Direitos civis

Ativistas LGBT+ russos reagem à lei que veta mudança de gênero

Parlamento da Rússia apoia legislação transfóbica, que impede transição de gênero e adoção de crianças por casais em que um cônjuge seja trans

Ativistas em defesa dos direitos LGBTQIAP+ não escondem a preocupação com a nova legislação contra pessoas trans aprovada pela Câmara baixa do Parlamento da Rússia (Duma). Por uma grande maioria, os deputados avalizaram uma lei que veta as transições de gênero e a adoção de crianças por pessoas transgênero. "Esta decisão protege nossos cidadãos, nossas crianças", comemorou o presidente da Duma, Viacheslav Volodin. Segundo a agência de notícias France-Presse, a Duma afirma que a legislação "proíbe qualquer intervenção médica" para mudança de gênero, em particular as cirurgias e terapias hormonais. Também proíbe a mudança de sexo nos documentos de identidade.

Presidente da Fundação Esfera — organização não governamental de combate à homofobia lançada na clandestinidade pelo governo russo, em abril de 2022 —, Dilya Gafurova afirmou ao Correio que a legislação anti-LGBTQIAP+ aprovada pela Duma "não passa de uma tentativa de posicionar e apresentar a Rússia como o último bastião de esperança para o conservadorismo na política global". "É uma maneira de mostrar o país como o reduto dos 'valores tradicionais' e dos ideais ultrapassados da instituição da família", observou. Segundo ela, a retórica de justaposição incorporada na legislatura cobra um preço alto para todo um grupo social de russos. "O que as pessoas trans devem fazer agora, quando estão completamente sem opções? Elas estão mais vulneráveis do que nunca, forçadas a uma situação em que não podem obter assistência médica ou aconselhamento psicológico adequado; mudar seus documentos; ou construir uma família. Em última análise, não podem permanecer autênticas pelo que são", lamentou Gafurova.

"Quando as autoridades russas proclamam, em alto e bom som, que fazem o que fazem para proteger as pessoas, não acreditem nelas", acrescentou a presidente da Fundação Esfera. Segundo ela, assim como a maior parte das ações do governo russo, as novas emendas aprovadas pela Câmara baixa do Parlamento não foram submetidas à apreciação de especialistas. "É algo típico de ditadores. Trocam vidas humanas pelo poder. Uma vez que sentem que o último está se esvaindo, apenas aumentam a aposta", ironizou Gafurova.

Ainda de acordo com a ativista, as autoridades russas são "homofóbicas" e "transfóbicas" e fizeram a legislação à sua semelhança. "No entanto, mantenho a crença de que a sociedade russa realmente avançou na história moderna do país, em termos de se tornar mais consciente e, portanto, mais receptiva às pessoas LGBTQIAP+", confidenciou. Ainda de acordo com Gafurova, existe uma ruptura na sociedade. "Tenho receio de que tal legislação discriminatória dê luz verde a atitudes negativas sobre a comunidade queer e intensifique a ignorância e o ódio cego, que  resultariam em retrocesso de tudo o que foi realizado por ativistas LGBTQIAP+ em termos de conscientização pública", desabafou. 

 

Arquivo pessoal - Noel Shaida, chefe de comunicações da Fundação Esfera, em Moscou

Por sua vez, Noel Shaida — chefe de Comunicações da Fundação Esfera — disse ao Correio que, a partir de agora, os Cartórios de Registro Civis não mais serão obrigados a reemitir documentos para o marcador da mudança de gênero. "Os médicos estarão proibidos de qualquer intervenção que vise a mudar o gênero de uma pessoa. Cuidados psiquiátricos estarão disponíveis, mas não poderão ser voltados para a 'alteração de sexo'. Se um dos cônjuges 'mudar de sexo', o casamento será automaticamente anulado. Indíviduos transgêneros não terão permissão para assumir a guarda de crianças", enumerou. 

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