Defesa

Cúpula da Otan termina com sabor de vitória para Zelensky e Biden

Países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte acordam fornecer apoio militar de longo prazo para a Ucrânia e oferecer compromissos de segurança. Kiev espera adesão à aliança assim que a guerra com a Rússia terminar

A esperada adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ficou para depois. No entanto, a cúpula da aliança militar ocidental, realizada em Vilnius, capital da Lituânia, terminou com os holofotes sobre Volodymyr Zelensky, com a promessa de ajuda militar a Kiev e com compromissos de segurança de longo prazo. O ucraniano comemorou uma "grande vitória em matéria de segurança" para seu país, ainda que tenha ressaltado que "a melhor garantia para a Ucrânia é ser parte da Otan".

"Acredito que estaremos na Otan assim que a situação de segurança se estabilizar. Em linguagem simples, quando a guerra terminar, a Ucrânia será definitivamente convidada e se tornará membro da aliança", declarou Zelensky, que manteve uma reunião bilateral com o colega norte-americano Joe Biden. 

O presidente dos Estados Unidos reforçou o apoio à Ucrânia e aproveitou para criticar a Rússia. "Quando (Vladimir) Putin, e sua ânsia covarde por terra e poder, desencadearam sua guerra brutal na Ucrânia, ele apostava que a Otan se desintegraria. (...) Ele achava que os líderes democráticos seriam fracos. Mas ele pensou errado", discursou Biden, na Universidade de Vilnius.

O democrata lembrou que, desde o início da guerra, esteve com Zelensky em quatro ocasiões: em Washington, em Kiev, em Hiroshima e em Vilnius. "Não vacilaremos. Nosso compromisso com a Ucrânia não enfraquecerá. Defenderemos a liberdade hoje, amanhã e pelo tempo que for necessário. A defesa da liberdade não é trabalho de um dia ou de um ano. É um chamado de nossa vida — de todos os tempos", disse.

Os países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) afirmaram que trabalharão com a Ucrânia "em acordos e compromissos de segurança específicos, bilaterais e de longo prazo para (...) garantir uma força sustentável capaz de defender a Ucrânia agora e dissuadir a agressão russa no futuro". Entre as promessas, estão "assistência de segurança e equipamentos militares modernos, nos domínios terrestre, aéreo e marítimo, priorizando defesa aérea, artilharia e dispositivos de longo alcance, veículos blindados e outras capacidades essenciais". Emmanuel Macron, presidente da França, opinou que a Rússia está "militar e politicamente frágil" e que exibe "os primeiros sinais de divisão". 

Petras Malukas/AFP - Jens Stoltenberg (D), secretário-geral da Otan, abraça Zelensly depois da coletiva de imprensa

Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, assegurou que o bloco está "mais unido do que nunca". "Concordamos em fortalecer a dissuasão e defesa da Otan, em investir mais em defesa, em aproximar a Ucrânia da adesão e em aprofundar ainda mais nossas parcerias em todo o mundo", escreveu no Twitter.

"Erro perigoso"

A concessão de garantias de segurança à Ucrânia, por parte da Otan, foi classificada pelo Kremlin de um "erro muito perigoso". O governo de Vladimir Putin acusou os 31 países-membros da aliança militar ocidental de mostrarem desrespeito ao princípio internacional de segurança indivisível. "Isso significa que, ao fornecer garantias de segurança à Ucrânia, eles estão invadindo a segurança da Rússia", advertiu o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. De acordo com ele, as decisões anunciadas pelo G7, no âmbito da cúpula em Vilnius, "estão transformando a Europa em um lugar muito mais perigoso por muitos anos". "Eles estão nos causando danos e levaremos isso em conta", alertou. 

Direto de Vilnius, onde participou da cúpula da Otan, Mykola Volkivskyi — ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia — explicou ao Correio que as garantias de segurança estendidas a Kiev devem ser analisadas a partir do prisma político. "As promessas de apoio militar e a reafirmação do compromisso com a segurança, por parte dos EUA, enviam uma forte mensagem à Rússia de que qualquer agressão ou tentativa de minar a soberania ucraniana será enfrentada com uma frente unida da comunidade internacional", observou.

