Após dois dias em silêncio, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez um pronunciamento em rede nacional na noite de ontem — ainda tarde em Brasília — em que procurou passar ao país uma imagem de força e de controle da situação. Nos cinco minutos de discurso, o líder russo afirmou ter comandado a negociação para conter a rebelião do grupo paramilitar Wagner e assegurou que os líderes do motim serão julgados, poupando os que não aderiram ao movimento. Putin ofereceu aos mercenários três alternativas: ir para Belarus, que mediou o fim da revolta, retornar para casa ou lutar pela Rússia.
"Desde o início dos eventos, foram tomadas medidas seguindo as minhas instruções diretas para evitar um grande derramamento de sangue", disse o presidente russo, afirmando que o Ocidente e a Ucrânia desejavam "um resultado fratricida". Ele assegurou que os revoltosos seriam reprimidos de qualquer forma e não chegariam à capital russa.
No discurso, Putin não fez qualquer menção nominal a Yevgeny Prigozhin, o líder do grupo Wagner, que conduziu seus homens da Ucrânia, onde lutavam contra as forças de Volodymyr Zelensky, rumo a Moscou. "Temos que pensar nas pessoas que decidiram tomar essa ação, que teria consequências trágicas para o país", frisou.
Horas antes da fala de Putin, Prigozhin divulgou uma longa mensagem de áudio negando que tivesse a intenção de tomar o poder na Rússia. A rebelião de Prigozhin, um oligarca e então aliado de Putin, durou menos de 24 horas e terminou no sábado. Ele justificou ter iniciado o motim porque queria salvar sua organização e colocar em evidência os "graves problemas de segurança" no país.
"O objetivo da marcha era não permitir a destruição do Grupo Wagner e responsabilizar aqueles que, com suas ações pouco profissionais, cometeram um número considerável de erros durante a operação militar especial na Ucrânia", disse Prigozhin, sem revelar seu paradeiro. Conforme o acordo mediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, ele deveria se exiliar em Belarus.
Há meses, o líder do Wagner acusa o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior russo, Valery Gerasimov, de incompetência e de terem enviado dezenas de milhares de soldados para uma morte certa. Segundo ele, o ministério tentou desmantelar a milícia para absorvê-la dentro do Exército e depois bombardeou um de seus acampamentos, matando 30 pessoas, uma acusação que o exército russo nega.
Traição
Putin voltou a acusar o chefe do Grupo Wagner, desta vez sem nominá-lo, de ter "traído o seu país e seu povo", ao mesmo tempo em que mentia para seus homens. "Os organizadores dessa rebelião não podem deixar de entender que serão levados à Justiça", asseverou. Prigozhin encerrou sua rebelião no sábado em troca da promessa de imunidade.
Àqueles que resistiram ao comando do líder mercenário, Putin fez um agradecimento. "A solidariedade cívica mostrou que qualquer tentativa de chantagem para criar agitação interna está fadada ao fracasso", observou. E deu a eles garantia de segurança. "Eles têm a opção de continuar servindo à Rússia com um contrato junto ao Ministério da Defesa ou outros órgãos encarregados da aplicação da lei, ou retornar para suas famílias e entes queridos (...) Quem quiser pode ir para Belarus", disse.
Depois do pronunciamento, o presidente russo reuniu seu gabinete de segurança. Segundo o Kremlin, entre os participantes estavam o procurador-geral, Igor Krasnov; o ministro do Interior, Vladimir Kolokoltsev; o ministro da Defesa, Sergei Shoigu; o diretor do FSB (serviço federal de segurança), Alexander Bortnikov, e o chefe da Guarda Nacional, Viktor Zolotov, entre outros.
Ao longo de todo o dia de ontem, autoridades russas procuraram projetar um clima de normalidade no país. Ainda pela manhã, Putin surgiu pela primeira vez após o fim da revolta armada num vídeo em que se dirigia a um fórum dedicado à juventude e à indústria, sem mencionar a crise. De acordo com o Kremlin, ele recebeu o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, e o emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad Al-Thani, que demonstraram apoio a Moscou.
O ministro da Defesa, que sumiu durante a revolta, reapareceu, também em um vídeo, inspecionando tropas na Ucrânia. Além disso, as autoridades anunciaram o fim do "regime de operações antiterroristas" na região de Moscou e de Voronezh, ao sul da capital, um sinal de retorno à rotina após o maior desafio enfrentado por Putin desde sua chegada ao poder, em 1999.