O economista Rafael Correa, 60 anos, deixou o Equador em 2017 e hoje vive em Bruxelas, capital da Bélgica. Mesmo ausente de sua terra natal, o ex-presidente — que governou entre 2007 e 2017 — segue como força política; sua ideologia ganhou substantivo: correísmo. A 9.514km de Quito, Correa influencia as decisões de seu país. Durante 23 minutos, ele falou ao Correio e admitiu que altos funcionários do governo estão envolvidos com a narcopolítica. Também reconheceu a ação de cartéis mexicanos sobre grupos do crime organizado equatoriano. Ao comentar o assassinato de um de seus principais rivais, o jornalista Fernando Villavicencio, executado com três tiros na cabeça, em 9 de agosto, denunciou "um complô político" para prejudicá-lo. Na antevéspera da eleição de domingo, Correa admitiu que a prioridade de sua candidata, a deputada Luisa González, 45, será recuperar a segurança. Ao mesmo tempo, disse esperar um alto índice de abstenção. O ex-presidente de esquerda, artífice do projeto político e socioeconômico chamado de Revolução Cidadã, atacou o governo de Guillermo Lasso, denunciou o aumento da violência e desabafou: "Nunca vi destruição parecida no Equador".
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Que impacto o assassinato de Fernando Villavicencio tem no cenário político do Equador?
Em primeiro lugar, o assassinato de Fernando Villavicencio é uma tragédia. Minha solidariedade para a sua família. Você sabe que ele foi um obstinado inimigo nosso. Ele nos ameaçou e nos caluniou. No entanto, sempre defenderemos a vida. Meu carinho para com sua mãe, sua irmã e filhos. À sua família, nossa solidariedade. No âmbito político, é uma hecatombe. Eu sabia disso. Nós ganharíamos no primeiro turno. Teríamos entre 44% e 46% dos votos. Para vencer no primeiro turno, se exige mais de 40% dos votos e mais de 10 pontos percentuais de diferença para o segundo colocado. Nós chegaríamos a 20%. Eles sabiam disso e estavam desesperados. Por isso, não tenho a menor dúvida de que o assassinato brutal de Fernando Villavicencio, o qual todos nós rechaçamos, foi um complô político para nos prejudicar.
Quais elementos o senhor vê para essa acusação?
Você é jornalista e pode perguntar a qualquer pessoa que conheça de segurança. Como foi possível que ele embarcasse em um carro, sozinho. O elementar é que tenham um motorista esperando e um guarda-costas do outro lado. Na condição de copiloto, um guarda-costas acompanha a pessoa protegida, que se senta no banco de trás. Ele embarcou sozinho, em um carro que não lhe pertencia e não era blindado. Os assassinos sabiam que ele tinha entrado no carro. Dois minutos depois, eles chegam junto à porta frontal do colégio e o executam. Os assassinos o esperaram embarcar em um automóvel sem blindagem. Há uma clara cumplicidade da polícia. Entregaram Villavicencio aos matadores de aluguel, aos seus assassinos. Para quê? Em 30 minutos, as redes sociais estavam inundadas de "Correa assassino". Nós fizemos um vídeo publicitário de campanha presidencial, no qual eu começo a falar: "Nossa vingança pessoal será contundente". A candidata Luisa González, então, fala: "Nossa vingança pessoal será o direito de teus filhos à escola e às flores". É o trecho de um poema de Tomás Borge, poeta nicaraguense, segundo o qual é preciso responder o ódio com o amor. Extraíram essa parte "Nossa vingança será contundente" para fazerem crer que eu tivesse ameaçado Villavicencio. Isso foi um complô contra nós.
O Equador nunca tinha visto um assassinato assim, isso jamais aconteceu. Politicamente, nos tiraram muitos pontos, porque as pessoas começaram a ter medo ou por simples empatia com a vítima. Quando Villavicencio sofreu um acidente de trânsito, houve empatia por sua pessoa, por sua família e seu movimento político, e um pouco de aversão aos seus rivais políticos, que éramos nós. Pior em um brutal assassinato. Graças a Deus, estamos nos recuperando, mas isso nos causou muitos danos. Sacrificaram uma vida humana por questões políticas. Villavicencio estava em quarto ou quinto lugar nas pesquisas e o elegeram mais útil morto do que vivo, e o mataram.
Um complô político organizado por quem e com qual motivo?
A razão é clara. Para nos prejudicar. Pela nossa experiência, ganharíamos no primeiro turno. Eles ficaram desesperados. Quem se beneficiaria disso? Qualquer detetive sabe... A quem o crime beneficia? Àqueles que se viam derrotados. Àqueles que andam com o terror. Essa extrema direita que não queria que ganhássemos no primeiro turno. Candidatos da extrema direita, que apenas propõem violência e repressão e ganham neste ambiente de terror e de medo.