Volkivskyi considera importante a inclusão da Ucrânia na Declaração Conjunta de Apoio dos países do G7. "Isso demonstra um esforço coordenado entre as principais democracias do mundo em fortalecer a segurança da Ucrânia e impedir possíveis agressões. Esse apoio não apenas fortalece as capacidades defensivas de Kiev, mas também fornece sensação de segurança e legitimidade ao governo ucraniano."

Ainda segundo Volkivskyi, sob a perspectiva de Zelensky, o resultado da cúpula deve ser interpretado como um passo positivo rumo à adesão à Otan. Ele admitiu que alusão à futura inclusão da Ucrânia na aliança em sua Declaração Conjunta é um "claro sinal de compromisso com as aspirações euroatlânticas". "Significa que a Ucrânia é vista como um importante parceiro e que estão sendo feitos progressos em direção à integração à Otan", avaliou o ucraniano. Ele lembrou que as garantias de segurança não sinalizam adesão imediata à aliança nem fornecem certeza contra agressões. "O caminho para a adesão da Otan ainda envolve acordos de segurança bilaterais e esforços para ampliar as capacidades de defesa da Ucrânia", concluiu.

Analista político em Dnipro (leste) e diretor da ONG Grande Nação, o analista político Viktor Krivel disse à reportagem que a cúpula foi um evento desafiador, porém bem-sucedido, para a Ucrânia. "Ela marcou um avanço importante na direção das aspirações de Kiev. O estabelecimento de poderosos acordos de defesa é uma vitória notável para a Ucrânia, por demonstrar sua importância estratégica crescente e o compromisso da comunidade internacional com sua segurança", afirmou, pouco antes de embarcar em Vilnius rumo à Ucrânia. 

De acordo com Krivel, a Declaração Conjunta assinada pelos 31 países-membros da Otan engloba componentes vitais. "Em primeiro lugar, dispõe de medidas para ajudar a Ucrânia a fortalecer suas capacidades de defesa. Elas incluem suprimentos de armas, apoio ao desenvolvimento da indústria bélica ucraniana, programas de treinamento, cooperação de inteligência e assistência em segurança cibernética. Além disso, os países garantidores se comprometem a apoiar a estabilidade econômica e o setor de energia da Ucrânia, oferecendo ajuda técnica e financeira", sublinhou. Ele destacou as medidas de contingência previstas pela Declaração Conjunta no caso de agressão renovada contra a Ucrânia. 

Força

Sean McFate, professor da Faculdade de Assuntos de Segurança Internacional da Universidade de Defesa Nacional (em Washington) e autor de The new rules of war — How America can win against China, Russia and other threats ("As novas regras da guerra — Como os EUA podem vencer contra a China, a Rússia e outras ameaças"), admitiu ao Correio que a cúpula em Vilnius terminou com uma vitória tanto para a Otan quanto para a Ucrânia. "A Otan demonstrou ao mundo, e especialmente à Rússia, que permanece forte e que está crescendo, com as adesões da Suécia e da Finlândia. A Ucrânia, por sua vez, ganhou um compromisso verbal de se unir à aliança no futuro." 

McFate lembrou que o G7 prometeu armas, equipamentos, treinamentos e dinheiro para os ucranians manterem sua luta. "Secretamente, muitos países da Otan estão com fadiga de doações, dadas as vastas quantias de dinheiro e armas e o péssimo desempenho da Ucrânia na contraofensiva. Kiev teve sorte com o apoio do G7."

Para Mary Kate Schneider, diretora de Estudos Globais da Loyola University Maryland (em Baltimore), a cúpula da Otan representou uma vitória para Zelensky, Biden e Stoltenberg. "A Ucrânia precisa  do apoio dos EUA para vencer a guerra e tem o compromisso de boa fé de Biden. É do interesse de Washington enfrentar a tentativa da Rússia de desrespeitar as normas internacionais contra a aquisição territorial pela força", avaliou. "Também é do interesse da Otan permanecer fora do conflito. Isso para evitar a conversa extremamente difícil sobre o que fazer se um Estado-membro invocar a cláusula de defesa coletiva do Artigo 5 contra um agressor com capacidade nuclear", disse. A especialista salientou que o propósito original da Otan é o de promover a estabilidade no sistema internacional. "Isso fica mantido abstendo-se de convidar um Estado em guerra para se juntar à aliança."

