Depois de perder protagonismo nas batalhas dentro do território ucraniano, o Wagner — grupo privado de mercenários fundado pelo oligarca russo Yevgeny Prigozhin — oferece instrução militar em Belarus. "Os combatentes da companhia militar privada Wagner atuam como instrutores em várias áreas militares", afirmou o Ministério da Defesa bielorrusso, em Minsk. Ainda segundo a pasta, os mercenários "treinam unidades das tropas de defesa territorial" na ex-república soviética comandada por Alexandr Lukashenko. "O treinamento ocorre fora de Osipovichi. Os recrutas estão dominando as habilidades de movimentação no campo de batalha e de tiro tático, e estão passando por treinamento de engenharia e um programa de medicina técnica", afirma a nota.
Em 23 de junho passado, o Wagner protagonizou um motim que prendeu a atenção do planeta, ao se rebelar contra o alto comando militar do Kremlin e ao avançar até 200km de Moscou. Lukashenko mediou um acordo entre Wagner e o governo russo, segundo o qual Prigozhin se exilaria em Belarus e recuaria suas tropas de volta ao acampamento. No entanto, em de 6 de julho passado, o próprio Lukashenko revelou que Prigozhin estaria na Rússia, em São Petersburgo ou na capital.
Ao mesmo tempo, o presidente russo, Vladimir Putin, disse ao jornal Kommersant que Prigozhin rejeitou uma oferta para que seus homens se incorporassem ao Exército da Rússia. O plano teria sido apresentado ao líder do grupo durante reunião em Moscou, em 29 de junho. "Os caras não concordam com essa decisão", teria dito Prigozhin ao chefe do Kremlin. "Os combatentes do Grupo Wagner poderiam ter sido reunidos em apenas um lugar e prosseguir com seu serviço. Nada mudaria para eles, seriam liderados pela pessoa que realmente era seu comandante todo este tempo", afirmou Putin, ao mencionar outra proposta para que os mercenários servissem sob a autoridade de outro comando — suposta referência a "Sedoy" ("cabelo grisalho"), um dos líderes militares do Grupo Wagner.
Em relação à Ucrânia, o Pentágono anunciou que os mercenários não participam mais dos combates de forma "significativa". "No momento, não vemos as forças do Grupo Wagner participando de uma forma significativa no apoio aos combates na Ucrânia", declarou o porta-voz do Pentágono, general Pat Ryder.
Vicente Ferraro Jr. — doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em política da Rússia e conflitos em ex-repúblicas soviéticas — acredita que a maior parte do Grupo Wagner foi desmobilizada do front e se encontra em Belarus. "Isso causa uma situação delicada. Se o grupo se integrar ao Exército russo e atacar a Ucrânia a partir do território bielorrusso, tal gesto acabaria incorrendo no risco de estimular um conflito direto entre Minsk e Kiev", advertiu ao Correio. "Esse cenário daria início a um novo front e colocaria a Ucrânia em uma situação delicada. A contraofensiva ucraniana dura algumas semanas e tem resultados modestos."
Ferraro destacou que a imprensa russa deu bastante atenção ao encontro de Putin com os representantes do Grupo Wagner. "Na entrevista ao Kommersant, Putin afirmou que o Wagner não existe, sob o ponto de vista jurídico. As leis russas não admitem a existência de um grupo mercenário em território russo. Com essa declaração, Putin faz uma ameaça aos membros do Wagner, um alerta de que eles são ilegais. Uma segunda mensagem é que a existência do grupo foi, na prática, uma concessão direta e pessoal de Putin." Para Ferraro, ao sustentar a negativa do líder do Wagner em incorporar seus homens ao Exército russo, Putin sugere que Prigozhin é um traidor. "Acredito que Prigozhin e as lideranças envolvidas no motim serão punidos, seja por meios legais ou ilegais", aposta.
Uma foto divulgada no Telegram do Grupo Wagner, nesta sexta-feira (14/7), mostra Prigozhin sentado sobre uma cama tubular de metal, dentro de uma tenda de campanha, supostamente em Belarus. Ele aparece de cueca e camiseta acenando para a câmera. Não está claro quando nem onde exatamente a imagem foi feita. O Grupo Wagner afirma que o registro seria de autoria do próprio Ministério da Defesa bielorrusso, segundo o qual "fontes bielorrussas confirmaram o início da implantação do Wagner em Belarus". Os mercenários garantem que a imagem data de 12 de julho, às 7h24. No entanto, outros canais do Telegram publicaram que a foto foi tirada em 12 de junho — portanto, 13 dias antes do motim.
Ilegalidade
Professor de história da Universidade de São Paulo (USP), Angelo Segrillo lembra que, na Rússia, é proibida por lei a existência de companhias militares privadas. "É algo parecido com o jogo do bicho no Brasil. Apesar de ser ilegal, você vê em cada esquina. Os russos usam brechas na legislação para que essas companhias operem. A principal delas é que esses grupos são registrados em outro país, não na Rússia. Depois, instalam o escritório no território russo", explicou ao Correio. Para ele, Putin faz um jogo de palavras ao afirmar que o Grupo Wagner "não existe".
Segrillo acredita que ainda é cedo para traçar prognósticos sobre o futuro do Grupo Wagner. "Se eu tivesse que chutar, eu diria que Putin manterá essa organização. No cenário mais pessimista, eles continuarão a atuar em outros países e não retornarão à Ucrânia. No mais otimista, voltariam ao território ucraniano, mas sem a liderança de Prigozhin", comentou. Segundo o estudioso, Putin tenta utilizar o Grupo Wagner como uma força útil, mas isolando Prigozhin. "Há disputas internas no próprio aparato da Rússia, envolvendo diversos grupos."
EU ACHO...
"O Grupo Wagner fez vários trabalhos úteis para o governo russo na África, por exemplo. Muitos achavam que Putin tiraria os mercenários da Ucrânia e os levariam para bem longe da Rússia. Isso é um cenário que ainda pode ocorrer. Mas, parece ser cedo para saber o que vai ocorrer com o Wagner. A situação em Belarus se mostra provisória e fluida."
Angelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP)
"Uma das características principais do regime de Putin é a predominância da informalidade sobre o arcabouço jurídico. As instituições políticas formais na Rússia, muitas vezes, acabam eliminadas por práticas informais. Um dos casos mais emblemáticos é a manipulação de eleições. A existência do Grupo seria outro exemplo desse fenômeno."
Vicente Ferraro Jr., doutor em ciência política pela USP, especialista em política da Rússia e conflitos em ex-repúblicas soviéticas
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