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Por que cidade de SP se tornou exemplo no combate ao HIV

A partir de 2017, os registros de novos casos de infecção por HIV na capital paulista caíram ano a ano, até atingirem o patamar mais baixo em dez anos.

Laço exibido no prédio da prefeitura de São Paulo (SP) simboliza a conscientização contra o HIV  -  (crédito: Getty Images)
Laço exibido no prédio da prefeitura de São Paulo (SP) simboliza a conscientização contra o HIV - (crédito: Getty Images)
BBC
Simone Machado - De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
postado em 19/08/2023 19:06 / atualizado em 19/08/2023 19:07

Pela primeira vez desde 1981, quando foi confirmada a primeira infecção por HIV, a cidade de São Paulo teve uma queda por cinco anos consecutivos no número de novos infectados.

A cidade nunca havia registrado uma redução por mais de três anos seguidos.

Esse período também interrompeu uma tendência de alta de novos casos que marcou o início da década passada.

A partir de 2017, os registros foram caindo ano a ano, até atingirem o patamar mais baixo em dez anos (veja gráfico abaixo).

A capital paulista registrou 2.351 novos casos de HIV em 2021, segundo o mais recente Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

Foram quase 1,5 mil a menos do que em 2016, quando houve 3.761 novos registros — uma redução de 37,5%.

A taxa é bem mais expressiva do que a do Estado de São Paulo no mesmo período, que foi de 20,5%, de acordo com levantamento do governo federal.

Também é mais do que o triplo da redução registrada no Brasil como um todo, que teve 11,7% novos casos a menos.

Com menos casos registrados, a capital paulista também teve uma queda na taxa de mortalidade devido ao HIV.

Entre 2016 e 2021, o índice passou de 6,3 óbitos por 100 mil habitantes para 4,3, por 100 mil, uma diminuição de 31,7 %.

Uma maior rapidez no diagnóstico e no início do tratamento, novos medicamentos e o acesso amplo e gratuito às terapias de prevenção são apontados por especialistas como os motivos que tornaram São Paulo um exemplo no país no combate ao HIV.

Os jovens de 19 a 24 anos, no entanto, ainda são a parcela da população mais vulnerável à contaminação pela doença.

“Além dos jovens terem a vida sexual mais ativa, esse público se considera invulnerável, acham que nada vai atingi-los, é uma característica dos jovens”, diz Álvaro Furtado Costa, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Houve 4.167 novos casos entre esse público na cidade de São Paulo entre 2016 e 2021. Foi a faixa etária em que foi registrado o maior número de infecções.

"Nem todos os jovens têm espaço para conversar sobre sexo e sexualidade de forma aberta ou autonomia para obter insumos de prevenção. Isto coloca esta população em situação de maior vulnerabilidade", diz Adriano Queiroz, coordenador de prevenção da Coordenadoria de IST/Aids da SMS.

A boa notícia é que a redução de novos casos neste público entre 2016 e 2021, de 44,3%, foi ainda mais forte do que na população em geral.

Esta foi a faixa etária com a segunda maior queda, atrás apenas da faixa entre 15 a 19 anos, na qual as notificações caíram 55,7%.

Costa avalia ainda que a pandemia pode ter contribuído duplamente para a queda das notificações.

"Nesse período, as pessoas ficaram mais em casa, reduzindo o contágio, e também procuraram menos os serviços de saúde. Então, pode ser que há casos que ainda não foram notificados.”

'Não é porque tenho HIV que transmito o vírus'

Adriano Queiroz diz que a cidade de São Paulo conseguiu avanços importantes no diagnóstico e tratamento contra o HIV.

Ele explica que, em 2016, uma pessoa diagnosticada com HIV levava em torno de 180 dias para iniciar a terapia antirretroviral. Hoje, começa em três dias.

“Levamos esse atendimento para mais perto da população, em estações de metrôs, ônibus, em horários estendidos e também aos sábados e domingos. Hoje, é possível fazer um teste rápido nesses locais, e o resultado sai em 20 minutos”, diz Queiroz.

“Caso o resultado seja positivo, a pessoa já é encaminhada para os serviços de saúde para tratamento.”

Costa acrescenta que outro fator relevante para a queda registrada foram os novos medicamentos, com menos efeitos colaterais.

“Com tratamentos mais eficazes e menos burocráticos, os pacientes tendem a abandonar menos o tratamento, contribuindo para a redução na transmissibilidade desse paciente”, diz o infectologista.

As medicações podem ser retiradas de graça na rede municipal de saúde. É pedida apenas uma receita médica.

