A tensão entre Rússia e Ucrânia ganhou novo patamar, para além das batalhas no front. O governo do presidente russo, Vladimir Putin, anunciou a retirada unilateral do acordo de exportação de grãos ucranianos, em resposta ao ataque à chamada Ponte da Crimeia — que liga o território da Rússia à Península da Crimeia, anexada em Moscou em 2014, por meio do Estreito de Kerch. "O acordo do Mar Negro terminou, de fato, nesta segunda-feira (17/7)", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. "Assim que a parte relativa à Rússia (do acordo) for cumprida, a Rússia retornará imediatamente ao acordo de grãos", acrescentou.
Por sua vez, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, divulgou vídeo nas redes sociais em que anunciou os preparativos para uma conversa com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, sobre a questão da segurança alimentar. "A posição da Ucrânia sempre tem sido e será tão clara quanto possível — ninguém tem o direito de destruir a segurança alimentar de nenhuma nação. Se um bando de pessoas do Kremlin acha que supostamente têm o direito de decidir se a comida estará sobre a mesa para diferentes países — Egito ou Sudão, Iêmen ou Bangladesh, China ou Índia, Turquia ou Indonésia —, então, o mundo tem a oportunidade de mostrar que a chantagem não é permitida para ninguém", disse Zelensky.
Ele acusou a Rússia de destruir a liberdade de navegação nos mares Negro e de Azov e de atingir portos e terminais de grãos ucranianos. "A única possível consequência disso é a desestabilização do mercado de alimentos", advertiu.
Ainda segundo Zelensky, a chamada Iniciativa de Grãos do Mar Negro exportou 33 milhões de toneladas de grãos e produtos agrícolas para 45 países. Sessenta porcento desse volume se destinaram a países da África e da Ásia — especialmente Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Quênia, Etiópia, Somália, Sudão, China, Índia, Bangladesh, Indonésia, Paquistão, Iraque, Líbano, Iêmen. Ao todo, 34 países doadores contribuíram com o projeto de Zelensky. "A Iniciativa de Grãos do Mar Negro pode e deveria continuar a operar — mesmo sem a Rússia", defendeu o ucraniano, ao citar o acordo firmado com a Turquia. Dos alimentos exportados, 51,4% foram milho; 27,1%, trigo; 5,7%, grãos de girassol; 5%, óleo de girassol, e 10% de outros grãos, como cevada, granola e grão de soja.
"A Rússia notificou, oficialmente, as partes turca e ucraniana, assim como o Secretariado da ONU, de sua objeção à extensão do acordo", assinalou a agência TASS, citando a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova. Com a decisão, o acordo sobre a exportação de grãos ucranianos expirou na noite desta segunda-feira (17). O fim do pacto foi recebido com inquietação por vários atores internacionais. A embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, apontou um "ato de crueldade" e disse que Moscou mantém "a humanidade como refém". António Guterres advertiu, por sua vez, que milhões de pessoas vão "pagar o preço" por esta decisão, que, segundo ele, "afetará as pessoas mais pobres em todo o mundo". Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, denunciou a decisão como "cínica".
De acordo com o Comitê Nacional Antiterrorismo da Rússia, dois drones marítimos ucranianos danificaram parte da Ponte da Crimeia, na madrugada desta segunda-feira. O atentado matou pai e mãe, feriu uma criança — filha do casal — e provocou avarias à rodovia. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, responsabilizou a Ucrânia. "O que aconteceu é outro ato terrorista do regime de Kiev. (...) Esse crime é sem sentido, não tem absolutamente nenhuma relevância militar, porque a ponte da Crimeia não tem sido usada para remessas militares há um longo tempo. E é cruel, porque civis inocentes sofreram e foram mortos", afirmou Putin, segundo a agência de notícias estatal russa Tass.
Atentado
Depois do ataque à ponte, Putin pediu um reforço das medidas de segurança no local. Sob a condição de anonimato, uma fonte dos serviços de segurança ucranianos atribuiu o atentado à ponte a uma operação especial da SBU — serviços especiais da Ucrânia — e da Marinha. "Tendo em conta que se trata do segundo ato terrorista na Ponte da Crimeia, espero propostas concretas para melhorar a segurança desta infraestrutura de transporte importante e estratégica", declarou Putin, durante reunião governamental transmitida pela televisão estatal. "É evidente que haverá uma resposta da Rússia. O Ministério da Defesa prepara propostas adequadas", acrescentou.
Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), disse ao Correio que o cancelamento do acordo de exportação de grãos é uma retaliação ao ataque à Ponte da Crimeia. "Putin é maluco e tenta culpar a Ucrânia por isso. Ao mesmo tempo, há uma questão aqui: 'Por que precisamos da Rússia para garantir esse acordo? O presidente turco (Recep Tayyip Erdogan) pode levá-lo adiante. Os navios turcos podem garantir segurança para o escoamento dos grãos", observou."O que Putin poderia fazer? Ele ordenaria aos navios de guerra russos que bombardeassem embarcações turcas? É uma situação muito complicada, e eu não me surpreenderia se Putin recuasse nessa declaração, pois enfrenta um momento de fraqueza."
Zalmayev explicou que o atentado à ponte pode interferir no envio de suprimentos de artilharia russos para as tropas de Moscou. O estudioso admitiu não ver impacto em longo prazo. "A Ponte da Crimeia é um projeto pessoal de Putin. O ataque reforça o espírito de combate dos ucranianos", avaliou.
Ofensiva russa
No campo de batalha, a Rússia prepara aquela que pode ser a mais ofensiva contra a Ucrânia desde o começo da invasão, em 24 de fevereiro de 2022. De acordo com Kiev, mais de 100 mil soldados estão concentrados na região noroeste de Donetsk, no leste do país. Cerca de 900 tanques, 555 sistemas de artilharia e 370 lançadores múltiplos de foguetes estão posicionados na direção de Liman e de Kupiansk, perto da região de Kharkiv.
Por sua vez, a contraofensiva ucraniana iniciada em junho prossegue a passos lentos. A vice-ministra da Defesa, Hanna Maliar, anunciou que as tropas ucranianas recuperaram 18 quilômetros quadrados no leste, perto da cidade de Bakhmut, sob controle russo desde maio. A localidade, que tinha 70 mil habitantes antes da guerra, foi destruída durante a batalha mais longa e violenta desde o início da ofensiva, em fevereiro de 2022. "As pessoas deveriam entender o preço que pagamos por (avançar)", disse à France-Presse um comandante no front. "Há muitos inimigos. Precisamos de tempo para reduzi-los", afirmou Maliar.
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