Em poucos dias, a vida do jornalista Christian Zurita, 53 anos, mudou após um crime brutal. Em 9 de agosto, exatamente uma semana atrás, ele estava a apenas 20 metros de Fernando Villavicencio, quando o candidato à Presidência do Equador foi executado com três tiros na cabeça, ao sair de um comício em um colégio de Quito. Amigos desde 1998, o repórter e Villavicencio compartilhavam a mesma visão de mundo e os mesmos princípios. Três dias atrás, Zurita foi escolhido pelo Movimiento Construye 25 (MC25) como o substituto de Villavicencio na candidatura a presidente do país.
Em entrevista ao Correio, por meio de áudio, via WhatsApp, e por escrito, ele contou que as circunstâncias se impuseram para que ele não pudesse recusar o desafio de disputar as eleições presidenciais do próximo domingo. "Assumi essa responsabilidade, primeiro porque Fernando era um amigo. Eu estou ligado a seus princípios e ao amor pelo país", afirmou. Zurita disse ter certeza de que "haverá um castigo, com o voto, nas urnas, contra todos aqueles que consideravam Villavicencio um perigo e, por isso, acabaram com a sua vida". Ele espera que o "crime brutal" seja o "caminho" de punição a todo o sistema político corrupto e mafioso que governar o Equador. Homem de confiança de Villavicencio, Zurita revelou suas principais promessas de campanha e não fugiu da resposta, ao ser questionado se tem medo de ter o mesmo destino do amigo. "(Os assassinos) Sabem que eu penso como ele", comentou.
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O que o levou a aceitar a indicação como candidato à Presidência do Equador, no lugar de Fernando Villavicencio?
Foi a construção de um movimento político que pensou eu poderia ser o substituto de Fernando. Isso foi decidido no último domingo. Nas primeiras horas de domingo, se estava debatendo quem deveria ser o seu sucessor, pois se pensava que sua candidata a vice-presidenta, Andrea González, poderia assumir essa função. Mas, no fim, o Conselho Nacional Eleitoral do Equador não respondeu às consultas feitas. Corríamos o risco de perder a candidatura. Entre a noite de sábado e a madrugada de domingo, houve um debate. Depois disso, me chamaram e pediram-me o favor de assumir o desafio de ser o candidato substituto de Fernando Villavicencio, por várias circunstâncias. Sou a pessoa que melhor conhece o trabalho que ele fez, fui o seu amigo por toda a vida. Também fui a pessoa por quem ele teve a maior confiança, durante o processo da campanha. As circunstâncias vieram à tona para que eu me colocasse em lugar que não poderia recusar. Assumi essa responsabilidade, primeiro porque Fernando era um amigo. Eu estou ligado a seus princípios e ao amor pelo país.
Mas o senhor chegou a pensar nessa possibilidade?
Não, foram circunstâncias externas. Eu não buscava isso. Eu não sou um político, sou um jornalista muito frontal, mas não buscava isso. Simplesmente, as coisas ocorreram de uma forma que nunca pensei.
Como vê a responsabilidade de substituir Fernando Villavicencio nas eleições de domingo?
Isso tem um significado bastante forte. Significa emular todos os princípios que, efetivamente, pertenciam a ele. É claro que somos pessoas muito diferentes. Ele gostava da política, e eu a evitava. Mas, sempre tivemos os mesmos princípios, as mesmas convicções, os mesmos desejos, as mesmas forças. Tínhamos compromissos e princípios de vida muito semelhantes. Por isso, esse processo pode ganhar força. É um peso enorme, uma responsabilidade de extremos. Mas existe um projeto. Há uma voz que calaram e que não posso deixar morrer, não posso deixar que a calem. A morte de Fernando não pode ser silenciada, seu projeto não pode ser destruído.
Nesse tempo tão curto, qual o principal foco de sua campanha?
Temos uma mensagem central. Basicamente, que a candidatura de Fernando Villavicencio continua na figura daquele em quem ele confiava. Eu não tenho capacidade de posicionar meu nome como tal em uma candidatura a poucos dias das eleições. Isso é impossível. Mas é muito possível que esse crime brutal, cometido na semana passada, em 9 de agosto, possa ser o caminho de castigo a todo o sistema político corrupto e mafioso que governar o meu país. Espero, ou melhor, tenho a certeza de que haverá um castigo, por meio do voto, nas urnas, contra todos aqueles que consideravam Villavicencio um perigo e, por isso, acabaram com a sua vida.
E suas prioridades de governo, caso seja eleito?
Durante um ano e meio, as prioridades serão a segurança do cidadão, os investimentos sociais e o próximo fenômeno do El Niño.
Sente medo de ter o mesmo destino de seu amigo?
Não se trata de um tema de ameaças. Um crime brutal foi cometido. E foi cometido por temor às ações que Villavicencio poderia tomar enquanto presidente da República. Sabem que eu penso como ele. Então... Não é que foram por ele. A máfia política também virá por nós. O único que podemos fazer é enfrentá-la. Não podemos nos esconder. Temos que enfrentá-la.
