Lisboa — Jovens brasileiros entre 14 e 17 anos, que apostaram em Portugal para se tornarem jogadores de futebol profissionais, foram encaminhados a instituições sociais depois de serem libertados de um esquema de tráfico humano. Todos estão sob proteção do Estado português. As famílias dos meninos pagavam entre 500 euros (R$ 2.750) e 1.800 euros (R$ 9,9 mil) à Academia de Futebol Bsports, cujo dono, Mário Costa, é presidente da Assembleia-Geral da Liga Portugal. Indiciado pelo Ministério Público, ele vai responder por crime de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documentos e tráfico de seres humanos.
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No total, 85 candidatos a jogadores profissionais foram resgatados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sendo que 36 deles são menores de idade, oriundos de países como Brasil, da Colômbia, da Guiné-Bissau e de Cabo Verde — outros nove jovens adultos estavam nas mesmas condições. A libertação dos atletas ocorreu na segunda-feira (12/06), numa operação com 52 policiais cercada por sigilo, por envolver pessoas públicas.
Em nota, o SEF informou que todo o processo corre em segredo de Justiça, mas se sabe que há provas contundentes contra o grupo responsável por aliciar os rapazes. As investigações vêm sendo realizadas há mais de um ano e apontam que algumas famílias chegaram a pagar 20 mil euros (R$ 110 mil) para ter os filhos admitidos pela Academia e contratados por times portugueses. Eles entravam no país com autorizações provisórias de residência para prestarem provas na Bsports. Segundo agentes do SEF que participaram do regaste, os atletas eram submetidos a condições degradantes.
Detalhes do esquema
Os jovens estavam alojados na Academia Bsports, em Riba d’Ave, Vila Nova de Famalicão. Era comum que dezenas de rapazes fossem colocados em uma única sala, com apenas um banheiro. Vários menores sequer frequentavam as escolas — alguns assistam a aulas on-line. Toda a movimentação deles era controlada e os passaportes ficavam de posse da quadrilha, dificultando a saída do país. Apesar das evidentes restrições e das péssimas condições de moradia, os jogadores preferiam se apegar às promessas de que, um dia, seriam famosos.
O esquema era tão bem montado, que, quando os atletas não eram contratados por times de maior relevância, eram fechados contratos fictícios entre a Bsports e clubes de séries intermediárias para garantir a documentação de permanência dos atletas em Portugal. Foram identificados pelo menos dois homens que eram encarregados de convencer os pais a autorizarem a transferência dos rapazes para Portugal. Ao longo do tempo, as próprias famílias acabavam enfrentando restrições para contactar os atletas.
Em nota oficial, Mário Costa disse que não cometeu nenhum ilícito criminal, e que tudo será esclarecido ao longo das investigações. Também em nota, a Liga Portugal informou que, surpreendida pelas notícias que envolvem o presidente da mesa da Assembleia-Geral da instituição, está acompanhando “a evolução das diligências, aguardando por mais dados, respeitando sempre o princípio da presunção de inocência e defendendo, também, de forma intransigente, os princípios de ética e transparência para uma avaliação mais concreta da situação”. A Liga deve decidir, ainda nesta quarta-feira (14/06), em reunião extraordinária, sobre a demissão de Mário Costa, cuja casa e a empresa foram alvos de busca e apreensão.