O mercado reagiu de forma negativa; o peso perdeu 18,3% do valor; o dólar oficial disparou e subiu 20 pontos percentuais; a perplexidade e a incerteza tomaram conta da terceira maior economia da América Latina e do terceiro principal parceiro comercial do Brasil. A vitória surpreendente do ultradireitista Javier Milei nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) desferiu um golpe no kirchnerismo, no peronismo e na esquerda do presidente Alberto Fernández. Com 97,39% das urnas apuradas, às 19h40 desta segunda-feira (14/8), Milei tinha 30,04% dos votos. A coalizão Juntos por el Cambio (oposição) obteve 28,27% dos votos — 16,98% para Patricia Bullrich e 11,29% para Horacio Larreta. A aliança kirchnerista Unión por la Pátria teve 27,27% — 21,40% para o ministro da Economia, Sérgio Massa, e 5,87% para Juan Grabois. Com isso, Milei, Massa e Bullrich estão confirmados como candidatos nas eleições de 22 de outubro.
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Sem conseguir criar uma frente unificada, o kirchnerismo — a coalizão Juntos por el Cambio — não conseguiu convencer a sociedade argentina sobre sua capacidade de resolver os problemas. As duas alianças tradicionais também expuseram a incapacidade de solucionar as pendências do país. Para a analista política Mara Pegoraro, professora da Universidad de Buenos Aires (UBA), apesar de derrotada, a política tradicional tem mais cacife eleitoral do que Javier Milei."O que tivemos no domingo foi uma foto de um panorama muito mais complexo", observou. "O peronismo, em sua expressão de kirchnerismo, atravessa uma crise de renovação de dirigentes. Não está claro quem serão os novos líderes do peronismo, no formato que adotará. É o fim de um ciclo do kirchnerismo." Pegoraro aponta uma desarticulação dos partidos tradicionais e uma provável desinstitucionalização do sistema partidário.
Facundo Galván, colega de Pegoraro na UBA, avalia que o triunfo de Milei nas primárias indica que a cidadania está enojada com a classe política tradicional. Um fenômeno que, segundo ele, não foi previsto nem pelos analistas nem pelos institutos de pesquisa. "Nas ruas, no entanto, é possível notar isso. A política tradicional tem preocupações que não são a do povo. Grande parte da cidadania se mostra silenciosa e não se expressou antes das primárias. Agora, abre-se uma conjuntura muito crítica, tanto para o oficialismo quanto para a principal oposição, a coalizão Juntos por el Cámbio. Ambos vivem um momento de profunda incerteza", afirmou à reportagem. Ele considera fundamentais as estratégias de campanha de Milei, Massa e Larreta, a fim de ampliarem seus apoios eleitorais e tentarem chegar ao segundo turno.
O analista político Damian Deglauve, baseado em Buenos Aires, admitiu ao Correio que o terremoto causado por Milei na argentina foi muito contundente. "Mesmo sem um partido político e sem uma estrutura, ele conseguiu uma vitória em quase toda a nação, ao derrotar as duas coalizões formadas por partidos tradicionais", avaliou. Segundo ele, o ultradireitista produz forte impacto na política tradicional. "Milei é alguém novo, um outsider, que ingressou bradando contra toda a classe política, superando o choro existente com um novo choro", acrescentou. Ele reconhece que as duas coalizões tradicionais não têm sido bem-sucedidas em comunicar-se bem com a sociedade. Ele vê uma comunicação vertical, por parte de ambas, sem que escutassem e respondessem às demandas sociais captadas por Milei.
"O candidato da ultradireita colocou em xeque todos os conceitos da política argentina: o aparato partidário, os votos do kirchnerismo e o apoio aos partidos tradicionais. Todos esses temas eram interpelados pela juventude e pela classe trabalhadora, antes representadas pelo peronismo. O impacto da vitória de Milei é muito forte. Causa mais incerteza econômica, pois Milei não se mostra uma pessoa racional e se prende ao lado ecomocional", acrescentou Deglauve.
Ainda segundo Deglauve, a economia pode responder de forma negativa ao triunfo de Milei. Isso porque a o peso segue em franca desvalorização e tem se mostrado uma moeda desgastada. "A Argentina precisa recorrer a ajustes monetários, a única ferramenta para freiar a inflaçõa. É preciso produzir bens e serviços para gerar renda e dividas. Com o êxito de Milei nas primárias, a decadência econômica pode avançar, mas de uma maneira que não cause profunda crise política nem leve a uma reação da sociedade. Os canais institucionais ainda podem gerar respostas e contenções."
Também cientista político da UBA, Miguel De Luca afirmou à reportagem que os resultados das PASO de domingo (13/8) não foram previstos por nenhuma análise política. "Os prognósticos que atribuíram o maior nível de apoio a Milei ficaram bem aquém dos resultados obtidos por ele no contexto nacional. Nos últimos 40 anos, nenhum candidato sem uma organização implantada em todo o país pôde obter o patamar de votos conquistados por Milei. Até agora, contar com uma organização, com uma máquina política ou com um aparato partidário era algo fundamental. Milei mostrou que isso não é mais necessário", disse.
De Luca acredita na possibilidade de Milei repetiir o triunfo, durante as eleições de outubro. "O segundo turno, na Argentina, é ganho com 45% dos votos ou com 40% mais 10% de diferença para o segundo colocado", explicou.
EU ACHO...
