É incomum que, depois de um dia agitado de eleição com várias reviravoltas, o vencedor pareça menos entusiasmado do que o segundo colocado. E também é surpreendente que os seguidores de um e de outro comemorem praticamente com o mesmo entusiasmo.
No entanto, o resultado relativamente surpreendente das eleições gerais deste domingo (23/7) na Espanha deixou um contraste de imagens e discursos que dificultam a conclusão de quem foi o grande vencedor da noite.
Os dados são claros: o conservador Partido Popular (PP), liderado por Alberto Núñez Feijóo, venceu as eleições e terá 136 cadeiras na câmara baixa do Parlamento da Espanha.
Depois vem o Partido Socialista (PSOE), do atual presidente do governo (premiê), Pedro Sánchez, que obteve 122 cadeiras.
Em terceiro lugar ficou o partido de direita radical Vox, com 33 deputados, e em quarto, a coalizão de esquerda Sumar, que inclui o Podemos, com 31 cadeiras.
A falta de uma maioria clara para qualquer um dos partidos cria um quadro confuso, que faz com que analistas e políticos façam todo tipo de cálculo.
A seguir, entenda três cenários possíveis sobre o que pode acontecer agora.
1. Núñez Feijóo tenta formar governo
O líder do PP, Núñez Feijóo, esteve diante de simpatizantes que se reuniram em frente à sede do partido em Madri na noite de domingo e reivindicou o seu direito de se tornar o próximo presidente do governo espanhol, o que equivale ao cargo de primeiro-ministro.
"Como candidato do partido que mais assentos conquistou, creio que é meu dever tentar formar um governo", declarou Núñez Feijoo. "Que ninguém tenha a vontade de bloquear a Espanha", acrescentou.
Não será fácil, dadas as condições do sistema parlamentar espanhol, que resumimos a seguir.
Primeiro, o rei se reúne com os líderes de todas as formações políticas com representação no Congresso e propõe um candidato para o cargo, que geralmente é o líder do partido que conquistou mais assentos.
O referido candidato expõe seu programa na sessão de posse no Congresso. Para ser eleito presidente em primeiro turno, ele deve ter os votos da maioria absoluta (metade mais um) dos parlamentares.
Se não obtiver, há um segundo turno em 48 horas, onde basta a maioria simples (mais sim do que não). É nesse ponto que os deputados que se abstêm podem facilitar indiretamente essa candidatura.
Voltando ao que se passa agora, as pesquisas previam uma vitória clara do PP, embora sem atingir os 176 assentos necessários para governar sozinho.
Isso levou a se falar em uma possível coalizão do PP com o Vox, uma formação de direita radical com a qual esperava superar a barreira da maioria. No entanto, PP e Vox têm, juntos, 169 cadeiras.
Assim, para tomar posse como presidente, Núñez Feijóo precisa do apoio de outras formações políticas. Uma das possibilidades é que pequenos partidos reúnam mais um ou dois assentos.
Mas a inclusão do Vox na equação afasta outras formações, como o Partido Nacionalista Basco, que no passado facilitou a posse de presidentes do PP, mas exigiria a ausência da direita radical para dar o seu apoio.
2. Pedro Sánchez tenta continuar no cargo
Apesar de seu partido não ter conquistado tantas cadeiras quanto o PP, o líder do Partido Socialista, Pedro Sánchez, disse com euforia neste domingo: "Boa noite, Espanha, obrigado do fundo do meu coração".
Disse, ainda, que a direita e a extrema direita na Espanha "foram derrotadas".
"O bloco retrógrado que queria reverter todo o progresso que fizemos nos últimos quatro anos falhou", acrescentou da sacada da sede de seu partido em Madri.
"Há muito mais pessoas que querem que a Espanha continue avançando do que aquelas que querem dar um passo atrás."
A multidão gritava "presidente" enquanto os analistas faziam as contas.
Para se manter no cargo, Sánchez precisa do apoio não só da Sumar, coalizão de esquerda, mas também de partidos nacionalistas e independentes da Catalunha e do País Basco, como o PNV, EH Bildu e Esquerra Republicana, que já o apoiaram após as eleições gerais de novembro de 2019.
Ainda assim, não será suficiente.
O maior obstáculo no momento, segundo analistas, é o partido JuntsxCatalunya, que disse durante a campanha que exigiria um referendo sobre a independência da Catalunha.
"Não faremos de Sánchez presidente à toa", disse neste domingo Miriam Nogueras, representante do partido.
Sánchez precisaria, ao menos, que os sete deputados catalães se abstivessem na segunda votação.
3. Impasse e novas eleições
Se nenhum dos candidatos dos dois principais partidos obtiver o apoio necessário na investidura, o mais provável é que se crie uma situação de impasse que leve à convocação de novas eleições.
Este cenário não seria novidade na política espanhola da última década, pois já aconteceu em 2016 e 2019.
O surgimento de novos partidos — como o Podemos, o Ciudadanos e, posteriormente, o Vox e o Sumar — fragmentou o cenário político que, fundamentalmente, havia sido ocupado pelo PSOE e pelo PP.
Em 2016, o então líder do PP, Mariano Rajoy, venceu as eleições, mas não compareceu à posse por falta de apoio, algo que agora pode acontecer a Núñez Feijóo.
Pedro Sánchez, que ficou em segundo lugar, tentou ter apoio e assim evitar uma nova eleição, mas não teve os votos necessários.
Então houve uma nova eleição, Rajoy voltou a vencer e finalmente conseguiu a investidura com o apoio dos Ciudadanos e a abstenção do PSOE — algo que Núñez Feijóo agora deseja, mas que é considerado improvável.
Três anos depois, uma situação semelhante foi vivida, mas com o resultado oposto.
Em abril de 2019, com Pedro Sánchez como presidente do governo após uma moção de desconfiança que tirou Rajoy do poder no ano anterior, o PSOE venceu as eleições, mas não teve o apoio necessário para formar governo.
Houve uma nova convocação em novembro do mesmo ano, Sánchez repetiu a vitória e, na ocasião, chegou a um acordo de coalizão com o Unidas Podemos, então liderado por Pablo Iglesias.
Agora, na campanha para as eleições, a possibilidade de uma nova eleição foi cogitada sutilmente em algumas análises e debates. Neste domingo, com um resultado tão dividido, isso ficou mais plausível.