DIPLOMACIA

Os limites e riscos do aceno de governo Lula à Argentina

Presidente brasileiro recebeu nesta segunda, em Brasília, Sergio Massa, ministro da Economia argentino e candidato governista à Presidência

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (à direita), conversa com o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, após reunião em Brasília
 -  (crédito: Divulgação)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (à direita), conversa com o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, após reunião em Brasília - (crédito: Divulgação)
BBC
Julia Braun - Da BBC Brasil em São Paulo
postado em 28/08/2023 22:19 / atualizado em 28/08/2023 22:21

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu nesta segunda-feira (28/8) o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, no Palácio do Planalto.

Além de homem forte do mandatário Alberto Fernández, Massa é o candidato governista nas eleições presidenciais marcadas para o fim de outubro.

Na agenda do encontro, o ingresso argentino no Brics, a abertura do mercado brasileiro para produtos agrícolas do país vizinho e o financiamento de obras de infraestrutura e uma nova linha de créditos para o comércio bilateral.

Mas com a proximidade do pleito, a reunião é vista por muitos como uma oportunidade de campanha para Massa e seu partido, que se beneficiam da relação próxima com o governo Lula.

"Ter o apoio do Brasil e de Lula a seu programa político é muito importante para Sergio Massa. Ele sabe que ganha capital político internamente com isso", diz Karen Honório, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Mas segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o encontro também pode incomodar e render críticas de membros da oposição de ambos os países, mas em especial do líder nas pesquisas argentinas, Javier Milei.

Economista de direita radical, o deputado foi o mais votado nas primárias realizadas em 13 de agosto e lidera as pesquisas de opinião, com 38,5% das intenções de votos válidos. Sergio Massa vem na sequência, com 32,3%, seguido de Patricia Bullrich, com 25,3%.

A maior preocupação, pelo lado brasileiro, é que os constantes acenos de Lula a Fernández e Massa possam prejudicar a relação no caso de um futuro governo Milei.

Defensor da iniciativa privada e do livre mercado, o candidato rejeitou manter relações com os líderes de esquerda que comandam as principais economias da América Latina - entre eles, Lula.

"Visitas desse tipo sempre serão usadas politicamente. Nessa caso podem provocar reações raivosas da oposição, especialmente de Milei e Bullrich", diz Javier Vadell, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Além disso, também há quem aponte limites nos benefícios que essa associação com o Brasil podem trazer para a Argentina, especialmente em um momento de crise econômica para ambas as nações.

"A relação mais próxima com o Brasil tem favorecido muito a Argentina, mas logicamente que não resolve todos os problemas do país, que tem desafios enormes", diz Vadell.

Como o Brasil tem ajudado a Argentina?

A Argentina passa por uma turbulência política, além de uma crise econômica, com inflação acima de 100% na cifra anualizada, falta de moeda forte e desvalorização do peso argentino.

Diante de tudo isso, o Brasil tem sido o principal aliado do governo local para encontrar saídas para o momento de desequilíbrio.

Só em 2023, Lula e Fernández já se encontraram 6 vezes. O presidente brasileiro também usou diversas ocasiões para fazer apelos públicos por ajuda ao país vizinho.

Entre os projetos mais importantes para ambos os países está a entrada da Argentina no Brics, anunciada oficialmente na semana passada, durante a 15ª Cúpula do Brics, em Joanesburgo, na África do Sul.

O país, segundo negociadores brasileiros, corria por fora entre as demais nações que disputavam uma vaga no bloco, mas contou com forte apoio de Lula e seu governo.

Estão em curso também negociações sobre o financiamento de obras de infraestrutura na Argentina.

Em seu encontro com Lula nesta segunda, Massa deve discutir justamente o lançamento de uma licitação para a construção de uma nova etapa do gasoduto Néstor Kirchner, no sul do país, e que terá financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Também está na agenda comum dos países a negociação de uma linha de crédito rotativa do Banco do Brasil para o financiamento do comércio bilateral na ordem de US$ 140 milhões.

Segundo o próprio governo argentino, o objetivo é usar a linha de crédito para pagar a importação de peças de carros que servirão como insumos para as exportações ao mercado automobilístico brasileiro.

