CONFLITO ARMADO

Os ucranianos que não querem lutar na guerra contra Rússia

A Ucrânia vem enfrentando dificuldades para conseguir soldados para lutar contra a Rússia.

Yehor deseja contribuir para o esforço de guerra sem pegar em armas -  (crédito: BBC)
Yehor deseja contribuir para o esforço de guerra sem pegar em armas - (crédito: BBC)
BBC
James Waterhouse - BBC News
postado em 23/08/2023 11:31 / atualizado em 23/08/2023 11:45

A Ucrânia vem enfrentando dificuldades para conseguir soldados.

Não há voluntários em quantidade suficiente. O país precisa substituir constantemente dezenas de milhares de voluntários mortos ou feridos. Muitos outros estão simplesmente esgotados, após 18 meses combatendo a invasão russa em grande escala.

Alguns homens, no entanto, não querem lutar. Milhares deles deixaram o país, às vezes à custa de suborno, enquanto outros buscam formas de esquivar-se das autoridades de recrutamento, que são acusadas de usar táticas cada vez mais severas.

Yehor testemunhou os problemas de saúde mental do seu pai depois de lutar contra o exército soviético no Afeganistão. Por isso, ele não quer lutar.

“O sistema está muito desatualizado”, segundo ele. Yehor pediu à reportagem que seu nome real fosse mantido em sigilo, para proteger sua identidade.

Tipicamente, antes da invasão russa, os homens que não queriam prestar o serviço militar por convicções religiosas tinham alternativas, como trabalhar em serviços sociais ou na agricultura. Mas a lei marcial, imposta no ano passado, eliminou esta possibilidade.

Yehor acredita que estas alternativas ainda deveriam ser oferecidas, independentemente dos motivos das pessoas.

“Cada situação é específica”, defende ele. “O fato de que está escrito na constituição que todos os cidadãos homens devem lutar, na minha opinião, não está de acordo com os valores atuais.”

Yehor foi enviado recentemente para um centro de recrutamento, depois de ter sido abordado pela polícia na capital ucraniana, Kiev, e acusado de evitar a convocação. Ele argumentou que tinha problemas nas costas e acabou sendo liberado, mas receia não ter a mesma sorte na próxima vez.

Existem justificativas para a dispensa do serviço militar, como más condições de saúde, ser pai solteiro ou ser responsável por pessoas vulneráveis. Mas os condenados por fugirem da convocação recebem multas ou penas de até três anos de prisão.

“Todos deveriam ser aceitos para colaborar nesta guerra se suas situações fossem levadas em consideração”, afirma Yehor. “Sinto pelas pessoas que estão na linha de frente, mas não tenho uma alternativa que seja pacifista.”

Crise de corrupção

A Ucrânia vem sendo acusada de que seu sistema de alistamento militar é essencialmente corrupto.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, demitiu todos os chefes regionais de recrutamento do país, devido a acusações generalizadas contra os funcionários do sistema, que incluem suborno e intimidação.

A família de um chefe de alistamento militar em Odessa, no sul do país, chegou a ser recentemente acusada de comprar carros e imóveis no litoral sul da Espanha, no valor de milhões de dólares. O funcionário alega desconhecimento do assunto.

Autoridades de defesa afirmaram à BBC que as acusações são “vergonhosas e inaceitáveis”.

A mobilização faz com que a maioria dos homens com menos de 60 anos não possa deixar a Ucrânia. Milhares deles tentam frequentemente fugir do país, principalmente para a Romênia, através dos montes Cárpatos.

Entre os que ficam, aplicativos de bate-papo ajudam a evitar a convocação. Mensagens no Telegram indicam os locais sendo patrulhados pelas autoridades de recrutamento. Existem grupos de diferentes regiões e cidades de todo o país, alguns com mais de 100 mil membros.

As autoridades são conhecidas nesses grupos como Olivas, devido à cor dos seus uniformes. As pessoas que eles encontram normalmente recebem avisos ordenando que se apresentem em um centro de alistamento – mas existem relatos de que alguns são levados embora imediatamente, sem possibilidade de voltar para casa.

O ministério da Defesa da Ucrânia pede às pessoas que mantenham suas informações atualizadas em um banco de dados nacional, afirmando que, se forem convocados, eles serão destacados para um posto adequado.

Ainda assim, existem denúncias de que oficiais estão usando táticas severas ou intimidadoras. E também há relatos de soldados que foram para a linha de frente com apenas um mês de treinamento.

'Todos estão assustados'

As autoridades parecem dispostas a restaurar a confiança.

O slogan da última campanha informativa é “não há problema em sentir medo”. É uma tentativa de traçar paralelos entre os temores infantis e as preocupações atuais.

Em um acampamento de verão abandonado em Kiev, civis são treinados para resistir aos soldados russos, em caso de necessidade.

Eles patrulham os caminhos até que um instrutor grita: “Segundo grupo! Granada!” Os homens e mulheres se lançam então rapidamente ao solo.

Suas espingardas não são de verdade, mas existe a esperança de que alguns dos participantes se alistem para os combates reais. É o caso do estudante Anton, de 22 anos, que já se decidiu.

“Quando a guerra começou, eu não estava pronto para ser convocado”, ele conta durante um intervalo do treinamento. “Agora, preciso me preparar para ir para a guerra.”

Anton acha que as pessoas não devem evitar a convocação, mas compreende porque alguém talvez não queira lutar. E pergunto se ele está assustado com esta possibilidade.

“É claro”, responde Anton, quase me interrompendo. “Todos estão assustados. Mas, se a situação se agravar, não terei como ficar sentado aqui em Kiev.”

A Ucrânia já contrariou todas as expectativas na sua defesa contra a invasão russa. Moscou foi forçada a não procurar tomar todo o país e tentar manter um quinto do território ucraniano sob seu controle.

Mas a Ucrânia precisa fazer suas próprias recalibragens – não apenas da sua própria contraofensiva, cujo progresso vem sendo mais lento do que muitos esperavam, mas também das formas de motivar seus cidadãos a lutar.

A necessidade é inegável, mas a verdade é incômoda: o campo de batalhas não é para todos.

Com colaboração de Hanna Chornous, Anastasiia Levchenko, Kate Peevor e Hanna Tsyba.

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