Mais um golpe militar na África. Cinco semanas depois de o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, ter sido feito refém pelas tropas da sua própria guarda presidencial, Ali Bongo, do Gabão, também foi detido.
Uma declaração feita na televisão nacional nas primeiras horas de quarta-feira (30/8) para declarar Bongo o vencedor das eleições realizadas no domingo (27/8) foi seguida, poucos minutos depois, por uma segunda transmissão surpresa, quando um grupo de soldados anunciou a tomada do poder.
Mais tarde naquele mesmo dia, quando surgiram imagens de multidões celebrando o fato — após a nova junta ter acabado com o limite de acesso à internet imposto pelo regime de Bongo antes e depois das eleições — o chefe de Estado deposto apareceu em um vídeo enviado diretamente do local de confinamento.
Perplexo, ele apelou — em inglês — para que aliados "fizessem barulho", na aparente esperança de que a pressão externa pudesse reverter a reviravolta chocante dos acontecimentos — uma perspectiva que parece remota.
Porém, mesmo que o próprio Bongo estivesse despreparado para um golpe, talvez a África e o mundo não devessem estar tão surpresos assim.
A queda de Bazoum no Níger, em 26 de julho, serviu como um amplo aviso de que a “epidemia golpista” na África Ocidental e Central ainda não tinha chegado ao fim.
Em janeiro do ano passado, o presidente de Burkina Faso, Roch Marc Christian Kaboré, foi deposto pelos soldados — cujo líder foi destronado por militares de baixa patente apenas oito meses depois, em setembro de 2022.
Antes disso, o ano de 2021 foi marcado por outros dois golpes de Estado na África Ocidental.
Em maio, o coronel Assimi Goïta, líder de um primeiro golpe militar no Mali, organizou um segundo golpe para reafirmar o próprio poder.
Em setembro de 2021, as forças especiais da Guiné abriram caminho até ao palácio Sékhoutouréyah, em Conacri, para deter o presidente Alpha Condé.
E não devemos nos esquecer do Chade, onde um conselho militar agiu para garantir a posse do filho de Idriss Déby Itno, morto numa batalha em abril, para dar continuidade ao regime de longa data que controla o país.
Mas por que isso está acontecendo na África Ocidental e Central — e nas antigas colônias francesas em particular?
Há seis anos, a partida para o exílio do político gambiano Yahya Jammeh, derrotado numa eleição, deixou todos os países da África Ocidental sob regimes constitucionais multipartidários.
No centro do continente, sobreviveram alguns regimes autoritários, mas a era das conquistas militares parecia ter passado há tempos.
No entanto, os últimos três anos foram marcados por sete golpes de Estado em cinco países — além da tomada do poder por militares fortemente armados no Chade.
Existem fatores comuns que criaram as condições para que os soldados sentissem que poderiam intervir com relativa impunidade e, muitas vezes, com o apoio de uma grande fatia da população urbana, especialmente de jovens frustrados com a atual situação de seus países.
Em grande parte da África Ocidental e Central, os cidadãos mais jovens ficaram amplamente desencantados com a classe política tradicional, mesmo com aqueles que foram legitimamente eleitos para os cargos públicos.
Esta desilusão é alimentada por uma série de questões — a escassez de empregos e até de oportunidades econômicas informais, tanto para quem tem diploma como para os menos instruídos, a percepção de elevados níveis de corrupção e de privilégios entre a elite, bem como o ressentimento face à influência persistente da França na economia local.
Mas há também um profundo ressentimento pela forma como muitos governantes civis manipulam os processos eleitorais ou as regras constitucionais para prolongar a permanência no poder. A eliminação dos limites do mandato presidencial — após alterações controversas nas constituições — é uma fonte de sentimentos mais intensos.
E tais abusos também minam a autoridade moral de organismos como a União Africana — ou a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), muitas vezes rotulada como um "clube dos presidentes em exercício" — na tentativa de forçar os líderes golpistas a restaurar um governo civil eleito.
O bloco regional centro-africano ao qual o Gabão pertence nem sequer tem pretensões sérias de estabelecer ou manter padrões de governança em todos os Estados-membros.
Mas, embora todos estes fatores criem um clima em que os soldados se sentem cada vez mais encorajados a tomar o poder sob a alegação de um “novo começo”, cada golpe também foi impulsionado por motivações nacionais ou regionais estreitas — e a tomada de poder no Gabão não é uma exceção à regra.
Muitos gaboneses estavam céticos quanto à decisão de Bongo de concorrer a um terceiro mandato. Ele chegou ao poder pela primeira vez em eleições há 14 anos, após a morte do seu pai, Omar Bongo, que monopolizou a presidência durante mais de 40 anos.
Havia também sérias dúvidas sobre a capacidade dele exercer uma liderança eficaz, uma vez que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em outubro de 2018.
O governo do presidente deposto promoveu sérios esforços para modernizar a máquina governamental, diversificar a economia e combater a desigualdade social — e recebeu elogios internacionais pelos esforços proativos e inovadores para proteger as florestas tropicais e a rica biodiversidade do Gabão. Também houve algumas concessões à oposição política.
Mas o dinamismo da reforma desvaneceu-se gradualmente, enquanto o regime se revelou, em última análise, pouco disposto a expor-se a sérios desafios eleitorais.
Na verdade, desde o início, a legitimidade e a posição política de Bongo foram minadas pela condução opaca das eleições que levaram Bongo ao poder em 2009.
Muitas pessoas pensaram que André Mba Obame, o principal rival eleitoral, tenha sido provavelmente o verdadeiro vencedor.
Quando Bongo se candidatou à reeleição em 2016, numa disputa acirrada contra o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jean Ping, só obteve uma vitória estreita após a contagem dos votos oficiais da região de Haut Ogooué — o feudo político da família Bongo —, onde ele registrou um número inacreditavelmente enorme de votos.
No entanto, os registros das assembleias eleitorais foram destruídos antes que pudessem ser verificados por observadores independentes.
Nas últimas eleições, Bongo foi declarado vencedor com 64% dos votos. Ele não permitiu que quaisquer instituições internacionais monitorizassem a votação, e a oposição classificou o resultado como "fraudulento".
Os militares finalmente intervieram, dizendo que a eleição "não cumpriu as condições para uma votação transparente, crível e inclusiva como esperado pelo povo do Gabão".
Muitos gaboneses saudaram o golpe, mas o fato levanta novos receios sobre o futuro da democracia em muitos países da África Ocidental e Central.
*Paul Melly é consultor do Programa África no think tank de política internacional Chatham House, sediado em Londres.
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