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Mykola Volkivskyi, ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia

"As garantias de segurança fornecidas pelo G7 e pela Otan refletem as tensões em curso entre a Ucrânia e a Rússia. Ao apoiar medidas para responsabilizar Moscou pela agressão, como o fortalecimento das sanções e o acesso às vias legais, a comunidade internacional sinaliza sua posição contrária às ações da Rússia na Ucrânia. Isso demonstra uma frente unificada contra as atividades desestabilizadoras da Rússia e as tentativas de exercer influência na região."

Mykola Volkivskyi, ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia

Arquivo pessoal - Sean McFate, professor da Faculdade de Assuntos de Segurança Internacional da Universidade de Defesa Nacional

"A Ucrânia obteve uma vitória durante a cúpula na Lituânia: mais equipamentos, dinheiro e um caminho para a Otan. A esperança de Zelensky de ingressar na aliança militar ocidental em breve nunca foi realista, sob a perspectiva da Otan, pois teria desencadeado a Terceira Guerra Mundial. A Ucrânia está em guerra com a Rússia, e a Otan também teria que entrar no conflito."

Sean McFate, professor da Faculdade de Assuntos de Segurança Internacional da Universidade de Defesa Nacional

Arquivo pessoal - Mary Kate Schneider, diretora de Estudos Globais e cientista política da Loyola University Maryland

"A cúpula da Otan produziu um resultado positivo para a Ucrânia, e ligeiramente menos positivo para Zelensky. Em última análise, a Ucrânia ficará melhor se vencer a guerra e a Rússia deixar de ser um ator beligerante no cenário mundial. A derrota militar garantirá esse resultado. Muitos aliados poderosos da Otan têm afirmado seu apoio militar à Ucrânia."

Mary Kate Schneider, diretora de Estudos Globais e cientista política da Loyola University Maryland

RÁPIDAS

Adesão após outubro

O Parlamento turco não poderá ratificar a adesão da Suécia à Otan antes de outubro devido ao recesso de verão do Congresso, afirmou o presidente Recep Tayyip Erdogan. "Há dois meses de recesso parlamentar.Quando os parlamentares voltarem, haverá muitas propostas legislativas que serão discutidas por ordem de importância", explicou olíder turco, ao responder a um jornalista que lhe perguntava se a adesão poderia ser ratificada em outubro. "Mas nossa intenção é acabar com isso o quanto antes", assegurou Erdogan, à margem de uma cúpula da Otan na Lituânia."Quando abrir a sessão do Parlamento, acredito que seu presidente concordará em dar prioridade a esse acordo."

 

"Não somos a Amazon"

A declaração do ministro da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, sobre o pedido de ajuda militar feito pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, causou constrangimento no premiê Rishi Sunak. "Não somos a Amazon", afirmou Wallace, ao revelar que recebeu de Kiev uma lista de solicitações de ordem militar. O ministro cobrou de Zelensky mais demonstrações de gratidão pelo apoio do Ocidente à guerra contra a Rússia.

Treinamento de pilotos

Autoridades presentes na cúpula em Vilnius confirmaram à emissora BBC que um grupo de 11 países começará a treinar cadetes ucranianos para pilotarem caças F-16. O treinamento deve ocorrer no próximo mês, na Romênia. A Ucrânia tem feito reiterados apelos pelo envio de caças ocidentais, sob o risco de perder a iniciativa no campo de batalha.

Advertência russa

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, avisou que a Rússia "terá que responder" ao uso de bombas de fragmentação por parte da Ucrânia. "Naturalmente, a potencial utilização desse tipo de arma é um divisor de águas e certamente forçará a Rússia a tomar medidas específicas como resposta", declarou, segundo a agência de notícias russa Tass. Peskov não detalhou quais seriam essas medidas. Mais cedo, serviço de emergência em Zaporizhzhia informaram que tropas ucranianas bombardearam a cidade de Tokmak com munições de fragmentação, proibidas por convenções internacionais.