"Claramente, o kirchnerismo e o oficialismo estão com os dias contados. O kirchnerismo necessita de uma nova estratégia, de novas faces e da renovação do contato com a sociedade. Aqueles que têm algum tipo de reclamação do governo são tratados como opositores. Essa metodologia é muito difícil de ser mudada neste momento. O kirchnerismo se encontra derrotado, e o peronismo deverá incorporá-lo."
Damian Deglauve, analista político da DED Consultoria Politica, em Buenos Aires
"O fim do kirchnerismo é algo certo. Mas é preciso ver também o colapso do sistema partidário tradicional da Argentina, com o peronismo e a Unión Cívica Radical. Uma nova geração de cidadania gritou 'Basta! Queremos outra coisa e outro tipo de discurso!' As primárias foram extremamente competitivas e contra todos os prognósticos. Milei, claramente, é um favorito. Mas isso não o declara automaticamente presidente. Falta muito. O oficialismo tem muitas cartas na manga."
Facundo Galván, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
"A melhor explicação em torno do fenômeno Milei está na enorme saciedade dos argentinos a respeito de propostas repetitivas, que obrigam o eleitor a confiar em um conjunto de receitas que, em muitos casos, provaram-se fracassadas. Milei lança mão de um elemento na campanha: a bronca, o nojo e a sensação de cansaço. Os eleitores se identificam muito com isso. Milei não propõe resolver os problemas, mas 'reiniciar' a Argentina, usando um 'pensamento mágico', que é mais fácil de ser manejado."
Mara Pegoraro, cientista política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
Porta-voz da insatisfação
Ele lamenta viver em um sistema democrático e se opõe à existência de um Congresso Nacional. Também promete extinguir o Banco Central e eliminar ministérios, medida que não pode ser feita por meio de decretos presidenciais, a não ser que o Parlamento seja dissolvido. Em uma de suas primeiras declarações, após a divulgação dos resultados oficiais das primárias, na noite de domingo, anunciou o princípio do fim do kirchnerismo e da casta política. "Conseguimos construir esta alternativa competitiva que dará fim à casta política parasitária, que rouba, inútil. Estamos em condições de vencer a casta no primeiro turno", declarou. Com caras e bocas, o ultradireitista Javier Milei — candidato antisssistema e economista libertário — causou assombro na política argentina.
Aos 52 anos, Milei tem como um dos bordões: "Viva a liberdade, c...!" Os cabelos desgrenhados, o estilo roqueiro e as propostas consideradas polêmicas, como permitir a venda livre de órgãos humanos e liberar o porte de armas, o tornaram uma espécie de ícone entre os mais jovens. No dia seguinte às primárias, analistas se apressavam em tentar decifrar o político inimigo dos políticos.
Professora de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Mara Pegoraro analisa muitas das propostas de Milei como "pouco realistas". "Ele não parece ter uma ideologia muito clara. Define-se como liberal, mas, na verdade, é contrário à consagração e às garantias de direitos civis, políticos e sociais e humanos. A ideologia de Javier Milei é qualquer coisa, menos liberal e bastante autoritária", disse ao Correio. Sem deputados e senadores suficientes para encampar reformas no Legislativo — como a dolarização da economia, o fim do aborto e do casamento homossexual, mudanças nos Códigos Penal e Civil —, Milei se mostra fora do espectro democrático.
"O perigo de Milei está em seu próprio perfil: um outsider que apresenta propostas mágicas e que não compreendem a profundidade dos problemas da Argentina", advertiu Damian Deglauve, analista político de Buenos Aires. Ele alertou que tais propostas podem abastecer a sociedade com um alto nível de ilusão. "Se Milei não conseguir cumprir com a agenda de governo, caso eleito presidente,a necessidade de mudanças permanentes pode provocar algum tipo de reação violenta ou de desencanto imediato, o que desestabilizaria ainda mais o país." O fato de Milei não possuir um aparato político no qual possa se apoiar aumentaria o risco de respostas autoritárias e populistas, abrindo caminho para a ruptura total, na visão de Deglauve.
De acordo com Sonia Ramella, centista política da Universidad del Salvador (USAL, em Buenos Aires), a dolarização da economia argentina e o enxugamento de ministérios são as propostas mais complicadas de Milei. "Será preciso ver quão funcional será o aparato político com a metade dos ministérios. Em termos econômicos, não temos as condições necessárias para uma dolarização da moeda. Será preciso construir consenso político, sobretudo no Congresso." (RC)
Dirigente político é assassinado no Equador
O equatoriano Pedro Briones, dirigente político do partido Revolución Ciudadana, foi assassinado a tiros, nesta segunda-feira (14/8), cinco dias depois da execução do candidato presidencial Fernando Villavicencio. "Outra perda que nos parte a alma. Uma bala assassina acabou com a vida de Pedro Briones, em San Mateo. Até quando? Solidariedade para com sua família. Por ti, companheiro querido, vamos vencer", escreveu no Twitter Paola Cabezas, ex-governadora de Esmerladas, que publicou uma foto ao lado do colega assassinado. Briones era do mesmo partido do ex-presidente Rafael Correa. Candidata a presidente pelo Revolución Ciudadana, Luisa González escreveu no Twitter que "o Equador vive sua época mais sangrenta". "Devemos isso ao abandono total de um governo inepto e de um Estado dominado pelas máfias. Meu abraço solidário à família do camarada Pedro Briones, que caiu nas mãos da violência. A mudança é urgente!", cobrou.
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