LITERATURA

Livro revela guerra paralela da informação no conflito entre Ucrânia e Rússia

Jornalista brasileiro, que foi correspondente do Correio na antiga União Soviética, reúne artigos em livro no qual disseca os rumos do conflito que abalou a Europa e o mundo

Lisboa — A visão privilegiada do jornalista Luiz Recena Grassi, que foi correspondente na antiga União Soviética, permite uma leitura muito diferenciada da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que se arrasta por mais de um ano. Todo seu conhecimento tem sido compartilhado por meio de artigos semanais publicados no Blog do Vicente, do Correio Braziliense. O retorno foi tão grande, que o jornalista decidiu aglutinar todos os textos em um livro — Rússia condenada, a primeira guerra mundial com alta tecnologia —, que acaba de ser lançado pela editora independente Irmãos Recena.

Quando decidiu escrever os artigos, Recena optou por uma posição desengajada do apoio incondicional à Rússia ou à Ucrânia e crítica do desinteresse pela paz. Ele ressalta que é preciso entender o contexto histórico que está na base do conflito, o primeiro nas franjas da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não só.

“A guerra atual está contaminada pelo uso da tecnologia e pela disseminação de notícias falsas por parte dos dois lados”, explica. “Desde o início do conflito existe uma guerra paralela de informação que, muitas vezes, não encaixa com a realidade mostrada pelas próprias notícias”, complementa. Isso, no entender dele, só aumenta a responsabilidade de todos os governos na busca por uma saída que ponha fim aos ataques e poupe vidas. Há civis morrendo todos os dias.

Desde que a Rússia fez os primeiros ataques à Ucrânia, o mundo sofreu consequências pesadas. Passou a conviver com a escassez de alimentos, o que empurrou os preços para cima, levando a Europa a registrar a maior inflação em pelo menos três décadas, movimento que se espalhou para o planeta. Para piorar, dependentes da Rússia na questão energética, os países europeus entraram em situação de emergência.

As faturas acardas pelas famílias ficaram tão caras, que milhares de lares caíram na pobreza, exigindo consecutivos socorros por parte dos Estados. A guerra só beneficiou um lado, o dos fabricantes de armas, como sempre.

Material cedido ao Correio - Além do Brasil, Luiz Recena Grassi atuou no México e na extinta União Soviética — nessa, trabalhou na agência de notícias TASS e escreveu sobre a Perestroika e a queda do regime para jornais brasileiros e de Portugal, além fazer boletins para rádios do Brasil e da Alemanha. Em Paris, foi correspondente do Correio. Atualmente, colabora com o blog do Vicente

O jornalista não vê solução rápida para a guerra, muito pelo contrário. Nas últimas semanas, a tensão aumentou, especialmente depois que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), grupo para o qual a Ucrânia quer entrar, decidiu fazer a maior manobra bélica desde a sua criação na Europa. O pedido de adesão à Otan feito pelo presidente ucraniano, Volodimyr Zelensky, é apontado por muitos como o estopim para a invasão russa ao país vizinho. Até agora, a organização, vista como inimiga pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem recusado as requisições feitas pela Ucrânia.

Os artigos trazem, ainda, histórias saborosas vividas por Recena quando correspondente na União Soviética. Uma delas, sobre a chegada de ícones do capitalismo em solo russo após a dissolução da poderosa organização de países que se contrapunha aos Estados Unidos, alimentando a Guerra Fria.

“O Big Mac apareceu, filas dobravam as esquinas de Moscou e o tempo médio de espera passava de 45 minutos. À frente, um grupo de ex-combatentes. Perguntei o que faziam ali, pois eram veteranos bolcheviques. Eles responderam que só queriam provar o melhor do inimigo”, relembra.

O jornalista destaca que não é fácil escrever crônicas jornalísticas e, nas guerras, são ainda mais difíceis. “Neste caso, é quase impossível fazê-las bem feitas”, frisa. Ele reforça que, longe do campo de batalha, procurou fazer um trabalho de observação de notícias e análises nem sempre imparciais sobre o conflito, para tentar mostrar um caminho diferente.

“A mídia ocidental já tinha escolhido um lado. Não que eu concorde com a invasão e o conflito armado, mas muito pouco se falou sobre como se chegou a isso”, destaca. “Neste tempo, tentei diferenciar a abordagem com o conhecimento que tenho da alma russa, adquirido durante os quatro anos que lá morei no tempo da Perestroika, com a ajuda de amigos e das memórias ainda vivas do período”, emenda.

Recena, que mora há quase quatro anos em Portugal, é gaúcho, formado na primeira turma de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A paixão pelas notícias e pelas palavras o fizeram se aventurar pelo mundo. Sua primeira experiência como jornalista, antes mesmo de sua formatura, foi na Razão de Santa Maria. Após obter o diploma, aportou em Brasília, onde trabalhou na Gazeta Mercantil, no Globo, na TV Globo, no Jornal de Brasília, no Correio Brasiliense, na Radiobras e na EBC.

Sua atuação, contudo, não se limitou ao Brasil. No México, deu aulas de redação em uma faculdade. Na extinta União Soviética, trabalhou na agência de notícias TASS e escreveu sobre a Perestroika e a queda do regime para jornais brasileiros e de Portugal, além fazer boletins para rádios do Brasil e da Alemanha. Em Paris, foi correspondente do Correio. Atualmente, colabora com o blog do Vicente.

Ficha técnica
Rússia Condenada, a primeira guerra mundial com alta tecnologia
Autor: Luiz Recena Grassi
Capa/ilustrações: Pedro Koshino
Editora independente: Irmãos Recena
Edição: Brasília-DF
Ano: 2023
116 páginas

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