Em 63 anos de independência da França, o Níger — país da África Ocidental, com 25 milhões de habitantes — enfrentou cinco golpes. O último deles foi oficializado nesta sexta-feira (28/7), quando o general Abdourahamane Tchiani, 62 anos, discursou em rede nacional de televisão e se proclamou o novo líder da nação, na capital, Niamey. "Nós não podemos continuar com as mesmas abordagens propostas até agora, sob o risco de testemunharmos o desaparecimento gradual e inevitável de nosso país. Por isso, decidimos intervir e assumir a responsabilidade", declarou o militar golpista. "A abordagem atual em matéria de segurança não foi capaz de proteger o país, apesar dos grandes sacrifícios do povo nigerino e do grato apoio de nossos aliados externos", acrescentou.
Na quarta-feira (26/7), a unidade da Guarda Presidencial que Tchiani comandava desde 2011 cercou o palácio presidencial e capturou Mohamed Bazoum, o primeiro presidente eleito a suceder outro desde a independência, em 1960. Não houve derramamento de sangue. As novas autoridades fecharam as fronteiras do Níger e suspenderam as instituições do Estado. O paradeiro de Bazoum e de seus familiares segue desconhecido, mas os golpistas garantem que o líder deposto está em boas condições de saúde. A Junta Militar comandada por Tchiani advertiu que se opõe a "qualquer intervenção militar estrangeira". Aliados de Bazoum garantiram que o golpe foi "encenado" por Tchiani para "ganhos pessoais".
O Exército do Níger expressou apoio ao movimento golpista e acusou a França, que possui 1.500 soldados no país, de violar o fechamento da fronteira, ao pousar um avião militar no aeroporto de Niamey. A Junta Militar liderada por Tchiani também suspendeu o funcionamento de todos os partidos políticos até segunda ordem e exortou a população a manter a calma.
Em visita a Port Moresby, na Papua Nova Guiné, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que "condena absolutamente, e com a maior firmeza, o golpe militar contra um líder corajoso e democraticamente eleito". Macron lembrou que Bazoum tem feito reformas e investimentos de que o Níger necessita. "Esse golpe de Estado é perfeitamente ilegítimo e profundamente perigoso para os nigerinos, para o Níger e para toda a região", advertiu.
Secretário-geral da associação Alternative Espaces Citoyens (Espaços Alternativos Cidadãos), Moussa Tchangari admitiu ao Correio que "um golpe é um infeliz evento em um país que tenta galgar o caminho da democracia". Morador de Niamey, ele lamentou o fato de uma ruptura institucional definir o "contador zero" na busca pela estabilidade e pelo Estado de Direito. "Nossa democracia não pode ser perfeita, mas qual o é? Um golpe não pode consertar a democracia que tínhamos", comentou.
Manifestações
Tchangari ressaltou que os nigerinos enfrentam uma "situação muito difícil" em termos de segurança. "Mas, em comparação com nossos vizinhos, estamos um pouco melhores. Um golpe também mina nossa luta pela segurança. Nós, que lutamos pela democracia, não podemos aceitar uma nova era de governo militar", desabafou. Ativista pró-democracia, ele relatou que não há uma atmosfera tensa na capital. "As pessoas vivem como costumavam antes do golpe. Há um toque de recolher, mas nada particular. Também tivemos protestos. O primeiro deles em apoio ao presidente; outro em suporte aos soldados. Há alguma violência, mas a situação é bem calma."
Jornalista do Le Figaro e da Radio France, Stanislas Poyet, 30 anos, mora em Niamey desde 23 de janeiro. Por telefone, ele confirmou ao Correio que a capital nigerina vivia uma situação de calma. "Havia planos de manifestações, mas protestos foram proibidos pelas novas autoridades. Na quinta-feira (27), houve registros de violência durante atos a favor dos golpistas, no centro de Niamey, com gritos de ordem contra a França. Algumas pessoas incendiaram carros. No decorrer do golpe, não tivemos nenhum confronto entre as diferentes facções", afirmou.
Segundo Poyet, o general Tchiani era muito próximo ao ex-presidente Mahamadou Issoufou. "Em seu discurso, Tchiani criticou as decisões do governo em matéria de segurança. O presidente deposto Mohamed Bazoum chegou a tentar mediar negociações com grupos jihadistas importantes no Níger, associados à rede Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. As autoridades de Bazoum tentaram construir uma estratégia de negociações, a fim de que militares abandonassem seus postos."
Eu acho...
"Não fiquei surpreso com o golpe militar em meu país. Está na dinâmica da região. Existe uma tentação autoritária, em todo o mundo, não apenas na região do Sahel. Esse e outros golpes precisam ser compreendidos dentro dessa perspectiva."
Moussa Tchangari, secretário-geral da associação Alternative Espaces Citoyens (Espaços Alternativos Cidadãos) do Níger