Pessoas com HIV que fazem o tratamento corretamente e têm uma carga viral indetectável há mais de seis meses, sem outras infecções sexualmente transmissíveis, não transmitem o vírus, segundo especialistas.

É o caso do personal trainer Diego Alberti Moi, de 40 anos, que descobriu a infecção em outubro de 2019.

Na época, ele estava em um relacionamento estável há dois anos e não sabia que estava vulnerável ao vírus, mas sua namorada era soropositiva. Diego só descobriu a doença ao ser internado.

“Comecei a ter sintomas como coceira, alergia e queda no sistema imunológico, mas tomava um remédio e melhorava. Na época, estava muito focado no trabalho, vivendo um relacionamento abusivo e não busquei atendimento médico”, conta.

Após ficar duas semanas de cama, com febre alta e dificuldades para respirar, ele decidiu ir até uma emergência. Ele conta que ficou no hospital por 15 dias e perdeu cerca de 25 quilos.

“Fiz diversos exames e, então, os médicos me deram o diagnóstico. Foi um choque, mas eu busquei me informar e focar em como faria para viver bem com o vírus”, diz.

Desde o diagnóstico, Diego é acompanhado por um médico regularmente, toma a medicação indicada e mantém uma alimentação saudável aliada a atividades físicas. Há três anos, ele está intransmissível.

“Hoje, sou casado, tenho uma filha de três meses e levo uma vida normal. Faço todos os exames a cada seis meses e sou bem metódico com os cuidados com a saúde. Minha mulher e minha filha não têm o vírus”, diz.

“É preciso desmistificar o HIV, é possível conviver com o vírus e ter uma vida normal. Eu, por exemplo, tomo menos medicamentos que meu pai com diabete e pressão alta.”

Prevenção com PrEP e PEP

Essa tendência de queda não era a realidade na cidade de São Paulo até meados da década passada.

Desde 2012, os casos vinham aumentando, mas, em 2016, com a chegada de novos medicamentos que previnem a infecção pelo vírus, houve um ponto de virada na epidemia de HIV na cidade.

As profilaxias pré-exposição (PrEP) e pós-exposição (PEP), métodos preventivos que impedem a contaminação pelo HIV mesmo se houver contato com o vírus, têm contribuído para a redução nos números de novos infectados pela doença.

A PrEP deve ser tomada regularmente para evitar o contágio em situações de risco.

A PEP deve ser iniciada em no máximo 72 horas após a exposição, se possível nas primeiras horas, e o tratamento dura 28 dias.

As profilaxias não são um método novo. Foram aprovadas em 2012 pela Organização Mundial de Saúde, mas eram inicialmente obtidas apenas na rede particular no Brasil.

Naquele ano, uma caixa do medicamento custava em torno de R$ 2 mil. O valor foi caindo gradativamente e, hoje, pode ser encontrado nas farmácias por R$ 50.

Há cinco anos, também passou a ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde e pode ser encontrada nas unidades de saúde municipais.

Atualmente, cerca de 30 mil pessoas já fazem uso da PrEP em São Paulo, segundo a SMS.

Álvaro Costa avalia que a oferta da PrEP na rede pública contribuiu para a grande redução de novos casos entre pessoas com 20 a 24 anos.

"É um público que está mais familiarizado com o uso da PrEP do que outras faixas etárias, como de 30 anos, por exemplo, e tem sido a faixa que busca esse medicamento”, diz o infectologista.

Adriano Queiroz acrescenta que estas profilaxias em geral têm se provado aliadas valiosas no controle do HIV na população em geral.

“Acreditamos que, com elas, conseguiremos dar fim à transmissão horizontal do vírus”, diz Queiroz.

A transmissão horizontal é aquela que acontece devido ao contato entre uma pessoa infectada e uma que não tem o vírus. No caso do HIV, ela ocorre principalmente por meio de uma relação sexual.

Para facilitar o acesso a estes medicamentos em São Paulo, a Prefeitura criou o SPrEP, um serviço de consultas médicas digitais.

Após o atendimento, o paciente recebe uma receita e pode retirar os medicamentos em postos de saúde e outros locais.

O cabeleireiro e influenciador digital Dennis Sloboda, de 32 anos, usa PrEP há cinco meses.

“Eu me informei sobre os prós e contras e vi que é muito eficaz e decidi usar. É uma forma segura de prevenção”, diz.

Dennis conta que a profilaxia é muito semelhante ao uso de um anticoncepcional: basta um comprimido ao dia, todos os dias.

“Precisamos acabar com o preconceito e o tabu.”

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