A onda de distúrbios que varre a França — a mais grave em 18 anos — se instalou no Palácio do Eliseu a ponto de alterar a agenda do presidente Emmanuel Macron e gerou um clima de forte apreensão em todo o país. A violência teve início após o assassinato do jovem Nahel, 17 anos, morto com um tiro à queima-roupa por um agente durante um blitz em Nanterre, subúrbio de Paris. O corpo do rapaz foi enterrado ontem, após uma madrugada de protestos e saques, que terminou com 1.311 detenções.
Ontem, novas manifestações ocorreram, sobretudo em Marselha, a segunda maior cidade do país. Diante da gravidade da situação, Macron adiou a visita de dois dias que faria a partir de hoje à Alemanha.
O governo organizou uma nova reunião de crise e a premiê Elisabeth Borne pediu aos ministros que permanecessem em Paris durante o fim de semana. Um efetivo de 45 mil agentes antidistúrbios foi mobilizado para conter os manifestantes, a maioria adolescentes. Macron, ainda na sexta-feira, chegou a pedir que os pais mantivessem seus filhos em casa.
A rotina dos franceses sofreu um forte revés. Os distúrbios afetaram a vida social, enquanto comerciantes contabilizam os prejuízos causados pela destruição de lojas e saques. "Na segunda-feira, coloco tudo à venda, já chega", desabafou a proprietária de uma loja em uma rua de pedestres cheia de destroços no centro de Lyon.
A marca de moda Céline cancelou seu desfile de moda masculina programado para hoje. Ao anunciar a decisão, o diretor criativo da grife, Hedi Slimane, citou "a evolução incerta desses graves distúrbios", além da "inadequação" de realizar um desfile de moda em um momento em que a França e sua capital estão de luto e desoladas.
Há o receio de que os distúrbios prejudiquem a temporada turística, a apenas um ano dos Jogos Olímpicos de Paris-2024. Reino Unido, Alemanha, Noruega, entre outros países, alertaram seus cidadãos na França para evitarem áreas de tumulto e tomarem precauções extras.
As autoridades impuseram toques de recolher em pelo menos três localidades da região metropolitana de Paris e em várias outras cidades do país. Além de Marselha, as manifestações têm ocorrido com mais violência em Lyon, terceira maior cidade francesa, e em Grenoble.
Segundo o Ministério do Interior, entre sexta-feira e sábado foram registrados 50 ataques a delegacias e uma dezena a quartéis da Gendarmeria — 79 policiais e gendarmes ficaram feridos. Os incidentes resultaram em 1.350 veículos incendiados ou danificados e 1.234 edifícios incendiados, de acordo com o balanço oficial.
Funeral
O funeral de Nahel foi realizado em Nanterre, município ao noroeste de Paris onde ele residia, sem presença de câmeras a pedido da família. Centenas de pessoas se reuniram em frente à funerária em uma mesquita e depois seguiram para o cemitério de Mont-Valérien para o enterro. "Foi uma cerimônia muito tranquila, recolhida e sem incidentes", disse uma testemunha à agência de notícias France Presse.
Nahel, de origem argelina, foi baleado durante uma abordagem policial quando dirigia um carro alugado em Nanterre, na última terça-feira. O incidente reabriu o debate sobre o racismo policial no país. No ano passado, 13 pessoas morreram em circunstâncias semelhantes.
A versão inicial da polícia indicava que o jovem, que já havia se envolvido com agentes em casos semelhantes, havia tentado atropelar os policiais com seu veículo. No entanto, um vídeo amador amplamente divulgado mostrou que ele foi executado à queima-roupa.
Em entrevista à emissora France 5, Mounia, mãe de Nahel, disse que não culpava a polícia como um todo pelo crime, apenas o agente que matou seu único filho. O policial de 38 anos, cujo nome não foi divulgado, teve prisão preventiva decretada por homicídio doloso. Ele pediu desculpas à família do jovem.
A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu às autoridades francesas que lidem seriamente com os "profundos" problemas de "racismo e discriminação racial" em suas forças de segurança. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores da França afirmou que essas considerações eram "totalmente infundadas".
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