Três tiros na cabeça silenciaram para sempre o jornalista e ex-congressista Fernando Villavicencio, candidato presidencial do movimento Construye, e mergulharam o Equador em uma crise política. O assassinato ocorreu por volta das 18h20 de quarta-feira (9/8), cerca de 20h20 em Brasília, no momento em que Villavicencio deixava o Colégio Anderson de Quito, na região centro-norte da capital equatoriana.
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Aos 59 anos, o político de centro-esquerda dedicou parte de sua carreira política a denunciar casos de corrupção. Vídeos divulgados pelas redes sociais mostram o momento em que os tiros são disparados. Várias pessoas se jogam no chão, próximo à porta do colégio. Pouco depois, um grupo corre em direção à esquina, onde há um homem caído na calçada. "O que se passou com Fernando?", uma pessoa questiona. Em outro vídeo, Villavicencio caminha em direção ao carro, cercado por seguranças e carrega uma garrafa e uma sacola. As pessoas gritam "Fernando! Fernando!". Assim que entra no carro, ouve-se 13 disparos. Confira o vídeo:
Até o fechamento desta edição, as informações eram desencontradas. A Procuradoria Geral da República do Equador anunciou que um dos suspeitos foi ferido em troca de tiros com seguranças de Villavicencio e morreu no hospital. O jornal equatoriano El Universo divulgou que três criminosos se aproximaram do carro do presidenciável a bordo de uma motocicleta.
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, divulgou nota em que se disse "indignado e consternado". "Minha solidariedade e minhas condolências à sua esposa e às suas filhas. Por sua memória e por sua luta, eu lhes asseguro que esse crime não ficará impune", escreveu. Lasso informou que se reuniria com o gabinete de segurança no Palácio de Carondelet, sede do Executivo. "Pedi à presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Diana Atamaint; à procuradora-geral do Estado, Diana Salazar; ao presidente da Corte Nacional de Justiça, Iván Saquicela; e às demais autoridades de Estado que compareçam de maneira urgente a esta reunião para tratarmos do fato que consternou o país. O crime organizado chegou muito longe, mas todo o peso da lei cairá sobre eles", avisou Lasso.
Às 23h21 de ontem, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil publicou um comunicado em que afirma ter tomado conhecimento, "com profunda consternação", do assassinato. "Ao manifestar a confiança de que os responsáveis por esse deplorável ato serão identificados e levados à Justiça, o governo brasileiro transmite suas sentidas condolências à família do candidato presidencial e ao governo e ao povo equatorianos", diz a nota do Itamaraty.
Os candidatos equatorianos Yaku Pérez, da lista formada pela Unidad Popular e pelo Partido Socialista, e Jan Topic, que se define como um outsider, imediatamente anunciaram a suspensão de todas as atividades de campanha, em resposta à execução de Villavicencio. "Estou indignado por esse covarde assassinato. O mínimo que posso fazer é expressar minha solidariedade aos seus familiares e militantes. Por isso, decidi suspender a campanha. Convido todos os candidatos a deixarem suas bandeiras políticas e a fazerem um pacto social pela segurança", desabafou Pérez. Por sua vez, Topic disse que faria o mesmo, "ante o trágico assassinato de Villavicencio e pela segurança" de sua equipe de campanha e brigadistas.
Sem precedentes
Em entrevista ao Correio, Simón Pachano — professor de ciencia política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito — explicou que o assassinato de Villavicencio é "um ato muito grave praticamente sem precedentes na história do Equador". "Nos últimos 44 anos, desde a transição do país à democracia, não houve um atentado dessa natureza. No momento dessa transição, houve um assassinato de um ex-presidenciável. Entre 1979 e ontem, tínhamos visto atentados contra candidatos a prefeito. Recentemente, o prefeito da cidade portuária de Manta foi morto. Em nível nacional de candidaturas, isso era algo desconhecido."
De acordo com Pachano, Villavicencio se caracterizou por fazer denúncias sobre corrupção em todas as instâncias políticas e em abordar a relação dessas esferas com o narcotráfico. "É possível interpretar que o atentado está muito relacionado com essas denúncias. O narcotráfico e a política, aparentemente, estão muito associados nesse contexto", explicou. "Há uma ligação entre setores políticos e cartéis do narcotráfico, que usam o banditismo para eliminar aqueles que os denunciam." O analista não vê condições de segurança para a realização de eleições, mas descarta o cancelamento do pleito e aposta na substituição da candidatura de Villavicencio.
Diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE), Arturo Moscoso qualificou o atentado como algo "terrível" e uma “amostra da penetração do narcotráfico e do crime organizado no país". "Se nem mesmo um candidato à Presidência pode estar a salvo, o que diremos dos cidadãos?", questionou ao Correio, por telefone. Ele advertiu que o crime corrói a confiança nas instituições de Estado e no sistema político. "Villavicencio terá que ser substituído por outro candidato. Isso poderia incidir um pouco em beneficiar o correísmo (os simpatizantes do ex-presidente Rafael Correa). Villavicencio sempre foi muito combativo com o correísmo", ressaltou.
André Benavides, advogado constitucionalista baseado em Quito, afirmou à reportagem que se sente “consternado” pela situação enfrentada pelo Equador. “Duas semanas atrás, mataram um prefeito. Hoje, matam um candidato presidencial”, lamentou. “Villavicencio teve a valentia de confrontar as máfias, e o fez de uma maneira muito frontal. Creio que esse tipo de discurso e a retórica que adotava em seus comícios lhe custaram a vida.” Segundo ele, Villavicencio não estava entre os candidatos favoritos nas eleições gerais antecipadas de 20 de agosto. “Ele se despontava nas pesquisas, mas nada garantia que fosse para o segundo turno.”