Esta semana, mais de 230 milhões de americanos experimentarão temperaturas acima de 32,2º C.
A previsão do aumento na frequência e na intensidade de períodos de calor nas próximas décadas voltou a jogar luz sobre a situação das prisões americanas e, para alguns, sobre a necessidade de reformas no sistema penitenciário.
Calvin Johnson passou 37 anos em uma prisão estadual do Texas, incluindo 37 verões em uma cela. Ele saiu da prisão em 2022 — o terceiro verão mais quente já registrado nos Estados Unidos, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica — e falou à BBC de suas lembranças.
Nos incontáveis dias muito quentes, quando as temperaturas passavam de 37,7° C, sua sobrevivência dependia de uma mistura de criatividade e desespero para manter a calma e permanecer vivo.
"Em alguns momentos, você pode entupir o vaso sanitário e deixar a água correr", diz Johnson, 67 anos.
"Coloque sua calça e sua camisa em cima [da área molhada] e deite na água por um tempo."
É algo que ele fez "várias vezes", segundo conta.
Embora nunca tenha tentado isso, Johnson diz que já até viu alguns presos bebendo água da privada porque ela era um pouco mais fria do que a disponível na pia da cela.
"As pessoas desmaiavam com o calor", lembra Johnson. "Eu já vi isso muitas vezes."
Treze dos Estados mais afetados pelo calor — incluindo o Texas e o Arizona — não têm prisões totalmente climatizadas com aparelhos de ar condicionado, de acordo com uma pesquisa da organização Prison Policy Initiative.
Enquanto isso, um estudo publicado na revista científica Plos One constatou que, a cada aumento de 10° F nas temperaturas médias históricas, as taxas de mortalidade aumentaram 5,2% nas prisões estaduais e privadas dos EUA durante o verão.
Das 100 prisões operadas pelo Departamento de Justiça Criminal do Texas, 31 são totalmente climatizadas e 55 têm ar-condicionado limitado a determinadas áreas. Quatorze não têm resfriamento algum, como a prisão de Wainwright, onde Johnson ficou preso.
Em novembro, pesquisadores das universidades de Brown, Boston e Harvard descobriram que, entre 2001 e 2019, 13% das mortes ocorridas nas prisões do Texas que não são totalmente climatizadas "podem ser atribuídas a dias de calor extremo".
Desde meados de junho desse ano, pelo menos nove prisioneiros morreram de ocorrências cardíacas em prisões não refrigeradas do Texas, segundo levantamento do site de notícias Texas Tribune.
O site acrescentou que outros 14 detentos morreram de causas desconhecidas em dias de calor extremo e que muitos foram encontrados inconscientes em suas celas pelos funcionários da prisão.
A porta-voz do Departamento de Justiça Criminal do Texas, Amanda Hernandez, disse que é impreciso rotular qualquer morte como relacionada ao calor antes que investigações sejam feitas.
De acordo com as estatísticas oficiais do departamento, não houve mortes relacionadas ao calor desde 2012.
Oito presos precisaram de cuidados médicos por conta do calor em 2023, disse Hernandez, mas nenhum caso levou à morte.
Em uma resposta por e-mail, ela disse à BBC que o departamento leva a sério sua responsabilidade de proteger os detentos e funcionários.
"Todos têm acesso a gelo e água. Os ventiladores estão estrategicamente colocados nas instalações para fazer o ar se movimentar. Os presos têm acesso a um ventilador e podem acessar áreas de descanso com ar-condicionado quando necessário", disse Hernandez.
Ativistas dizem que a postura dura do Texas com o crime torna os legisladores relutantes em melhorar as condições dos presídios.
Este ano, a Assembleia Legislativa do Texas tomou medidas para lidar com o calor em suas prisões.
Deputados aprovaram um projeto de lei que exigiria que as prisões fossem mantidas em temperaturas entre 18º C e 29º C e orçou mais de US$ 343 milhões (cerca de R$ 1,6 bi) para ampliar o número de aparelhos de ar-condicionado no Estado.
Mas o Senado local rejeitou o projeto e cortou o dinheiro alocado para melhorar as condições, apesar do Texas ter um superávit orçamentário de mais de US$ 32 bilhões, segundo informou a CBS, parceira de mídia da BBC.
A BBC pediu posicionamento do Comitê de Finanças do Senado do Texas, mas não teve retorno.
Clifton Buchanan, um ex-guarda prisional e atual vice-diretor da AFSCME Texas Corrections (a maior organização que representa os funcionários do Departamento de Justiça Criminal do Texas), lembra que não são apenas os prisioneiros que são afetados pelo calor. Os guardas prisionais também estão sofrendo.
"Tudo o que os presos sofrem, nós também sofremos."
Para descrever como é uma prisão quando atinge altas temperaturas, ele diz: "É como trabalhar em um inferno".
"Você tem que usar um colete à prova de facadas, subir e descer lances de escadas por várias horas... Os guardas ficam tontos e enjoados."
"Será que um dos nossos funcionários tem que morrer antes que um ar-condicionado seja colocado?", indaga Buchanan.