 

Saiba Mais

Petras Malukas/AFP - Jens Stoltenberg (D), secretário-geral da Otan, abraça o ucraniano
Arquivo pessoal - Mykola Volkivskyi, ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia
Arquivo pessoal - Sean McFate, professor da Faculdade de Assuntos de Segurança Internacional da Universidade de Defesa Nacional
Arquivo pessoal - Mary Kate Schneider, diretora de Estudos Globais e cientista política da Loyola University Maryland

Rápidas

Adesão após outubro

O Parlamento turco não poderá ratificar a adesão da Suécia à Otan antes de outubro devido ao recesso de verão do Congresso, afirmou o presidente Recep Tayyip Erdogan (foto). "Há dois meses de recesso parlamentar.Quando os parlamentares voltarem, haverá muitas propostas legislativas que serão discutidas por ordem de importância", explicou olíder turco, ao responder a um jornalista que lhe perguntava se a adesão poderia ser ratificada em outubro. "Mas nossa intenção é acabar com isso o quanto antes", assegurou Erdogan, à margem de uma cúpula da Otan na Lituânia."Quando abrir a sessão do Parlamento, acredito que seu presidente concordará em dar prioridade a esse acordo."

 

 

"Não somos a Amazon"

A declaração do ministro da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace (foto), sobre o pedido de ajuda militar feito pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, causou constrangimento no premiê Rishi Sunak. "Não somos a Amazon", afirmou Wallace, ao revelar que recebeu de Kiev uma lista de solicitações de ordem militar. O ministro cobrou de Zelensky mais demonstrações de gratidão pelo apoio do Ocidente à guerra

contra a Rússia. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Treinamento de pilotos

Autoridades presentes na cúpula em Vilnius confirmaram à emissora BBC que um grupo de 11 países começará a treinar cadetes ucranianos para pilotarem caças F-16. O treinamento deve ocorrer no próximo mês, na Romênia. A Ucrânia tem feito reiterados apelos pelo envio de caças ocidentais, sob o risco de perder a iniciativa no campo de batalha. 

 

 

Advertência russa

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, avisou que a Rússia "terá que responder" ao uso de bombas de fragmentação por parte da Ucrânia. "Naturalmente, a potencial utilização desse tipo de arma é um divisor de águas e certamente forçará a Rússia a tomar medidas específicas como resposta", declarou, segundo a agência de notícias russa Tass. Peskov não detalhou quais seriam essas medidas. Mais cedo, serviço de emergência em Zaporizhzhia informaram que tropas ucranianas bombardearam a cidade de Tokmak com munições de fragmentação, proibidas por convenções internacionais.  

 

Eu acho...

"As garantias de segurança fornecidas pelo G7 e pela Otan refletem as tensões em curso entre a Ucrânia e a Rússia. Ao apoiar medidas para responsabilizar Moscou pela agressão, como o fortalecimento das sanções e o acesso às vias legais, a comunidade internacional sinaliza sua posição contrária às ações da Rússia na Ucrânia. Isso demonstra uma frente unificada contra as atividades desestabilizadoras da Rússia e as tentativas de exercer influência na região."

Mykola Volkivskyi, ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia

 

"A Ucrânia obteve uma vitória durante a cúpula na Lituânia: mais equipamentos, dinheiro e um caminho para a Otan. A esperança de Zelensky de ingressar na aliança militar ocidental em breve nunca foi realista, sob a perspectiva da Otan, pois teria desencadeado a Terceira Guerra Mundial. A Ucrânia está em guerra com a Rússia, e a Otan também teria que entrar no conflito."

Sean McFate, professor da Faculdade de Assuntos de Segurança Internacional da Universidade de Defesa Nacional


"A cúpula da Otan produziu um resultado positivo para a Ucrânia, e ligeiramente menos positivo para Zelensky. Em última análise, a Ucrânia ficará melhor se vencer a guerra e a Rússia deixar de ser um ator beligerante no cenário mundial. A derrota militar garantirá esse resultado. Muitos aliados poderosos da Otan têm afirmado seu apoio militar à Ucrânia."


Mary Kate Schneider, diretora de Estudos Globais e cientista política da Loyola University Maryland