O paradeiro de Yevgeny Prigozhin, líder dos mercenários do Grupo Wagner e responsável pelo motim que assustou a Rússia, seguia desconhecido até a noite deste domingo (25/6). Tão incerto quanto o cumprimento do acordo mediado por Belarus e o futuro do presidente russo, Vladimir Putin. Os Estados Unidos avaliaram que o levante e a "Marcha pela Justiça" — o avanço dos combatentes de Prigozhin rumo a Moscou — expuseram "rachaduras" na "fachada russa". "Foi um desafio direto à autoridade de Putin. Isso levanta profundas questões, mostra rachaduras reais. Não podemos especular ou saber exatamente para onde elas irão", disse à rede de tevê CBS o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.
Em entrevista à CNN, ele também admitiu que "o que temos visto é extraordinário". "Você vê rachaduras surgindo que não existiam antes. Primeiro, ao ter Prigozhin se levantando e questionando as próprias premissas da agressão russa contra a Ucrânia; é um desafio direto ao próprio Putin", reiterou. A Comissão Europeia considerou "uma notícia muito preocupante para o Kremlin" o fato de ter perdido controle da situação e admitiu esperar consequências "a médio e longo prazos".
Pelo pacto firmado no último sábado (24), Prigozhin devolveria seus homens aos acampamentos do Grupo Wagner e abandonaria a Rússia, exilando-se em Belarus. As autoridades da região de Voronezh, na fronteira com a Ucrânia, confirmaram que os paramilitares partiram. Na madrugada deste domingo, o próprio Prigozhin foi filmado saindo de Rostov-On-Don, a quase 1 mil quilômetros de Moscou. No entanto, seus mercenários conseguiram avançar até um ponto a 200km da capital, antes do anúncio do acordo. O pacto retira todas as acusações de incitação à revolta armada e anistia os paramilitares.
Neste domingo, tanto Putin quanto o fundador do Grupo Wagner permaneceram em silêncio. No início deste mês, os serviços de inteligência dos EUA haviam detectado sinais do motim planejado por Priozhin. Blinken prevê "divisões internas entre Putin e outros russos para determinar o quanto ele mantém de controle interno e sobre a guerra na Ucrânia."
Reputação
Especialistas consultados pelo Correio veem o poder de Putin questionado. Professor de ciência política da Syracuse University (no estado de Nova York) e especialista em segurança e elites russas, Brian D. Taylor analisa que a reputação de Putin como um líder forte, e firmemente no controle da política interna, ficará danificada, tanto doméstica quanto externamente. Ele cita o fato de um exército privado de mercenários ter sido capaz de assumir o controle de um quartel-general dos militares russos em uma cidade de mais de 1 milhão de habitantes (Rostov-On-Don) e, depois, se dirigir quase o dia todo rumo a Moscou e encontrar "pouquíssima resistência". "Foi um fracasso do Estado russo, dos serviços de segurança, mas, acima de tudo, de seu presidente."
Segundo Taylor, membros da elite de Moscou concluíram que o chefe de Kremlin foi passivo demais ao permitir que a ameaça feita por Prigozhin atingisse tal nível. "Também considero muito notável o fato de que muitos oficiais de alta patente permaneceram em silêncio durante a crise e pareciam incertos sobre uma resposta. São os casos de Serguei Choigu, ministro da Defesa; de Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior; e de Mikhail Mishustin, primeiro-ministro", afirmou. O norte-americano acrescentou que o Exército russo parece não ter recebido ordens claras de como reagir. "Agora, sabemos que oficiais negociavam com Prigozhin nos bastidores, e o fizeram para deter o motim. O Estado pareceu fraco, mas teria sido pior para Putin se uma batalha sangrenta ocorresse nos arredores de Moscou", ponderou Taylor.
"Se levarmos em conta que o poder de Putin depende muito mais das elites e não do prestígio popular — e ele certamente não é um homem do povo —, o dano à sua estatura é significativo", avaliou o analista político sérvio Aleksandar Djokic, ex-professor da Universidade Russa da Amizade dos Povos, em Moscou. Ele explicou que o poder de Putin reside na sua capacidade de equilibrar várias partes das elites. "A traição pessoal de Prigozhin contra Putin, causada pelo conflito com a liderança militar, envia um claro sinal às elites de que Putin não consegue manter mais esse balanço. As elites, agora, estão motivadas a criar novas alianças entre si, para protegerem seu futuro depois de Putin."
Para Djokic, o motim liderado por Prigozhin e as chantagens contra Putin danificaram a reputação do presidente russo, não apenas internamente, mas também na Ásia Central, no Sul do Cáucaso e na China. Ex-repúblicas soviéticas chegaram a fechar as fronteiras. "Putin será tratado com menos respeito no futuro, e os acordos políticos que ele fizer terão um custo mais alto. No âmbito da Rússia, as elites de segurança, conhecidas como 'os falcões', estão muito irritadas com a fraqueza exibida pelo Estado. As elites liberais, 'as pombas', estão extremamente assustadas com a Rússia à beira do caos", advertiu.
"Não é pouca coisa"
O sérvio sustenta que a rebelião de Prigozhin é similar à Revolução de Fevereiro de 1917, quando as forças de segurança se recusaram a esmagar uma revolta em São Petersburgo. "Vimos apenas partes da Força Aérea lutarem contra o Grupo Wagner. Outras se renderam ou saíram do caminho. Isso ocorreu no trecho entre Rostov-On-Don e Lipetsk. Prigozhin tinha uma chance de marchar até Moscou, mas isso colocaria a sua vida em risco, em uma sangrenta guerra civil. Em vez disso, firmou um acordo para manter a riqueza e a liberdade. Ele é o homem que fez Putin recuar. Não é pouca coisa", acrescentou Djokic.
Apesar de não concordar que o establishment russo apresentaria fraturas, o russo Alexander Gabuev — diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim — explicou que Putin usou Prigozhin como uma ferramenta viável, ao injetar recursos no Grupo Wagner. "Ele criou um monstro que se rebelou. Prigozhin tornou-se indispensável porque o Exército russo foi ineficiente na Ucrânia. Há elementos embaraçosos, como o fato de o Wagner ter se apossado do QG em Rostov-On-Don e derrubado helicópteros", comentou. Ele reconhece que a crise desmistifica a alcunha de invencível do chefe do Kremlin. "A comunidade internacional o verá como um fraco, o que dará influência a parceiros de Moscou, como os presidentes Xi Jinping (China) e Aleksandr Lukashenko (Belarus)."