Como o senhor vê a onda de violência que afeta o seu país? Há suspeitas de que cartéis mexicanos influenciam o crime organizado no Equador...
Não é uma suspeita, mas uma certeza. O Equador sempre teve problemas com o tráfico de drogas. Não somos produtores de drogas, ao contrário da Colômbia e do Peru. Mas existe o tráfico, e eu sempre o combati, e o crime organizado. O qual também existe nos EUA, para onde se envia a droga. Qual a grande diferença? O que está se passando nos últimos seis anos nunca tinha ocorrido no Equador. O crime organizado infiltrou-se no Estado. Isso é novo, não acontecia. Ele se infiltrou no governo. Altos funcionários do governo estão envolvidos com a narcopolítica. Há infiltrados nas forças públicas, na Polícia Nacional do Equador e nas Forças Armadas. O próprio embaixador dos EUA no Equador (Michael J. Fitzpatrick) denunciou que havia narcogenerais. É evidente que, quando o crime organizado atua dentro do Estado, se vê perda de controle e a impunidade compactua. As prisões estão em mãos do crime organizado e de lá dirigem todas as suas atividades e os seus planos. Tenho visto uma destruição tão grande de um país em tão pouco tempo. O Equador foi o segundo país mais seguro da América Latina, com uma taxa de 5,6 homicídios por quase mil habitantes. Em termos absolutos, isso são 900 assassinatos por ano. Em 2022, estávamos com 25,3 homicídios por quase mil habitantes. A tendência é de que, neste ano, terminemos com 35 assassinatos por mil habitantes. Isso significa cerca de 7 mil homicídios, 20 por dia, em um país de 17 milhões de habitantes. Isso nos colocaria entre as 15 nações mais violentas do mundo. Em apenas seis anos, sem guerra civil, sem guerra aberta, com dois governos supostamente democráticos, nos transformamos do segundo país mais seguro da América Latina em dos 15 mais violentos do mundo. Nunca vi destruição parecida.
Como recuperar a paz no Equador?
Com a política que aplicamos e que teve tanto êxito. Eu encontrei o país com 18 homicídios por cada mil habitantes. Eu o entreguei com 5,6 homicídios e a tendência era diminuir. Apenas o Chile nos superava, com 3 homicídios por mil habitantes. Mas o Chile possui o dobro do PIB per capita do Equador. Para o nosso nível de renda per capita, provavelmente fomos o país mais seguro do mundo. É preciso voltarmos com essa política. No entanto, todos os destroçaram, por inaptidão, por corrupção e por ódio político. Eles eliminaram o Ministério Coordenador de Segurança, o qual coordenava todas as instâncias de segurança. Porque a segurança não é só polícia, mas serviços de inteligência, que enfrentam o crime organizado. É preciso ter a inteligência nas penitenciárias, para sondar o que farão os capos da máfia que estão presos. As Forças Armadas têm que vigiar as fronteiras. O Equador não produz cocaína, ela vem da Colômbia... Segurança tem a ver com o ECU 911, o sistema integrado mais completo da América Latina, o qual foi destroçado. Segurança tem a ver com a eliminação da justiça do cárcere. É preciso recuperar a institucionalidade, além da visão comunitária da polícia. Trabalhar com a comunidade, que conhece o traficante. Por isso, tínhamos centenas de unidades policiais comunitárias de 11 agentes. E eles tinham dormitório e cozinha dignos. Também faziam reuniões com os moradores. As polícias comunitárias estão abandonadas, destroçadas. Havia um modelo de gestão para a polícia, que operaria em distritos ou circuitos. Tudo isso foi acabado. Temos uma polícia mal gerida, sem visão comunitária e mendiga, desprovida de orçamento e de viaturas. Também precisamos de alta tecnologia, com drones, radares, lanchas rápidas, dinheiro e intervenção nas comunicações, para encontrarmos os mafiosos. Trata-se de coordenação internacional.
Há condições para a realização das eleições no domingo?
Há um aumento do terror e, claro, existe insegurança. Olhe... Eles acusavam-me de atentar contra a liberdade de expressão porque eu saía em público e rasgava jornais que me insultavam. Hoje, os jornalistas que me acusavam têm que usar coletes à prova de balas. Alguns tiveram que deixar o Equador, após receberem ameaças de morte. Os candidatos tiveram que usar coletes à prova de balas no debate presidencial. Há um ambiente de grande insegurança. Provavelmente, as eleições registrarão uma grande abstenção, pois as pessoas terão medo de sair para votar.
Quais as principais qualidades de Luisa González, a candidata que o senhor apoia?
