Lisboa — Diante da fuga cada vez maior de fiéis da Igreja — o Censo de 2022 deve mostrar, pela primeira vez, que os católicos são menos de 50% da população no Brasil —, o papa Francisco aproveitou uma multidão de 500 mil pessoas para tentar conter esse êxodo. Em discurso na primeira missa que rezou na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), ele repetiu, por diversas vezes, que há espaço para todos na Igreja, "para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldades". São fortes as críticas de que a estrutura encravada no Vaticano mantém os dois pés no atraso, não se adequando ao mundo real, sobretudo aquele vislumbrado pelos jovens, os que lotaram o Parque Eduardo VII para ouvir o pontífice.
"Na Igreja, há espaço para todos e, quando não houver, por favor, façamos com que haja", afirmou Francisco a um público que não quer ser julgado por suas escolhas, pela opção sexual, por sua cor ou por serem ricos ou pobres. A palavra mais ouvida era diversidade. É isso o que todos querem ver na Igreja, sem que seja preciso quebrar tradições. Há o reconhecimento de que o papa tem promovido avanços, mas há clara resistência na ponta. Os padres, mais próximos dos fiéis, ainda cultivam preconceitos que assustam os jovens, que, quando buscam a Igreja, esperam acolhimento e solidariedade. "A juventude precisa ter voz e ser ouvida", afirmou o brasileiro Luiz Fernando, 20 anos, de Salvador.
A convocação do pontífice explicitou a preocupação da Igreja com a competição que sofre nas redes sociais. O mundo virtual, ressaltou o papa, tira muita gente de dentro dos templos. O compromisso da presença nas missas está rareando. Não à toa, Francisco atacou a força dos algoritmos e dirigiu-se aos jovens: "O teu nome aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências para pesquisas de mercado. Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil? São ilusões do mundo virtual", disse.
- "A Igreja está aberta para todos, os pecadores, os que caem", afirma Papa
- Para Francisco, jovens não podem ser presas da especulação
Abusos sexuais
Segundo o papa, ninguém da Igreja tem o direito de apontar o dedo a quem quer que seja. "Somos todos pecadores, todos cheios de limitações. Portanto, que as portas da Igreja sejam abertas, sem muros." Anteontem, ele se encontrou com 13 vítimas de abusos sexuais quando ainda eram menores de idade cometidos por clérigos católicos. Francisco pediu perdão. A falta de punição aos pedófilos e a hipocrisia dos que estão à frente da Igreja têm sido dois principais motivos para a fuga de fiéis. "Somos amados como somos. Todos devem ser o que são, não o que a sociedade quer que sejam", frisou.
A imperfeição da Igreja, na avaliação de Francisco, deve ser motivo de questionamentos, em especial dos mais jovens. "Nunca deixem de perguntar, pois isso é muito bom, muitas vezes, é melhor que dar respostas. Quem pergunta permanece inquieto, um remédio contra a normalidade rasteira que anestesia a alma", enfatizou. O líder católico sabe que não há espaço para meias palavras ante a ansiedade dos jovens. Assim como milhares cruzaram o mundo para participar da Jornada em Portugal, podem, a qualquer momento, romper os laços com o catolicismo.
A inquietude, de acordo com o papa, será importante ferramenta para que todos saiam da zona de conforto. "Não devemos ter medo de nos sentirmos inquietos, de pensar que o que temos basta. Estar insatisfeito na justa medida é um bom antídoto contra a presunção de autossuficiência e do narcisismo", assinalou. Não se pode, para ele, ficar com saudades do futuro, pois a autopreservação é uma tentação, um reflexo condicionado do medo, que faz as pessoas olharem o mundo de forma distorcida. Francisco frisou a importância de se analisar os fatos em conjunto, não de um lado ou de outro, numa polarização que em nada contribui para a sociedade.
Valentia para a vida
Antes do encontro com os jovens, no Parque Eduardo VII, em uma das áreas mais nobres de Lisboa, Francisco desafiou universitários a empreenderem um mundo melhor. Em vez de medo do futuro, ele recomendou, em conversa com estudantes da Universidade Católica de Portugal, que prevaleça a valentia. O pontífice alertou para que a atual geração não se deixe levar por visões parciais, pois podem se tornar presas fáceis da especulação e do mercado selvagem. "Tenham a valentia de substituir os medos por sonhos, não sejam administradores do medo, sejam empreendedores de sonhos."
Segundo o pontífice, os jovens não podem se conformar com simples medidas paliativas e com compromissos tímidos e ambíguos. "Busquem, arrisquem-se. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos, mas abraçamos o risco de pensar que não estamos em uma agonia e, sim, num parto. Não é o final, mas o começo de um grande espetáculo. Sejam todos protagonistas de uma nova coreografia", afirmou.
Para o papa, os estudantes devem tirar todo o proveito de terem acesso a uma universidade, um centro de pensamento e de descobertas. Por isso, reitera, seria um desperdício pensar em uma instituição de ensino comprometida com a formação de novas gerações atuando para perpetuar o atual "sistema elitista e desigual, em que a educação superior é privilégio de poucos".
Verdadeiras regentes
Francisco, que ouviu os testemunhos de quatro universitários, fez questão de ressaltar a importância das mulheres para a construção de uma sociedade menos desigual. De acordo com ele, são elas as "verdadeiras regentes" da economia e da vida. "A contribuição feminina para um mundo melhor é indispensável. Por mais que a Bíblia fale sobre economia da família, são as mulheres que realmente comandam a casa, que tem por objetivo o bem-estar de todos. É apaixonante empreender os estudos econômicos partindo desta perspectiva, com a intenção de restituir a economia da dignidade", reforçou.