A expansão do Brics, bloco que reúne o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, é o principal tema da 15ª cúpula do bloco, que acontece de terça-feira (22/8) a quinta-feira (24/8), em Joanesburgo, na África do Sul.
O movimento é liderado pela China, que, segundo analistas, usa a influência de ser a segunda maior economia do mundo para ampliar o número de membros do grupo.
Apesar de países como Brasil e Índia terem resistido a esse processo nos últimos anos, observadores avaliam que as chances de que a expansão seja finalmente anunciada é maior agora do que em anos anteriores — não só pela pressão chinesa, mas também pela adesão da Rússia à proposta.
Ambos os países veriam no bloco uma alternativa para driblar um possível isolamento causado pela deterioração de suas relações com os Estados Unidos, apontam analistas.
Dentro da diplomacia brasileira, o temor era o de que um aumento no número de membros diluiria a influência do país no grupo. Por isso, o Brasil vinha defendendo que, antes de anunciar novos membros, o bloco deveria estabelecer critérios para essa expansão.
Um membro do governo brasileiro ouvido em caráter reservado disse à BBC News Brasil que a pressão chinesa estaria acelerando esse processo.
A decisão (por expandir ou não o bloco) deverá ser tomada durante uma reunião reservada entre os chefes de Estado do grupo marcada para a noite de terça-feira (no horário sul-africano), segundo fontes do governo brasileiro.
Apenas os líderes e dois assessores de cada país participarão do encontro.
Putin é o único que não participará presencialmente. Ele é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes cometidos durante a guerra na Ucrânia e decidiu fazer apenas encontros virtuais.
Mas a decisão, caso seja tomada, só deverá ser tornada pública nos dias seguintes.
Esta não seria a primeira ampliação do bloco. O Brics foi criado em 2006 e, inicialmente, não era formado pela África do Sul. O país se juntou ao grupo no primeiro movimento de expansão, em 2010.
Atualmente, os países do Brics representam 40% da população mundial e 26% de toda a riqueza gerada no planeta, com um produto interno bruto de aproximadamente US$ 26 trilhões (R$ 130 trilhões).
Segundo o Itamaraty, 22 países fizeram um pedido formal para aderir ao bloco. Entre eles, estão nações de diferentes continentes e regimes políticos como Arábia Saudita, Argentina e Argélia.
Três despontam como favoritos para serem os mais novos integrantes do Brics, segundo negociadores e membros do governo brasileiro ouvidos pela BBC News Brasil, enquanto outros têm chances, mas correm por fora.
Arábia Saudita
Negociadores apontam em caráter reservado que a Arábia Saudita é um dos que têm mais chances de entrar para o Brics entre todos os candidatos.
O país tem 35 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 23 mil (R$ 115 mil) por ano, segundo o Banco Mundial. A título de comparação, a renda per capita brasileira é de US$ 8,92 mil (R$ 44,5 mil).
Dados oficiais apontam que a economia do país foi uma das que mais cresceu no mundo em 2022, com uma taxa de 7,3%.
Ainda segundo o Banco Mundial, o crescimento foi fortemente ancorado nas receitas do petróleo, que tiveram alta ao longo do ano passado. A expectativa para este ano, no entanto, é de que o crescimento desacelere, também refletindo a queda nos preços do petróleo.
A seu favor, o país tem o endosso da China e o fato de ser um dos países mais ricos em reservas de petróleo no mundo.
De acordo com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Arábia Saudita tem reservas estimadas em 267 bilhões de barris de petróleo, atrás apenas da Venezuela, com 303 bilhões.
Tanta riqueza no subsolo se traduz em dinheiro em caixa — e obter mais recursos financeiros é uma das principais preocupações de negociadores do bloco, especialmente os do Brasil, conforme apurou a BBC News Brasil.
Os brasileiros tentam conciliar o movimento de expansão do Brics à ampliação do número de membros do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB na sigla em inglês), também conhecido como "Banco do Brics".
O banco foi criado em 2015 e tem oito membros. Além dos cinco integrantes originais do bloco, fazem parte Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito.
O banco financia projetos de infraestrutura e saúde em seus países membros e vem sendo apontado como uma forma de driblar supostos entraves impostos de instituições multilaterais tradicionais como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) a países em desenvolvimento.
Nos últimos anos, porém, o banco vem sofrendo para obter novas fontes de recursos.
Para além dos motivos econômicos, um ponto a favor da entrada da Arábia Saudita é o fator geopolítico.
A Arábia Saudita é um dos principais parceiros dos Estados Unidos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, China e Rússia estão com suas relações com os norte-americanos abaladas há alguns anos.
