Lisboa — A ambientalista, designer e cenógrafa Lélia Wanick Salgado foi eleita uma das três personalidades inspiradoras do mundo pelo Prêmio Gulbenkian para a Humanidade de 2023. A brasileira foi escolhida por um júri internacional liderado pela ex-chanceler da Alemanha Angela Merkel. Lélia fundou, em 1998, com o marido, o fotógrafo Sebastião Salgado, o Instituto Terra, dedicado à recuperação e à preservação da Mata Atlântica. Os outros dois premiados foram Bandi “Apai Janggut”, líder da comunidade indígena Sungai Utik, na Indonésia, e Cécile Bibiane Ndjebet, ativista e agrônoma, de Camarões. Juntos, receberão 1 milhão de euros (R$ 5,5 milhões).
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Desde a sua criação, o Instituto Terra, que fica na região do Rio Doce, em Aimorés, Minas Gerais, foi responsável pelo plantio de quase 3 milhões de árvores numa área completamente devastada e que, até então, funcionava como uma fazenda. Em colaboração com pequenos agricultores, foram reflorestados mais de 2 mil hectares e recuperadas 1,9 mil nascentes. O resultado foi a volta da biodiversidade, com a identificação de mais de 170 espécies de pássaros, algumas delas ameaçadas de extinção, e de pelo menos 33 espécies de animais, entre elas, a onça parda e a jaguatirica.
Segundo Angela Merkel, os três vencedores são reconhecidos pela liderança e pelo trabalho incansável, ao longo de anos, no restauro e na proteção de ecossistemas vitais para a humanidade, sempre em conjunto com as comunidades locais, contribuindo para um funcionamento saudável do sistema Terra e para mitigar os impactos das alterações climáticas. “Os ecossistemas suportam toda a vida na Terra. A saúde do planeta e de seus habitantes depende deles, e só os ecossistemas saudáveis nos permitirão combater as alterações climáticas”, afirmou.
Para a ex-chanceler, o júri escolheu as três personalidades como forma de reconhecer um trabalho de grande transformação no Sul Global, levado a cabo por comunidades que, apesar de serem as mais afetadas pelas alterações climáticas, foram as que menos contribuíram para as causas. “Acreditamos que os vencedores do Prêmio continuarão a inspirar outros e a desencadear futuras iniciativas climáticas positivas em todo o mundo”, frisou. Em 2022, os Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU) adotaram a Convenção Quadro para a Biodiversidade, enfatizando a urgência de travar a perda de biodiversidade, restaurar os ecossistemas naturais e proteger os direitos das populações indígenas a nível global.
Urgência
Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, António Feijó destacou que o objetivo do prêmio é prestar uma homenagem ao trabalho e à dedicação daqueles que se esforçam para a recuperação de ecossistemas que são cruciais para a mitigação das alterações climáticas. “São um exemplo de liderança excepcional, com impacto significativo, em harmonia com a natureza e as comunidades locais”, assinalou. “É um privilégio para a fundação poder apoiar os esforços na proteção do planeta e da humanidade. As histórias dos premiados vão inspirar muitas outras pessoas”, acrescentou.
A questão climática está no centro das atenções da Europa, que enfrenta o mais rigoroso verão da história, com temperaturas superiores a 46 graus. O continente é o mais afetado pelo aquecimento global, com incêndios e mortes pelo calor cada vez mais frequentes. Os especialistas dizem que a situação só tende a se agravar, pois não há perspectivas a curto prazo de redução da temperatura. Principal fonte de renda para vários países no meio do ano, o turismo já começa a ser afetado.
Dados recentes apontam que a temperatura média do mundo bateu recorde por dias seguidos, ficando acima de 17 graus. Se nada for feito para reverter esse quadro, muitas espécies vegetais e animais tenderão a desaparecer, provocando um enorme desequilíbrio ambiental, com secas devastando plantações e ampliando a fome. Atualmente, segundo a ONU, parte importante das 735 milhões de pessoas que não têm o que comer são vítimas das mudanças climáticas.
Autoridades comprometidas com as questões ambientais têm alertado que nenhum dos acordos assinados nos últimos anos para reduzir a emissão de gazes de efeito estufa vêm sendo cumpridos. A promessa de limitar o aumento da temperatura média em 1,5 grau até 2100 está longe de se realizar, uma vez que os termômetros já estão marcando 4 graus acima dos 13 graus de média observados no ano passado. O caminho, dizem os analistas, é a educação ambiental, ainda longe de se tornar realidade na maioria dos países.
Esta é a quarta edição do Prêmio Gulbenkian para a Humanidade. Em seu lançamento, em 2020, foi concedido à jovem ativista sueca Greta Thunberg. No ano seguinte, o vencedor foi o Pacto das Cidades para o Clima e Energia, a maior aliança global para a liderança climática das cidades. Em 2022, foi dividido entre o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Ciência e Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), duas organizações que produzem conhecimento científico, alertam a sociedade e contribuem para que os governos adotem medidas mais fundamentadas para o combate às alterações climáticas e à perda de biodiversidade.
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