Qual é a receita para confrontar as máfias políticas e o narcotráfico?
A receita passa pela purificação da cúpula da polícia, pela gestão eficiente e técnica para as provas de confiança na polícia. Pretendo criar uma Unidade Antimáfia que enfrente e promova um trabalho conjunto com outras unidades. Também quero fortalecer a Unidade de Análise Financeira, a fim de determinar a rota do dinheiro sujo, e aprovar uma lei para o Estado apropriar de bens do crime organizado. Por fim, vamos aprovar a Lei da Inteligência, que regule e fomente os processos prospectivos para saber como e onde atuar.
Está pronto para ser presidente do Equador?
Estamos capacitados. Estamos à altura desses fatos. Estamos com a possibilidade de responder e com uma gestão eficiente das necessidades do governo. Sim, estamos em capacidade de exercer o governo. Por isso, resolvi aceitar esse enorme desafio.
O senhor foi uma das testemunhas da execução de Villavicencio. Pode nos contar o que viu?
Eu estava lá. Eu vi o meu amigo morrer. Estava a poucos metros. No momento da saída do colégio, poucos minutos depois das 18h, antes do pôr-do-sol, apareceram os disparos. Eu me encontrava a 20 metros dele. Começou um processo de terror e de estampido entre as pessoas, que caíam, se lastimavam, se golpeavam, sangravam. Percebi que algumas estavam feridas, por conta do impacto de balas. Uns 20 ou 25 minutos depois, entendi que Fernando tinha sido trasladado a uma clínica, a pouco metros de distância do local do crime. Encontrei a horrível notícia de que ele estava morto, de que o haviam matado. Ali também havia nove pessoas sendo atendidas por diversas condições. Tive que vivenciar todo esse processo, mesmo sem querer isso. Foram momentos muito tristes.
Na sua opinião, quem estaria envolvido no assassinato?
O crime do qual Fernando Villavicencio foi vítima, o magnicídio, passa pela presença de grupos relacionados à máfia do narcotráfico, as narcomáfias. São os principais responsáveis operativos do crime que acometeu Fernando, na última quarta-feira, quando saía de um comício como parte fundamental do que seria sua campanha em Quito.
Qual foi o papel dele em denunciar a corrupção e o narcotráfico no Equador?
Fernando Villavicencio foi, sem dúvida, o jornalista investigativo mais relevante que este país já teve. Essa força é a que lhe permitiu chegar à Assembleia Nacional, onde ocupou o cargo de presidente da Comissão de Fiscalização, a qual terminou por desenvolver, aproximadamente, 40 projetos ou informes que determinaram fatos de corrupção no Equador e que antes tinham sido investigados por ele. Fernando conhecia e entendia muito bem os fatos mais complexos deste país. É por isso que foi assassinado. Por ter dito coisas que ninguém mais teria atrevido a dizer.
De que modo define o seu amigo Fernando enquanto ser humano?
Fernando era humilde, desprendido, analítico, disruptivo, de memória prodigiosa. Também era valente e destemido.
Como o senhor vê o impacto desta tragédia sobre a política equatoriana?
O crime contra Fernando Villavicencio nos coloca em uma condição e em uma circunstância de não retorno da violência no Equador. O ponto mais alto da brutalidade foi cometido. Existem cidades por demais perigosas, que superam outras que se encontram no Brasil e no México. O fato de terem assassinado o candidato com maiores possibilidades para levar uma política de transparência e austeridade em sua campanha coloca o Equador no momento mais obscuro, mais crítico e mais isolado, sem respostas. Parece que estamos a ponto de perder a institucionalidade. Eu não quero dizer que o Equador é um Estado falido, mas esta é a verdade. Temos que enfrentar isso.
Há garantias de segurança para que as eleições de domingo aconteçam?
Não existem garantias de segurança para os candidatos presidenciais. De fato, todos suspenderam suas atividades logo depois do brutal crime cometido em Quito. Isso nos põe em condições distintas, diferentes, que nunca antes tínhamos vivido. Teremos que vivê-las no próximo domingo.
Muitas pessoas dizem que o correísmo sairia ganhando com a morte de Villavicencio. O que acha disso?
Logo depois da morte de Fernando Villavicencio, de seu brutal assassinato, o grande movimento perdedor é a Revolução Cidadã (de Rafael Correa). Porque são eles os principais detratores do trabalho realizado por Fernando. Foram eles os perseguidores de Fernando. Foi Fernando, junto a mim, quem permitiu enviar à prisão uma grande quantidade de altos funcionários desse governo. Posso dizer unicamente que a Revolução Cidadã não sai ganhando. De fato, está perdendo tremendamente votos neste momento, porque ela é considerada a responsável pelos atos que cometeu.
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