INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Argentino usa IA para simular aparência de bebês sequestrados na ditadura

Cerca de 367 crianças que foram tomadas de seus pais — perseguidos pela ditadura argentina entre 1976 a 1983 — ainda não foram identificados e localizados

Entre 1976 e 1983, cerca de 30 mil pessoas foram mortas na ditadura da Argentina. Além disso, estima-se que aproximadamente 500 bebês dos presos ou desaparecidos políticos foram sequestrados — desses, apenas 133 foram localizados. Para ajudar no trabalho de recuperação da identidade das vítimas do período ditatorial, um designer argentino decidiu utilizar a inteligência artificial para simular a aparência dos bebês que foram roubados de suas famílias. Por meio de fotografias dos pais, Santiago Barros imagina como essas pessoas estariam 40 anos depois da repressão estatal.

A iniciativa foi notada pela Avós da Praça de Maio — associação criada em 1977 para identificar e localizar as crianças desaparecidas. No entanto, a organização ressaltou que a prática não garante a precisão que o cruzamento genético fornece. Atualmente, a principal maneira para identificar o parentesco com os perseguidos na ditadura argentina é por meio do Banco Nacional de Dados Genéticos.

"O acompanhamento na busca de netos e netas desaparecidos pelo terrorismo de Estado, há anos, felizmente, é permanente. Um artista visual usou um aplicativo para imaginar como seriam os filhos e filhas de homens e mulheres desaparecidos que procuramos a partir de duas fotos. Até agora, o único método infalível para vincular um neto ou neta à sua família de origem é o cruzamento genético. Agradecemos cada ato de solidariedade para acompanhar a busca, mas acreditamos ser importante ressaltar que esta iniciativa não é científica, mas artístico-lúdica", diz o comunicado das Avós da Praça de Maio.

Na última sexta-feira (28/7), a organização anunciou a identificação do neto 133º, filho dos ativistas Cristina Navajas e Julio Santucho e neto de Nélida Navajas — uma das fundadoras da associação Avós da Praça de Maio. Miguel “Tano” Santucho desapareceu em 1976, quando ainda estava na barriga da mãe. "Desde muito jovem teve dúvidas sobre a sua identidade, foi criado como filho único, com uma irmã 20 anos mais velha que não morava mais com ele. Foi ela quem confessou que ele não era filho daqueles que diziam ser seus pais", relata a organização.

Braço do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina, o Banco Nacional de Dados Genéticos é a principal ferramenta para reparação e restituição da identidade das vítimas da ditadura. "As avós da Plaza de Mayo anunciaram a restituição da identidade do neto 133. Nosso país foi e continua sendo pioneiro na aplicação da ciência no campo dos Direitos Humanos e é o Banco Nacional de Dados Genéticos que, Graças à luta dessas mulheres e às políticas de Estado, representa um legado científico e uma instituição viva que se constrói a partir do compromisso com a Memória, a Verdade, a Justiça e a Identidade de toda uma sociedade", ressalta a instituição.

Ditadura

Em 24 de março de 1976, a presidente da República María Estela Martínez de Perón foi deposta e uma Junta Militar assumiu o poder. As Forças Armadas indicaram o general Jorge Rafael Videla para presidir o país. "Antecedeu o golpe de 1976 um cenário político conturbado e de caos econômico", explica o projeto Memória e Resistência, da Universidade de São Paulo (USP). Cerca de 364 campos de concentração e de centros clandestinos de detenção e extermínio foram instalados na Argentina durante esse período repressivo. Esses locais funcionavam em espaços públicos ou privados, como quartéis, unidades penitenciárias e até escolas. "As pessoas eram mantidas sequestradas por razões políticas, em sua grande maioria sem qualquer relação com a luta armada", frisa a USP.

Após inúmeras denúncias de violação dos direitos humanos e crise econômica no país, a ditadura começou a declinar no final da década de 1980. "Em 1981, o ditador Jorge Rafael Videla e o Ministro da Economia Martínez de Hoz renunciaram e, para presidir o país, a Junta Militar indicou o general Roberto Viola (1981), em seguida substituído pelo general Leopoldo Galtieri (1981-1982). Nesse momento, os partidos políticos já se reagrupavam em uma ação política conhecida por Multipartidária, a qual se apoiava na possibilidade de recuperação da representatividade dos partidos a partir da exclusão do poder militar", explica o projeto Memória e Resistência.  As eleições gerais ocorreram em setembro 1983 e o advogado Raúl Ricardo Alfonsín foi eleito presidente.

Durante o governo de Alfonsín, foi anulada a Lei de Auto-Anistia instalada na ditadura, e também foram assinados decretos que possibilitaram o julgamento dos militares pelos crimes cometidos. Segundo dados da Promotoria de Crimes contra a Humanidade, o país já levou a julgamento e condenação 1.058 pessoas em 273 sentenças. 

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