Dois dias depois de intensos confrontos no norte do Kosovo, país dos Bálcãs que conquistou a independência há 15 anos, manifestantes sérvios cercaram a Prefeitura de Zvecan e obrigaram os soldados de manutenção da paz da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a reforçarem as medidas de segurança. O prédio foi cercado com uma barreira de metal e com arame farpado. Na segunda-feira, confrontos deixaram 80 feridos. Segundo a agência de notícias France-Presse, os sérvios desfraldaram uma bandeira com mais de 200m de comprimento e carregavam uma faixa em homenagem ao tenista sérvio Novak Djokovic — depois da primeira partida no torneio de Roland Garros, na França, o artista escreveu em uma câmera: "Kosovo está no coração da Sérvia".
Em entrevista ao Correio, Jasmin Mujanovic — cientista político nascido em Sarajevo (Bósnia e Herzegovínia) e conselheiro do think tank Iniciativa Kulin (em Los Angeles) — explicou que a causa imediata da violência recente no Kosovo está enraizada nas recentes eleições municipais. "O pleito foi boicotado pelos partidos de sérvios étnicos, no norte do país, região diretamente controlada por Belgrado. Como resultado desse boicote, o comparecimento às urnas foi extremamente baixo, menor do que 5%. Depois disso, os candidatos albaneses ganharam a maioria de votos dos municípios de Zvecan, Zubin, Leposavic e Potok, que têm maioria sérvia", afirmou.
De acordo com Mujanovic, o governo do Kosovo escoltou os novos prefeitos albaneses eleitos até os prédios das administrações municipais, o que desencadeou violentos confrontos entre os militantes nacionalistas sérvios e os grupos paramilitares controlados por Belgrado. Na ocasião, os sérvios tentaram invadir a Prefeitura de Zvecan, e a polícia do Kosovo disparou bombas de gás lacrimogêneo. A Sérvia relatou que 52 pessoas ficaram feridas, três em "estado grave".
O especialista afirmou que as forças terrestres estão sob o mandato da Otan. "(O secretário-geral) Jens Stoltenberg anunciou o envio de mais 700 soldados nas próximas semanas. Pelo menos 3,8 mil militares estão na região. A prioridade inicial é conter a onda de violência. Hoje (quarta-feira, 31/5 ), vimos alguns incidentes menores. Viaturas da polícia foram atingidas por pedras. Mas, espera-se um grande protesto para esta quinta-feira", disse Mujanovic.
Independência
Sob o respaldo da Rússia e da China, a Sérvia jamais reconheceu a independência do Kosovo, proclamada em 17 de fevereiro de 2008. A ex-província sérvia decidiu se desvincular de Belgrado depois de uma guerra que começou em março de 1999 e terminou com uma campanha de 78 dias de bombardeios da Otan, liderada pelos Estados Unidos. Pelo menos 120 mil sérvios vivem no Kosovo — cerca de 6,6% da população, cuja maioria é de albaneses.
Mujanovic acusou uma estratégia fracassada das potências ocidentais em relação ao Kosovo (leia o Eu acho...). A Otan considerou o envio de forças adicionais ao país dos Bálcãs como "uma medida prudente para assegurar que a KFOR (missão da aliança ocidental no Kosovo) tenha as capacidades necessárias para atender aos compromissos com o Conselho de Segurança da ONU", segundo o almirante Stuart Munsch, do Comando Aliado das Forças Conjuntas, em Nápoles (Itália). A União Europeia (UE) exortou a sérvios e grupos paramilitares a redução imediata e incondicional das tensões. Os Estados Unidos, por sua vez, criticaram a condução da crise por parte do premiê kosovar, Albin Kurti, e descartaram participar de exercícios militares conjuntos.
O presidente francês, Emmanuel Macron, culpou o Kosovo pela deflagração da violência. "Há uma responsabilidade das autoridades kosovares e uma violação de um acordo que, no entanto, era importante e que havia sido estabelecido há apenas algumas semanas", declarou. Kurti reagiu ao solicitar um "diálogo mais intenso". "Não precisamos de reuniões de alto nível a cada dois meses."