Na semana passada, um dia após os incêndios florestais, o condado pediu aos turistas que deixassem Lahaina e a ilha como um todo o mais rápido possível.
As autoridades logo pediram às pessoas que evitassem totalmente a ilha, exceto para viagens essenciais.
"Nos próximos dias e semanas, nossos recursos coletivos e atenção devem se concentrar na recuperação de residentes e comunidades que foram forçadas a ser evacuadas", disse a Autoridade de Turismo do Havaí.
Muitos viajantes seguiram o conselho. Logo após os incêndios, cerca de 46 mil pessoas deixaram a ilha. O gramado que separa o aeroporto da rodovia agora está repleto de fileiras e mais fileiras de carros alugados, que repentinamente foram deixados de lado.
Mas milhares de turistas permaneceram. Alguns ignoraram os pedidos para deixar Maui imediatamente, enquanto outros chegaram após o incêndio — decisões que irritaram alguns.
"Se isso estivesse acontecendo com sua cidade natal, você gostaria que viéssemos?", disse o morador Chuck Enomoto. "Precisamos cuidar dos nossos primeiro."
Outro morador de Maui disse à BBC que os turistas estavam nadando nas "mesmas águas em que nosso povo morreu há três dias", uma referência a uma excursão de mergulho realizada na última sexta-feira (11/8) a apenas 18 km de Lahaina.
Mais tarde, a empresa de snorkel se desculpou por realizar o passeio, dizendo que primeiro "ofereceu nossa embarcação durante a semana para entregar suprimentos e resgatar pessoas, mas seu design não era apropriado para a tarefa".
No entanto, a oposição aos turistas não é isenta de complicações, já que a ilha depende economicamente desses viajantes.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maui estimou que a "indústria do turismo" da ilha responde por quatro de cada cinco dólares gerados ali, chamando esses visitantes de "motor econômico" do condado.
"Você meio que foi criado para odiar turistas", disse o jovem funcionário do hotel. "Mas essa é realmente a única maneira de trabalhar nas ilhas. Se não for em hotelaria, é na construção civil."
Vários empresários expressaram preocupação de que o crescente sentimento anti turista pudesse prejudicar ainda mais Maui.
"O que eu tenho medo é que, se as pessoas continuarem vendo 'Maui está fechado' e 'não venha para Maui', os poucos negócios que restam vão acabar", disse Daniel Kalahiki, dono de um food truck em Wailuku.
As vendas já caíram 50% desde o início do incêndio, diz ele. "E então a ilha vai perder tudo."
Ainda assim, nos dias seguintes ao incêndio, a disparidade entre os residentes de Maui — sofrendo com perdas catastróficas — e os pontos turísticos isolados foi evidenciada.
No Havaí, os habitantes locais enfrentam uma grave crise habitacional. Muitos moram em casas modestas de um andar em bairros como Kahlui e Kihei; alguns em residências multifamiliares, com cada família separada por uma cortina ou uma parede fina de compensado.
E, para acompanhar o aumento do custo de vida, trabalhar em vários empregos é comum, segundo moradores ouvidos pela BBC.
Jen Alcantara minimiza a surpresa de trabalhar em dois locais: em uma companhia aérea canadense, e em um cargo administrativo sênior no hospital de Maui.
"Isso é o Havaí", disse ela.
Neste Havaí dos pobres, os efeitos dos incêndios estão por toda parte.
Em lojas e mercearias, os desabrigados procuram itens essenciais, tentando substituir seus pertences perdidos com o dinheiro que tiverem.
Nos restaurantes, os trabalhadores podem ser vistos segurando as lágrimas e fazendo ligações para coordenar os esforços de socorro.
Coletas de dinheiro e qualquer tipo de auxílio estavam sendo feitas para os sobreviventes em quase todos os lugares.
Uma cafeteria em Kahului estava se oferecendo para refrigerar leite materno doado.
Proprietários de food trucks ofereciam seus serviços para a linha de frente e fazendeiros carregavam cachos de bananas para abrigos.
As coisas são diferentes nesse outro Havaí, distante da exuberância turística.
Ao final de uma viagem de carro de 30 minutos do centro urbano da ilha até Wailea, lar dos resorts e aluguéis de temporada de luxo de Maui, a terra muda repentinamente: a grama marrom seca se torna um verde rico e úmido.
"É uma linha direta", disse um morador, outro funcionário do hotel que não quis ser identificado.
Dentro de Wailea, condomínios fechados fazem fronteira com campos de golfe, conectados a hotéis de luxo. Dentro desses hotéis, funcionários prestativos oferecem aulas de surfe e refeições à beira da piscina, incluindo um hambúrguer de US$ 29 (cerca de R$ 145).
A equipe disse à BBC que muitos dos hóspedes simpatizavam com as vítimas da crise no oeste da ilha. Outros reclamaram que as atividades programadas em Lahaina — passeios a cavalo, tirolesa — foram canceladas, disse Brittany Pounder, de 34 anos, funcionária do Four Seasons.
No dia seguinte aos incêndios, um turista da Califórnia perguntou se ainda poderia fazer sua reserva para jantar no Lahaina Grill — um restaurante em uma das áreas mais atingidas da cidade. "Não está tudo bem", disse Pounder.
Há uma preocupação crescente de que a eventual reconstrução de Lahaina atenda ainda mais a este segundo Havaí, o do turismo.
Os visitantes ricos já contribuíram para os preços exorbitantes das casas, comprando terras e propriedades em um lugar onde a moradia própria está fora do alcance de muitos residentes permanentes.
Os bilionários Peter Thiel e Jeff Bezos têm casas em Maui, por exemplo. A apresentadora Oprah Winfrey é a maior proprietária de terras da ilha.
Espalharam-se rumores de agentes imobiliários abordando proprietários havaianos em Lahaina, perguntando sobre possíveis negócios.
Vários moradores disseram à BBC que temem que Lahaina seja transformada em outro Waikiki, a elegante orla de Honolulu, dominada por arranha-céus à beira-mar e lojas de luxo de marca.
"Não precisamos de outro Waikiki", disse Chuck Enomoto. "Mas é inevitável."
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