Lisboa — Num processo claro de retaliação, diante do projeto do governo português de retirar poder das ordens que representam várias categorias profissionais, a Ordem dos Advogados de Portugal decidiu suspender, unilateralmente, o acordo de reciprocidade que vigorava, desde 2008, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A partir de agora, estão proibidas autorizações para que advogados brasileiros possam atuar em território luso. O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, disse que foi pego de surpreso com o muro erguido pela entidade portuguesa, uma ação autoritária e sem qualquer sentido. Existem aproximadamente 3,1 mil advogados brasileiros atuando, legalmente, em Portugal, e pouco mais de 2 mil profissionais portugueses autorizados a trabalhar no Brasil.
Não bastasse a decisão intempestiva, sem qualquer propósito, a Ordem dos Advogados de Portugal foi altamente desrespeitosa na nota em que anunciou o rompimento do acordo com a OAB. Desqualificou os profissionais brasileiros, que não teriam condições de sequer entender a plataforma digital usada pela Justiça lusitana. “É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos advogados(as) brasileiros(as)”, que não têm a “necessária formação acadêmica e profissional no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro”.
O presidente da OAB reagiu aos absurdos. “A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações”, afirmou, em nota. Ele ressaltou que, há meses, as duas Ordens vinham negociando novas premissas para o acordo de reciprocidade, mas a entidade portuguesa insistia em impor cláusulas inaceitáveis. Uma delas, previa que todos os advogados brasileiros já registrados em Portugal teriam de passar por um processo de formação, para, então, terem as inscrições validadas. Seria um ato retroativo. Isso foi considerado inaceitável por Simonetti, em diálogo constante com a presidente da Ordem portuguesa, Fernanda de Almeida Pinheiro.
“Estava em curso um processo de diálogo iniciado havia vários meses com o objetivo de aperfeiçoar o convênio, uma vez que a realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países evoluiu desde a assinatura do acordo. A OAB, durante toda a negociação, se opôs a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros”, assinalou o presidente da representação brasileira. Ele prometeu tomar todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa está se retirando.
Busca por diálogo
Simonetti ressaltou, porém, que, mesmo com a decisão unilateral da Ordem portuguesa, buscará a retomada do diálogo, pois compreende que a entidade enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais. As autoridades de Portugal entendem que todas a Ordens adquiriram poderes muito acima do normal para dar as cartas em relação ao mercado de trabalho para proteger seus integrantes. O maior alvo do governo é a Ordem dos Médicos, que tem colocado uma série de obstáculos para impedir a entrada de profissionais estrangeiros em Portugal, apesar da enorme carência de mão de obra na área de saúde, a ponto de emergências de hospitais estarem sendo obrigadas a suspender atendimentos.
A retaliação aos advogados brasileiros começou em março deste ano, em Lisboa, quando esses profissionais foram proibidos de auxiliar seus clientes junto à Ordem portuguesa. As restrições se estenderam para o Porto e ser tornaram rotina. Para os profissionais brasileiros, há xenofobia e racismo na posição dos dirigentes da Ordem em relação aos estrangeiros, além de medo do crescimento no número de advogados a atuar em Portugal, prerrogativa que lhes permite atuar, também, nos 27 países-membros da União Europeia. Essa internacionalização da carreira é um dos principais motivos da migração de advogados brasileiros para território luso.
A Ordem dos Advogados de Portugal abriu uma exceção. Todos os profissionais brasileiros que já tinham pedido de registro para atuar no país europeu terão os processos analisados, mas não há garantias de aprovação. A OAB espera que essas pessoas não sejam punidas pelo simples fato de serem brasileiras. A Ordem portuguesa disse que, com sua decisão unilateral, está protegendo os cidadãos de Brasil e Portugal, uma vez que têm recebido denúncias de péssimos serviços prestados por profissionais formados em universidades do outro lado do Atlântico.
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