Ela é uma líder nata, tem um grande caráter e uma grande inteligência lógica e emocional. Além de uma grande credencial, em matéria de razão e emoção, de contato com o povo. No debate, disseram que ela foi a melhor candidata que se contactou com a população. Luisa tem uma grande vantagem: foi minha chefe de gabinete e possui grande experiência no setor público, onde obtivemos tanto êxito. Ela dispõe de uma equipe de trabalho, algo que nenhum outro candidato tem. Nem o rico caprichoso que deseja ser presidente e gasta milhões de dólares em campanha, fazendo qualquer coisa. É uma grande candidata, com qualidades e metas. Advogada, tem dois mestrados e experiência com equipe de trabalho.
Qual sua previsão sobre o desempenho do correísmo nas eleições de domingo?
Nós vamos ganhar. Ninguém discute isso. Ganharemos em nível legislativo e no primeiro turno. Precisamos ver se venceremos em um único turno. Porque, no segundo turno, estarão todos contra nós. Não lhes interessa o país. O que lhes interessa é que não haja o correísmo. Como eu governava? Como governa Lasso? Como governou Lenín Moreno? Repartindo hospitais entre os assembleístas para comprar seus votos, para comprar consciência. Dando educação bilíngue às crianças indígenas e à extrema esquerda, para que não tivesse paus e pedras. Ele repartiu o Estado e conseguiu governabilidade. Mas destroçou o Estado. Conosco, havia liderança e um projeto para o país. Conosco, não haverá atraso. Será difícil, mas também podemos ganhar no segundo turno.
De que modo avalia o governo de Guillermo Lasso?
Um desastre! O pior governo da história do Equador. Fiquei surpreso! Creio que o neoliberalismo é a pior ideologia. Ele é dotado das piores ações concretas políticas e estratégicas para regiões como Brasil e Equador. Temos a renda mais desigual do mundo. Propor esquemas de individualismo e competição, e salve-se quem puder... Se querem implantar isso, pelo menos deem igualdade de oportunidade. O neoliberalismo é um absurdo e sempre fracassou em nossos países. Essencialmente, o que tem sido praticado é o capitalismo liberal. Eu sabia que seria um fracasso, mas pelo menos com gente competente. Além de incompetente, é desonesto e corrupto. Acho que somente foi superado pelo governo de Lenín Moreno, que destruiu por prazer e por ódio a mim.
O Conselho Nacional Eleitoral do Equador negou a impugnação da candidatura de Christian Zurita. Por que o senhor pediu a anulação da chapa?
Porque ele violou a lei. Ela exige a filiação ao partido político com 90 dias de antecipação. Ele não o fez. Temos documentos, os quais terão que ser revisados. Todos devemos cumprir com a lei. Isso é um dever. Estamos em um Estado de direito.
O Equador tem um grande índice de desigualdade socioeconômica. Como reverter isso?
Não éramos assim. Sempre fomos o país mais igualitário da América Latina. Eu o deixei entre os três países mais equitativos da região. Creio que apenas Uruguai e Costa Rica nos superavam. Fomos campeões regionais em redução de desigualdades. Como se combate a desigualdade e a pobreza? Com a adequada redução de renda, com a adequada redistribuição de riquezas. Aqueles que mais têm mais pagam. Com isso, financiar os gastos públicos, investir em educação, saúde e apoiar a economia com empregos dignos. Não existe mágica. São coisas muito parecidas, mas são problemas políticos bastante sérios. A América Latina é a região com menos impostos no planeta. É uma das principais causas da desigualdade.
Quais os principais pontos do projeto político da Revolução Cidadã?
Temos o nosso plano de governo, mas a urgência é solucionar os problemas de segurança, nunca antes vistos. Para nós, isso é um pesadelo. Temos oito vezes mais homicídios do que seis anos atrás. É urgente recuperar a segurança, um bem maior. Sem segurança, não existe liberdade. Que liberdade teremos se não podemos sair em um país onde se mata? Que liberdade teremos se, ao saírem, nossos filhos não sabem se retornarão com vida? Sem segurança, também não há economia. Quem investirá no país? Como podemos fortalecer o turismo? A prioridade é recuperar a segurança.
Em um eventual governo de Luisa González, que se espera da relação com o Brasil?
Tenho um carinho pessoal com Lula. Temos projetos muito similares. O governo Lula é o exemplo mais importante da história da humanidade no combate à pobreza. Ele tirou mais de 30 milhões de brasileiros da pobreza; muitos regressaram com o governo Bolsonaro. Nossa população e nossa economia são muito menores. Em termos relativos, fomos campeões regionais da redução da pobreza. Queremos aprofundar a relação com o Brasil e impulsionar o projeto de visão comum, como a recuperação da Unasul, fortalecer a integração sul-americana.
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