitorais.

O "correísmo novamente tenta nos silenciar, confirma seu temor à nossa candidatura", afirmou mais cedo no X (antes Twitter) o Construye, partido de centro ao qual pertencia Villavicencio, segundo nas intenções de voto antes de sua morte, atrás da correísta Luisa González, segundo a Cedatos. Zurita celebrou a decisão do CNE: "Estamos a poucas horas de que se oficialize a candidatura de Christian Zurita e Andrea González", sua candidata à vice-presidência, disse em Guayaquil. Em entrevista ao Correio, publicada ontem, Zurita disse que as urnas vão impor um castigo pelo assassinato de seu amigo e jornalista Fernando Villavicencio, executado com três tiros.