Lisboa — Nos cincos dias da Jornada Mundial da Juventude, duas palavras dominaram os discursos de Francisco: esperança e acolhimento. Não sem razão, o papa tentou mostrar aos milhares de jovens que é possível construir, com ousadia, um futuro melhor para as próximas gerações, no qual cabem todos, com as qualidades e os defeitos, mas sempre com o olhar voltado ao outro. Como resposta, o chefe da Igreja Católica recebeu deles um rosário de aflições, numa via-sacra que explicita o quanto tem sido difícil para eles a caminhada. Desemprego, pobreza, violência, medo do futuro. Os jovens lançaram um grito de socorro, que, para especialistas, está longe de ser atendido.
Há uma geração em perigo. "Em Portugal, podemos dizer que vivemos uma tragédia. Os jovens estão sem perspectivas, apesar dos avanços que o país obteve desde o fim da ditadura, em 1974, e, sobretudo, depois da adesão à União Europeia", alerta a professora universitária Luísa Godinho, doutora pela Universidade de Genebra. O desemprego entre os que têm 18 a 30 anos está em 17%, quase o triplo da média nacional. A falta de oportunidades é tamanha, que a maior parte dos que concluem o curso superior prefere migrar para outros países da Europa, onde, creem eles, podem conseguir salários maiores. O resultado disso é que em quase todas as cidades portuguesas há mais idosos do que jovens e crianças. "Um drama", frisa.
No Brasil, a situação não é muito diferente quando se fala do mercado de trabalho. Há um agravante: a violência urbana, que vem dizimando parte dessa população, em especial, a de meninos negros da periferia. A taxa de desocupação entre os jovens brasileiros atinge 27%, uma das maiores do mundo. Estima-se que 5,2 milhões de meninos e meninas de 18 a 24 anos não estudam nem trabalham. Pelos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 37 países analisados, somente a África do Sul tem mais jovens nessa situação alarmante. Fora das escolas e sem emprego, tornam-se presas fáceis para a brutalidade que ceifa vidas.
"Não podemos mais aceitar essa realidade", diz o carioca Lucas Pessoa, 28 anos, mediador de políticas públicas. "Estão matando o nosso povo", ressalta, com base em sua experiência, de morador do morro Santo Amaro e de professor na Favela da Maré. A ONU aponta que, a cada 23 minutos, um jovem negro morre vítima de violência no Brasil. "É fundamental que o papa, com a importância que tem, nos ajude a enfrentar esse quadro cruel, cobrando políticas públicas eficientes dos políticos", complementa a maranhense Maria Angélica, 29.
Violência e depressão
Para Luísa Godinho, é compreensível que Francisco, como chefe da Igreja, entoe um discurso positivo, de esperança, mas é fundamental que o Estado faça a sua parte. Salvador Pereira, 16, de Espinho (norte), reconhece que a realidade para os jovens não está fácil em Portugal. "O custo de vida subiu muito, se não houver ajuda dos pais, não se consegue viver em cidades como Porto e Lisboa." Ele torce para que, quando se formar em engenharia da informática, consiga reunir as condições para ficar no país. "É o que espero", frisa. Para Ana Borges, 16, a situação já foi pior. "Houve avanços, mas o governo precisa fazer a sua parte para que a minha e as próximas gerações possam ocupar cargos de destaques. Tenho muito orgulho do país e espero me formar e trabalhar aqui", diz. "Estou cheia de esperança", emenda Luísa Sá, 18.
A realidade nada animadora tem feito com que muitos jovens mergulhem nas redes sociais como instrumento de fuga. O problema, ressaltam especialistas, é que muitos começam a conflitar o que vivem no dia a dia com o mundo cor-de-rosa da internet, em que todos são felizes, bonitos e sarados. Essa distância entre o que se é e o que muitos gostariam de ser tem levado meninos e meninas ao isolamento e, por consequência, a problemas sérios na saúde mental. O quadro se agravou depois da pandemia, aumentando os casos de suicídio. Nos Estados Unidos, desde 2007, o número de jovens que puseram fim à própria vida cresceu mais de 60%. Os homens são as maiores vítimas, pois têm menos coragem para expressar seus sentimentos e as dificuldades em lidar com crises de ansiedade e depressão.
No entender de Francisco, é preciso enfrentar esses problemas, pois todos têm as suas crises, todos sofrem, todos choram, inclusive ele. Como exemplo, logo no primeiro dia em que chegou a Portugal, o pontífice encontrou 13 vítimas de abusos sexuais na Igreja e pediu perdão a elas. Esses crimes têm aumentado de forma preocupante, e a maioria acontece dentro de casa, envolvendo pessoas da própria família. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (Apav), no ano passado, quatro menores foram vítimas de pedofilia por dia. No Brasil, informa o Ministério da Saúde, foram quase 203 mil casos entre 2015 e 2021. Para o papa, um dos principais caminhos para evitar essa violência é a educação.
Ontem, no penúltimo dia da Jornada Mundial da Juventude, o pontífice voltou a defender a inclusão e a solidariedade como ferramentas para a construção de um mundo mais justo. Ao rezar o terço com 112 jovens presidiários e jovens com doenças e deficiências na Capelinha das Aparições, no Santuário de Fátima, ele afirmou que a Igreja não tem portas para que todos possam entrar, sem exceção. Mais de 200 mil peregrinos atenderam ao chamado de Francisco, que optou por um discurso improvisado, ressaltando a força das mulheres, as mães, que estão sempre apressadas, de coração aberto para abraçar todos os filhos.
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