Bispo é libertado e preso 48 horas depois

Em 10 de fevereiro passado, o monsenhor Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa (centro-oeste), preso e condenado pela Justiça da Nicarágua a 26 anos de prisão por "danos à integridade nacional". Quatro meses depois, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) exigiu a "libertação imediata" do religioso. Em recente viagem à Itália, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que conversaria com o homólogo nicaraguense, Daniel Ortega, para pedir a soltura do bispo. "A Igreja está com problemas na Nicarágua, porque tem padre e bispo presos, e a única coisa que a Igreja quer é que a Nicarágua libere o bispo", disse Lula, que teria prometido ao papa Francisco dialogar com Ortega sobre o tema. Ontem, circularam rumores de que Álvarez teria deixado a prisão. O jornal Confidencial, de Manágua, publicou que negociações entre o Vaticano, a Conferência Episcopal da Nicarágua e o regime Ortega fracassaram. Segundo o diário, Álvarez chegou a ser solto, no início desta semana, mas voltou a ser trancafiado na cela de segurança máxima da prisão Modelo, na manhã de ontem. 

A advogada nicaraguense Martha Patricia Molina — autora do estudo Nicarágua: uma Igreja perseguida? —  contou ao Correio que soube, por meio de fontes do sistema judicial, que o bispo está com a saúde debilitada e que o melhor seria retirá-lo do sistema penitenciário. "No entanto, elas temem erguer a voz e pedir a libertação de Álvarez, ante possíveis represálias nefastas da ditadura", comentou. "Na realidade, as autoridades nicaraguenses o sequestraram por sua voz profética e por sempre falar com a verdade e à luz do Evangelho."

Molina denuncia que a prisão e o julgamento do bispo foram marcados por irregularidades. "O monsenhor Álvarez foi sequestrado por agentes da polícia orteguista e levado a um local desconhecido, em violação aos seus direitos. A detenção somente pode ocorrer com mandado judicial, exceto em caso de flagrante delito", afirmou. "Durante os 135 dias de sequestro, ele não foi informado das acusações. Quarenta e oito horas depois da detenção, Álvarez teria que ser colocado em liberdade. O princípio da presunção de inocência jamais foi respeitado. O religioso sempre foi tratado como delinquente. Além disso, o julgamento não foi nem oral, nem público."

O analista político e ex-deputado nicaraguense Enrique Saenz acredita que a prisão de Álvarez é fruto da "vocação totalitária de Ortega". "Ele não admite que nenhuma pessoa, organização ou atitude resistam ao seu afã pelo poder. A população da Nicarágua é religiosa e de maioria católica. Dentro da Igreja, há vozes que têm influência sobre a sociedade, uma palavra viva e vibrante. Ortega decidiu, então, encarcerar o bispo Álvarez, que não quis se submeter à vontade do regime e sair do país."

Freiras

No domingo, o regime de Ortega decidiu não renovar a permissão de residência e os documentos de quatro freiras brasileiras que administravam a casa da Fundação Fraternidade dos Pobres de Jesus Cristo, em León (noroeste). As religiosas foram expulsas da Nicarágua e recebidas pela Igreja Católica de El Salvador. "A polícia sandinista as levou à meia-noite, como se fossem delinquentes. Isso é parte da perseguição contra a Igreja Católica", disse Molina. O Ministério do Interior informou que a ONG, registrada em 2019, foi declarada ilegal por "descumprimento das leis" — o mandato de seu conselho teria expirado em fevereiro de 2021. (RC)