Ele se apresentou assim ao Correio: "Meu nome é Rufo Chacón, sou vítima dos direitos humanos na Venezuela". "Em 1º de julho de 2019, durante protesto pacífico pelo abastecimento de gás, fui agredido por oficiais da polícia de Táchira. Eles dispararam à queima-roupa em meu rosto e eu perdi os dois olhos; fiquei com 64 estilhaços, quase morri. Ainda tenho 45 estilhaços na cara", comentou o estudante de 20 anos, que mora em San Cristóbal, próximo à fronteira com a Colômbia. Chacón se disse satisfeito com a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de investigar os crimes de lesa humanidade no país. A Corte de Haia, com sede na Holanda, autorizou o procurador Karim Khan a retomar a investigação, por considerar insuficientes as medidas tomadas pelo regime de Nicolás Maduro.
"Embora a Venezuela esteja realizando algumas investigações, seus processos penais nacionais não refletem suficientemente o alcance da investigação prevista pela Promotoria", declarou o TPI por meio de um comunicado. "Quanto aos fatores que o tribunal considerou determinantes para sua conclusão, descobriu que a Venezuela não parece estar investigando as alegações factuais que estão por trás dos elementos contextuais dos crimes contra a humanidade", acrescenta a nota. "A Venezuela parece ter tomado medidas de investigação limitadas e que em muitos casos parece haver períodos inexplicáveis de inatividade investigativa."
Chacón ressaltou que há muita corrupção no sistema judicial da Venezuela. "No meu caso, por exemplo, houve uma sentença com vício. Os oficiais jamais cumprirão pena por mau procedimento", observou. Em entrevista ao Correio, Henrique Capriles — uma das principais lideranças da oposição na Venezuela, ex-deputado da Assembleia Nacional, ex-governador do estado de Miranda e candidato presidencial nas eleições de 2012 e 2013 — lembrou que, ante da falta de justiça, muitos venezuelanos se viram obrigados a recorrer às instâncias internacionais. "O sistema judicial da Venezuela é controlado por Maduro. Na Venezuela, não existe Justiça. Essa é uma dívida existente com os venezuelanos. Para o futuro, aspiramos que o país adote um sistema de administração de Justiça imparcial, que tenha como norte o respeito às leis e a aplicação da Constituição", explicou, por telefone, de Caracas.
Capriles ressaltou que o Tribunal Penal Internacional se insere em um processo que leva tempo. "Qualquer passo que se faça para que as vítimas tenham justiça é uma aspiração que temos como seres humanos, como pessoas que creem no Estado de Direito, no espírito da lei. Tudo isso, insisto, é um processo demorado e lento", observou. "Tudo o que Maduro quis mostrar em relação a mudanças do sistema e que está punindo os responsáveis é uma mentira. A Venezuela segue sendo um país onde não existe Justiça."
Homenagem póstuma
Por sua vez, Antonio Ledezma — prefeito de Caracas que foi preso em 2017 e se exilou em Madri — disse à reportagem que o anúncio do TPI é "a melhor homenagem póstuma às vítimas da tortura e da perseguição política na Venezuela". "A confirmação de que a investigação continuará é muito significativa, pois põe por terra os rumores de que Maduro estaria conseguindo paralisar esse processo. O TPI deixou assentada a sua linha, ao mostrar que não faz concessões a ninguém e que trabalha de acordo com o Estatuto de Roma", explicou, por telefone. Ele advertiu que, na Venezuela, não há nenhum tipo de garantia para que se realizem, no marco do devido processo, os julgamentos pendentes de Maduro e de outros autores de crimes de lesa humanidade.
Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), o Tribunal Penal Internacional emitiu um sinal de que a Venezuela segue cometendo violações dos direitos humanos. "O regime continua praticando tortura e mantendo presos políticos. Também não tem investigado casos anteriores a 2017. Nesse sentido, a Corte de Haia considerou insuficientes os esforços da Venezuela para conseguir a complementaridade da investigação", afirmou à reportagem. Ele lembrou que esse processo de apuração toma muito tempo e que as decisões do TPI costumam ser difíceis de se cumprir.
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