Nesse contexto, uma aproximação com um parceiro americano estratégico poderia ser vista como um enfraquecimento da hegemonia de Washington na região.
O país é comandado pela família Saud há décadas. Nos últimos anos, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman vem sendo apontado como o real líder do país.
Ele é alvo de críticas da comunidade internacional por alegadas violações de direitos humanos e é apontado como um dos responsáveis pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em 2018.
Do lado brasileiro, não haveria resistência à entrada dos sauditas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliás, chegou a defender a entrada do país no bloco em uma conversa com correspondentes estrangeiros no início de agosto.
"Acho extremamente importante”, disse Lula, que, na mesma ocasião em que se mostrou favorável à entrada de mais um dos países tidos como "favoritos" a ingressar no bloco: os Emirados Árabes Unidos.
Emirados Árabes Unidos
O país tem uma população estimada de 9,35 milhões de habitantes e também fica no Oriente Médio. A renda per capital é de US$ 44,3 mil (R$ 220,7 mil) por ano.
O presidente do país, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, é um dos mais de 40 líderes de fora do Brics que foi convidado a participar do encontro com chefes do bloco e que confirmou sua ida a Joanesburgo.
Assim como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos têm sua economia fortemente baseada nas receitas petrolíferas.
A aproximação do país com o Brics começou há alguns anos. Em 2021, por exemplo, o país foi aceito como novo membro do "banco do Brics".
Negociadores ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o país contaria com o apoio da China e não teria o veto explícito de nenhum dos outros membros do grupo.
Segundo eles, o fato de o país já ser um membro do "banco do Brics" é um ponto a favor, uma vez que isso representaria um ingresso extra de recursos na instituição.
Apesar da reticência do corpo diplomático brasileiro em relação à inclusão de novos membros nos Brics, Lula defendeu o ingresso do país.
"Obviamente eu não decido sozinho, precisa de todos os países decidindo isso", disse o presidente brasileiro na conversa com correspondentes estrangeiros.
Indonésia
Outro país mencionado por negociadores brasileiros como um forte candidato ao Brics é a Indonésia.
O país de maioria islâmica localizado no Sudeste Asiático é um dos mais populosos do mundo, com 273 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 4,3 mil por ano (R$ 21,4 mil), segundo o Banco Mundial.
Dados oficiais apontam que a economia indonésia vem crescendo a taxas aceleradas nos últimos anos.
Em 2022, por exemplo, a taxa estimada foi de aproximadamente 5,3%, segundo o Banco Mundial. Para 2023, a estimativa é de que a economia cresça 4,9%.
O presidente Joko Widodo deverá participar do evento na condição de convidado.
Ainda de acordo com membros do governo brasileiro ouvidos em caráter reservado, a Indonésia teria demonstrado menos interesse em participar do bloco que outros países (como a Arábia Saudita), mas sua eventual inclusão é vista como positiva, especialmente, pela China.
Quem corre por fora
Outros países que também demonstraram interesse em participar do Brics estariam, nas palavras dos negociadores brasileiros, "correndo por fora" na busca por um lugar no bloco.
Um deles é o Irã, que, nos últimos meses, segundo os negociadores, teria feito uma forte campanha por isso.
O país tem a seu favor o fato de manter boas relações com todos os países do bloco e ter aceito a mediação chinesa em um acordo que reestabeleceu as relações diplomáticas com a Arábia Saudita, tida como arquirrival iraniana por décadas.
Por outro lado, apesar de os países terem voltado a se relacionar diplomaticamente, o histórico de animosidade entre eles é visto como um elemento que poderia, nas palavras de um negociador brasileiro, "incomodar" os sauditas, o que faz com que a candidatura iraniana seja vista com reservas.
A Argentina é outro candidato que desperta atitudes semelhantes no bloco. O país comandado pelo presidente Alberto Fernández demonstrou seu interesse em fazer parte do Brics e contou até com o apoio do presidente Lula.
Apesar disso, fatores econômicos e políticos fazem com que as chances argentinas sejam limitadas.
No campo econômico, o país vive uma crise de inflação alta, falta de liquidez em dólares e aumento da pobreza.
No campo político, o entrave é o fato de que a Argentina terá eleições presidenciais no próximo ano, o que gera incertezas sobre o futuro do país.
Nas prévias das eleições argentinas, o candidato de direita radical Javier Milei, oposição ao atual governo, foi o candidato mais votado, com 30% dos votos.
Membros do governo brasileiro afirmam em caráter reservado que a indefinição sobre quem irá assumir o governo na Argentina compromete as chances de o bloco aceitar a candidatura do país agora, uma vez que não há garantias de que um eventual governo de Javier Milei, que saiu à frente nas primárias, teria interesse em fazer parte do grupo.
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