Rússia

Vladimir Putin mira líderes da revolta

Em pronunciamento, presidente afirmou que organizadores da rebelião do grupo Wagner serão levados à Justiça e diz que mercenários podem lutar pelo país, ir para casa ou seguir para Belarus. Prigozhin negou intenção de tomar o poder

Correio Braziliense
postado em 27/06/2023 03:55
 (crédito:  Fotos: AFP)
(crédito: Fotos: AFP)

Após dois dias em silêncio, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez um pronunciamento em rede nacional na noite de ontem — ainda tarde em Brasília — em que procurou passar ao país uma imagem de força e de controle da situação. Nos cinco minutos de discurso, o líder russo afirmou ter comandado a negociação para conter a rebelião do grupo paramilitar Wagner e assegurou que os líderes do motim serão julgados, poupando os que não aderiram ao movimento. Putin ofereceu aos mercenários três alternativas: ir para Belarus, que mediou o fim da revolta, retornar para casa ou lutar pela Rússia.

"Desde o início dos eventos, foram tomadas medidas seguindo as minhas instruções diretas para evitar um grande derramamento de sangue", disse o presidente russo, afirmando que o Ocidente e a Ucrânia desejavam "um resultado fratricida". Ele assegurou que os revoltosos seriam reprimidos de qualquer forma e não chegariam à capital russa.

No discurso, Putin não fez qualquer menção nominal a Yevgeny Prigozhin, o líder do grupo Wagner, que conduziu seus homens da Ucrânia, onde lutavam contra as forças de Volodymyr Zelensky, rumo a Moscou. "Temos que pensar nas pessoas que decidiram tomar essa ação, que teria consequências trágicas para o país", frisou.

Horas antes da fala de Putin, Prigozhin divulgou uma longa mensagem de áudio negando que tivesse a intenção de tomar o poder na Rússia. A rebelião de Prigozhin, um oligarca e então aliado de Putin, durou menos de 24 horas e terminou no sábado. Ele justificou ter iniciado o motim porque queria salvar sua organização e colocar em evidência os "graves problemas de segurança" no país.

"O objetivo da marcha era não permitir a destruição do Grupo Wagner e responsabilizar aqueles que, com suas ações pouco profissionais, cometeram um número considerável de erros durante a operação militar especial na Ucrânia", disse Prigozhin, sem revelar seu paradeiro. Conforme o acordo mediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, ele deveria se exiliar em Belarus.

Há meses, o líder do Wagner acusa o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior russo, Valery Gerasimov, de incompetência e de terem enviado dezenas de milhares de soldados para uma morte certa. Segundo ele, o ministério tentou desmantelar a milícia para absorvê-la dentro do Exército e depois bombardeou um de seus acampamentos, matando 30 pessoas, uma acusação que o exército russo nega.

Traição

Putin voltou a acusar o chefe do Grupo Wagner, desta vez sem nominá-lo, de ter "traído o seu país e seu povo", ao mesmo tempo em que mentia para seus homens. "Os organizadores dessa rebelião não podem deixar de entender que serão levados à Justiça", asseverou. Prigozhin encerrou sua rebelião no sábado em troca da promessa de imunidade.

Àqueles que resistiram ao comando do líder mercenário, Putin fez um agradecimento. "A solidariedade cívica mostrou que qualquer tentativa de chantagem para criar agitação interna está fadada ao fracasso", observou. E deu a eles garantia de segurança. "Eles têm a opção de continuar servindo à Rússia com um contrato junto ao Ministério da Defesa ou outros órgãos encarregados da aplicação da lei, ou retornar para suas famílias e entes queridos (...) Quem quiser pode ir para Belarus", disse.

Depois do pronunciamento, o presidente russo reuniu seu gabinete de segurança. Segundo o Kremlin, entre os participantes estavam o procurador-geral, Igor Krasnov; o ministro do Interior, Vladimir Kolokoltsev; o ministro da Defesa, Sergei Shoigu; o diretor do FSB (serviço federal de segurança), Alexander Bortnikov, e o chefe da Guarda Nacional, Viktor Zolotov, entre outros.

Ao longo de todo o dia de ontem, autoridades russas procuraram projetar um clima de normalidade no país. Ainda pela manhã, Putin surgiu pela primeira vez após o fim da revolta armada num vídeo em que se dirigia a um fórum dedicado à juventude e à indústria, sem mencionar a crise. De acordo com o Kremlin, ele recebeu o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, e o emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad Al-Thani, que demonstraram apoio a Moscou.

O ministro da Defesa, que sumiu durante a revolta, reapareceu, também em um vídeo, inspecionando tropas na Ucrânia. Além disso, as autoridades anunciaram o fim do "regime de operações antiterroristas" na região de Moscou e de Voronezh, ao sul da capital, um sinal de retorno à rotina após o maior desafio enfrentado por Putin desde sua chegada ao poder, em 1999.

 


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Crise interna

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou, ontem, que o Ocidente "não teve nada a ver" com a rebelião do grupo Wagner na Rússia, iniciada e abortada em 24 horas, durante o fim de semana. "Convoquei nossos aliados-chave a uma chamada por Zoom. Eles concordaram que nós temos que ter certeza de não dar a (o presidente russo, Vladimir) Putin nenhuma desculpa (...) para responsabilizar o Ocidente e a Otan por isso", afirmou Biden, acrescentando: "Deixamos claro que não estávamos envolvidos. Não tivemos nada a ver, era um problema dentro do sistema russo", acrescentou.

Alerta à África

Os Estados Unidos renovaram suas advertências para os governos do continente africano sobre os riscos de se associarem aos mercenários do grupo paramilitar Wagner. "Estamos reforçando a mensagem que já transmitimos a essas nações, publicamente e em particular no passado, de que sempre que o Wagner entra em um país, morte e destruição o seguem", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, aos jornalistas. 

"Vemos o Wagner explorando as populações locais, vemos eles extraindo riquezas locais, vemos abusos contra os direitos humanos. O que aconteceu durante o fim de semana reforça as preocupações que expressamos sobre a instabilidade que o Wagner traz consigo quando entra em conflito", acrescentou Miller.

O grupo paramilitar russo está cada vez mais ativo na África, com a junta militar do Mali contratando os mercenários e se aproximando diplomaticamente da Rússia depois que as relações com a França, antiga potência colonial, se deterioraram. O órgão de direitos humanos das Nações Unidas informou, no mês passado, que forças estrangeiras, identificadas pelos Estados Unidos como sendo do Grupo Wagner, estavam por trás do massacre de pelo menos 500 pessoas na cidade de Moura, no centro do Mali, em março de 2022.

Em Moscou, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, disse que, a despeito do motim do fim de semana, os mercenários do Wagner prosseguiram "trabalhando como instrutores" tanto no Mali quanto na República Centro-Africana. Durante entrevista à emissora estatal RT, o chanceler afirmou que a Europa — a França, em particular — havia "abandonado" os dois países africanos, que pediram à Rússia e ao Wagner que fornecessem treinadores militares e "garantissem a segurança de seus líderes".

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