As evidências dos 37 crimes federais cometidos por Donald Trump — 31 deles em violação à Lei de Espionagem — estão nas fotos distribuídas por cinco das 49 páginas da ata de acusação. São dezenas de caixas de documentos sigilosos retiradas da Casa Branca e armazenadas no banheiro (inclusive no chuveiro), no palco do salão de baile, em um dos 58 quartos, no depósito e no escritório da mansão de Mar-a-Lago, um resort privativo de Donald Trump na Flórida. Entre os dossiês levados pelo ex-presidente, estão segredos nucleares dos Estados Unidos.
"Os documentos classificados que Trump armazenou (...) incluíam dados sobre as capacidades de defesa e de armas dos EUA e de outros países; o programa nuclear dos EUA; as vulnerabilidades a um ataque militar; e planos para uma possível retaliação a um ataque estrangeiro", afirma a ata assinada por Jack Smith, procurador especial responsável pela investigação.
Se for considerado culpado pelas 31 acusações ligadas à retenção de informação de defesa nacional, Trump poderá ser condenado, em tese, a 310 anos de prisão — dez anos por crime. Outra acusação diz respeito à conspiração para obstrução da Justiça, com pena de cinco anos. Três acusações são pela retenção e a ocultação de documentos alvos de investigação federal — cada uma passível de cinco anos de cadeia. Duas envolvem falso testemunho, com pena de cinco anos, cada. Somados, os crimes são puníveis com 340 anos de detenção. Para a promotoria, Trump e seu assistente pessoal, Walt Nauta, também processado, cometeram perjúrio e cumplicidade, ao ocultarem documentos solicitados pelo FBI, a polícia federal norte-americana.
Em suas primeiras declarações, o ex-presidente chamou Smith de "transtornado" e "odiador de Trump". Na quinta-feira, ao anunciar que tinha sido acusado pela Corte Federal no caso dos documentos, o magnata denunciou uma manobra do Partido Democrata e clamou: "Sou inocente". Candidato às primárias republicanas, Trump aparece como o favorito nas pesquisas para encabeçar a chapa do partido na disputa pela Casa Branca, em 2024. Os problemas legais não o impedem de tentar um retorno ao poder.
Smith fez um pronunciamento de 2 minutos e 30 segundos e destacou a gravidade dos crimes. "Homens e mulheres da comunidade de inteligência e das Forças Armadas dos EUA dedicam suas vidas para proteger a nossa nação e seu povo. Nossas leis de proteção às informações de defesa nacional são críticas para a segurança dos Estados Unidos e devem ser reforçadas. As violações dessas leis colocam o nosso país em perigo", declarou. Ele sublinhou que o conjunto de leis "se aplica a todos os cidadãos". "Meu escritório buscará um julgamento rápido."
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"Plano de ataque"
De acordo com a acusação, "a divulgação não autorizada desses documentos classificados pode colocar em risco a segurança nacional, as relações externas, a segurança do Exército dos EUA, as fontes humanas e a viabilidade contínua de métodos de coleta de informações confidenciais". Em duas ocasiões, em 2021, Trump teria mostrado os documentos a outras pessoas, revelou a ata. Durante reunião gravada com um escritor, um editor e dois membros de sua equipe, o magnata exibiu e descreveu um "plano de ataque" que teria sido preparado contra ele pelo Pentágono. Trump disse aos indivíduos que o plano era "altamente confidencial". "Como presidente, eu poderia tê-lo revelado. Agora, eu não posso, vocês sabem, mas ainda é um segredo", acrescentou.
Congressistas democratas defenderam o andamento do processo legal. "Esta acusação deve agora ser executada por meio do processo legal, sem qualquer interferência externa política ou ideológica", afirmaram Chuck Schumer, líder da maioria no Senado, e Hakeem Jeffries, líder da minoria na Câmara dos Representantes, por meio de nota conjunta.
Manisha Sinha, historiadora da Universidade de Connecticut, admitiu ao Correio que as acusações contra Donald Trump são "muito sérias". "Elas podem ser qualificadas como crimes graves e contravenções. Trump estava em posse de documentos capazes de comprometer a segurança nacional." A estudiosa lembrou que ninguém está acima do Estado de direito em uma república. "Para a democracia sobreviver, devemos responsabilizar até mesmo um ex-presidente por ações criminosas. Ele será julgado por um júri formado por seus pares em um estado republicano."
Para Roland Riopelle, ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, os detalhes da acusação são "bastante incriminatórios". "Parece que alguns dos próprios advogados o denunciaram. Várias pessoas foram para a cadeia por muito menos", afirmou à reportagem. "Se a sentença for consistente com as anteriores, Trump ficará vários anos preso."
Mitchell Epner — ex-procurador federal para o Distrito de Nova Jersey — assegurou ao Correio que Trump "enfrenta a possibilidade real de condenação por crimes que o manteriam na cadeia pelo resto da vida". Ele considera o caso dos documentos secretos como "muito mais sério" do que o suborno supostamente pago à ex-atriz pornô Stormy Daniels para ocultar um relacionamento extraconjugal. "Os dossiês lidam com os segredos militares mais bem guardados dos Estados Unidos."