Lisboa — A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) se encerrou neste domingo (6/8) em grande estilo, com 1,5 milhão de pessoas rezando com o papa Francisco, sob um sol escaldante, mas recheada de emoção. O jato que levou o pontífice de Lisboa para o Vaticano decolou em ponto às 18h15 (14h15 em Brasília) deixando uma série de questionamentos. O principal deles: qual o futuro do chefe da Igreja Católica? Ele anunciou que o próximo megaevento será realizado em Seul, na Coreia do Sul, em 2027. Aos 86 anos, com a saúde debilitada, locomovendo-se por meio de cadeiras de rodas e vindo de uma cirurgia no intestino, poucos creem que o religioso terá condições de se jogar novamente nos braços dos jovens. Há 10 anos, ele assinou uma carta de renúncia para o caso de sua saúde se debilitar muito.
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Durante os cinco dias em que esteve em Portugal, Francisco mostrou uma disposição impressionante, com uma agenda pesada e, mais do que isso, entoando um discurso muito à frente da realidade da Igreja, ainda distante da inclusão e da representatividade desejada pelos jovens. Muitos não se veem representados pela estrutura vigente, em que a maior parte das lideranças é branca, na qual as mulheres não têm voz ativa nas decisões e o preconceito impera em relação às novas formas de famílias. Também incomoda os fiéis a pouca disposição do Vaticano em punir com rigor os religiosos envolvidos em abusos sexuais. Essa é uma das principais razões para a fuga se seguidores do catolicismo.
Desde que assumiu o pontificado há 10 anos, o argentino Jorge Mario Bergoglio promoveu a maior reforma na Igreja em seis décadas. A forma simples de se comunicar com a sociedade o transformou num papa pop, como afirmam os especialistas. "O que ele diz toca o coração das pessoas", ressalta dom Américo Aguiar, coordenador da Jornada em Portugal. "É uma pessoa simples, com a qual todos se identificam", endossa o frei Peter Stilwell, diretor do Departamento de Relações Ecumênicas e Diálogos Inter-religiosos. "Estamos falando de um grande amigo, empenhado em construir um mundo menos desigual", complementa Timóteo Cavaco, presidente da Aliança Evangélica de Portugal.
Por onde passou, Francisco ouviu da juventude o grito "Papa dos jovens". E, dele, meninos e meninas receberam incentivos para que não tenham vergonha de ser o que são, nem tenham medo de empreender um futuro sem pobreza, com respeito ao meio ambiente e com as mãos sempre estendidas para os que precisam. Essa relação tão próxima, ao mesmo tempo em que anima a Igreja, agiganta o desafio do sucessor do pontífice. Ele conseguirá manter essa empatia com os fiéis e levar adiante as reformas conduzidas até agora? O próprio líder católico diz que tem sido uma "pedra no sapato" do conservadorismo da Igreja e que muitos jogam na sua cara críticas por receber transexuais no Vaticano.
O dia seguinte
As Jornadas da Juventude se transformaram em ferramentas estratégicas para que a Igreja interrompa a perda de fiéis. No Brasil, considerado o maior país católico do mundo, os dados mais recentes apontam que, pela primeira vez, o total de peregrinos caiu abaixo de 50% da população. Mesmo com toda a popularidade de Francisco. Por isso, o papa repetiu tanto o discurso de que a Igreja não é um mausoléu, precisa abrir as portas a todos, atenta às transformações da sociedade. A escolha de Seul, na Coreia do Sul, como futura sede do megaevento, é uma estratégia para abrir outras frentes ao catolicismo. O número de jovens coreanos é pequeno, mas o país está encravado na região que concentra a maior parcela da população do planeta. É uma fronteira enorme a ser explorada pelo Vaticano.
Havia uma defesa de parte dos cardeais para que a nova Jornada ocorresse na África, que nunca sediou o megaevento, mas venceu o pragmatismo. Com o vácuo da Igreja Católica no continente, os evangélicos têm avançado, sobretudo por meio das instituições comandadas por brasileiros. Esse movimento não é muito diferente em Portugal, que acaba de sair de uma Jornada vitoriosa. Nos últimos 10 anos, foram menos 240 mil católicos, enquanto houve um salto entre os evangélicos e os que dizem não ter nenhuma religião. "Quando o papa diz que a Igreja precisa se renovar e abrir as portas para todos, reforça a preocupação com os fiéis. Portanto, é preciso sair do discurso para a prática", assinala Dom Américo Aguiar.
O baiano João Victor Silva Ramos, 18 anos, que cruzou o Atlântico para participar da Jornada, diz que o papa é, hoje, a principal razão de seu envolvimento com a Igreja. "Ele renovou a nossa fé", afirma. Para o paraibano Jackson Rodolfo, 17, há um sopro de esperança entre os católicos trazido por Francisco. Segundo a portuguesa Sofia Sá, 12, a Jornada com o papa é uma experiência que se leva para a vida toda. "Eu não quero ir embora", enfatiza, por ter de retornar para Espinho, cidade próxima ao Porto. Na avaliação dos três jovens, é fundamental que os líderes da Igreja cumpram tudo o que disse e prometeu o pontífice.
Nas Jornadas anteriores, a esperança foi uma marca. Por isso, o pragmatismo de especialistas em relação ao comprometimento real do Vaticano em manter a chama da renovação acesa nos últimos dias em Portugal. O mundo vive um momento complexo, em que apenas a fé não resolve. Há uma guerra na Europa entre Rússia e Ucrânia, a internet propaga a ilusão, os jovens veem dificuldades para se colocarem no mercado de trabalho, a droga permanece uma tentação e a violência não dá trégua. Francisco pediu que todos encarem as crises com ousadia e sem medo. Os próximos quatro anos dirão até que ponto o papa conseguiu transformar a vida de milhões de meninos e meninas.
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