Do lado esquerdo, o palestino Salem S. ajuda a filha Layan e a sobrinha Shaymaa a tomarem banho, em meio ao que restou da casa da família, na Faixa de Gaza, depois dos bombardeios de Israel, em 2015. Do lado direito, também uma banheira, em uma casa luxuosa, com piso e azulejos de mármore e toalhas caprichosamente dobradas. O artista digital turco Ugur Gallenkus criou a montagem sobre a foto de Wissam Nassar. Em outra colagem, não menos impactante, do lado esquerdo, uma criança brinca sobre uma gangorra, em uma área de grama verde. Do lado direito, um garoto sírio posa sentado sobre o canhão de um tanque de guerra destruído, na Síria, em uma foto feita por Yasin Akgul.
Uma garota síria, vestida de hijab (véu islâmico), corre, segurando balões, na periferia leste de Damasco, entre escombros de prédios. Do lado direito, um menino francês também corre, sorridente e feliz, diante da Torre Eiffel. Assim como a menina árabe, retratada pelo fotógrafo Amer Amohibany, o garoto carrega balões. Outro trabalho de Gallenkus envolve uma montagem sobre a pintura Menina com um brinco de pérola, do holandês Johannes Vermeer. Gallenkus uniu a pintura à foto de uma garota síria com uma faixa de gaze sobre a testa, depois de um bombardeio na região de Ghouta, nos arredores de Damasco. A imagem é de autoria do fotojornalista Ammar Suleiman.
Em entrevista ao Correio, Ugur Gallenkus explicou que costumava fazer montagens e memes de cultura popular como um passatempo. "O evento que fez com que eu voltasse para temas mais importantes foi a imagem de um menino refugiado chamado Alan Kurdi, de 2 anos, que se afogou em 2015. Aquela fotografia mobilizou a comunidade internacional e os países a minimizarem os problemas que refugiados experimentavam naquela época. Muitas organizações têm subestimado os afogamentos no Mediterrâneo. Muitos países aceitaram refugiados. Então, por que isso ocorreu? A resposta é simples. Nós nos simpatizamos com aquela foto do bebê Alan. Essa empatia nos moveu para a ação", explicou.
Gallenkus preservou a foto do corpo de Alan, com a camiseta vermelha, bermuda azul e tênis. Colocou um cenário de mar azul e idílico. Em uma praia de areias brancas, um balde e uma pá de brinquedo. Uma sombra de Alan, como se estivesse vivo, brincando. "Normalmente, para a maioria das pessoas, os problemas nessas fotos não captam sua atenção. São imagens de eventos ruins, os quais vemos nos jornais, sofridos por outras pessoas. A consciência que emergiu com a foto de Alan mudou minha visão sobre as fotografias que mostram os problemas no mundo", admitiu.
A partir da imagem do pequeno Alan, Gallenkus começou a olhar para o trabalho de fotojornalistas sob uma perspectiva diferente. "Se pudermos enfatizar esses problemas, creio que nosso interesse por eles aumentará, e podemos tomar ações para minimizá-los. Com esse pensamento, comecei a unir as fotos de muitos fotógrafos com pessoas, objetos, eventos ou figuras em nossa vida diária, separadas por uma linha fina", observou. É como retratar dois universos paralelos, brutalmente antagônicos. Gallenkus não imaginava que seu trabalho surtiria tanto impacto. "Você pode ver quão forte é a linguagem das artes visuais e quão poderosa é a mídia social como ferramenta de comunicação", disse.
O artista digital turco não se considera fotógrafo. "Em meus trabalhos, compartilho fotos de diferentes fotógrafos com suas histórias. Eu me descreveria como um artista de colagens. Atualmente, meu trabalho tem uma técnica muito simples. Você traz duas fotos diferentes, lado a lado, e as separa com uma linha fina. É claro, trata-se de algo tão difícil quanto simples, porque leva tempo encontrar fotos que se complementem", disse. A primeira coisa que Gallenkus faz é encontrar a foto ideal que retrate um determinado problema, ao qual ele deseja chamar a atenção. "Os temas são sobre conflitos e guerras; refugiados; direitos de mulheres, crianças e animais; problemas ambientais; e desigualdade de renda", observou. Depois, Gallenkus inicia o processo de encontrar a foto que se "case" ou se "encaixe" com a imagem jornalística. Às vezes, leva alguns minutos, às vezes dias, ou mesmo semanas.
Ele considera impossível determinar se o trabalho que desenvolve obtém a empatia e causa o impacto que pretende. "Um importante feedback pelo meu trabalho é mostrado aos estudantes pelos professores, em aulas lecionadas em diferentes locais do mundo. Graças ao meu trabalho, você pode ver que muitas pessoas estão mais interessadas em problemas diferentes. Estou certo de que isso desperta a consciência", concluiu.
Gallenkus, 33 anos, nasceu em Nigde, na Turquia, e cresceu em Istambul. Em 2013, formou-se em administração de negócios pela Universidade Anadolu. Enquanto trabalhava no mundo corporativo, começou a criar fotomontagens sobre política. Em junho de 2023, exibiu 30 colagens em Genebra, criadas em parceria com a ONG Médicos Sem Fronteiras para despertar consciência sobre o trabalho médico e de ajuda humanitária em comunidades desassistidas ao redor do mundo. Três anos antes, publicara o livro Universos paralelos das crianças, em homenagem ao Dia Mundial da Criança.
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