As exportações brasileiras à Argentina são cruciais para a economia vizinha não parar, apesar da escassez de dólares no Banco Central argentino.

Há ainda expectativa de que o governo Lula - e agora os demais aliados do Brics - possam interceder a favor da Argentina em suas renegociações de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O governo argentino pagou no final de julho cerca de US$ 2,7 bilhões (R$ 12,8 bilhões) como parte de uma reestruturação do passivo que mantém com o Fundo.

A parcela foi quitada com um empréstimo do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF, na sigla em espanhol) de US$ 1 bilhão (R$ 4,74 bilhões) e com yuans liberados por meio de uma operação de swap cambial com o Banco do Povo da China (PBoC).

A medida fez parte da 5ª e da 6ª revisão do programa de empréstimo de US$ 44 bilhões, negociado em março do ano passado.

Quais os riscos dessa relação?

Para especialistas consultados pela BBC News Brasil, a parceria estreita entre Argentina e Brasil - e mais especialmente entre os governos Lula e Fernández - pode dificultar as relações no futuro caso Milei seja eleito.

Ainda assim, os analistas afirmam que o pragmatismo deve prevalecer, já que o contato entre as duas nações é muito importante para a economia e geopolítica de ambas.

"Não necessariamente a relação vai ser maravilhosa - obviamente que com Massa haveria mais fluidez e diálogo. Mas passada a campanha e com o início do governo, o pragmatismo deve se impor", avalia Javier Vadell.

Segundo o analista, em um caso como esse devemos ver um cenário muito semelhante ao que vigorou durante a maior parte do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que apesar das diferenças e de uma retórica agressiva contra Fernández, manteve uma relação formal com o governo vizinho.

Para Karen Honório, não há como nenhum dos lados se desviarem de uma parceria. "O Brasil tem um peso muito grande para a Argentina, especialmente diante das agendas comuns desenvolvidas nesse ano", diz.

"Mas o Brasil também se beneficia dessa relação. E a relação com um país vizinho é para sempre, não tem como mudar de casa", completa Vadell.

Ainda segundo a professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), o governo brasileiro tem se portado com cuidado para não ameaçar totalmente uma possível futura relação com Milei.

"O governo brasileiro tem demonstrado cuidado para não declarar apoio enfático. Todos estão esperando o resultado da eleição", diz.

Mas apesar de Sergio Massa fazer sua visita como ministro da Economia, segundo reportagem do jornal Valor Econômico, ao convidá-lo para vir ao Brasil, Lula disse que queria sua presença "como candidato".

E os limites?

Especialistas afirmam que a atual situação argentina é complexa demais para ser resolvida apenas com os acenos brasileiros.

Segundo analistas, além de barrar a inflação e combater a falta de divisas, um dos maiores desafios a longo prazo do país sul-americano está em renegociar a dívida com o FMI sem comprometer o crescimento interno.

Uma seca histórica dificulta ainda mais a situação argentina, levando à menor produção de soja em 20 anos.

Além disso, o Brasil não se encontra na situação econômica mais favorável para fazer promessas.

"O contexto econômico atual, tanto do Brasil quanto da Argentina, é completamente diferente daquele do começo dos anos 2000, quando há um florescimento das relações durante os governos de Néstor Kirchner e Lula", diz Karen Honório.

O limite na ajuda fornecida pelo Brasil foi admitido pelo próprio governo. Após um encontro com Fernández em maio, Lula lamentou não poder apoiar mais o argentino com empréstimos diretos.

Em uma declaração que gerou polêmica em setores da imprensa argentina, o presidente brasileiro disse que Alberto Fernández "chegou aqui muito apreensivo, mas vai voltar mais tranquilo".

"É verdade, sem dinheiro, mas com muita disposição política", disse.

Argentino, o professor Javier Vadell afirma ainda que o apoio de países como os Estados Unidos seriam necessários para fazer grandes progressos na renegociação da dívida argentina com o FMI.

"O Brasil e os demais integrantes dos Brics tem assentos e poder de voto no banco, o que ajuda a Argentina. Mas são os EUA quem têm poder de veto", diz.

"Por isso Massa tem viajado tanto aos EUA e feito tanto esforço para negociar com os americanos."

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