Um duro episódio que se tornou o pior dia para Vladimir Putin na presidência e que beneficiou a Ucrânia, define o pesquisador James Nixey sobre o conflito entre autoridades russas e o grupo mercenário Wagner.
Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Grupo Wagner teve papel fundamental para os russos. Trata-se de um exército privado de mercenários que, acredita-se, tenha defendido os interesses russos na Síria e na Líbia, assim como no Sudão ou na República Centro-africana.
Mas o conflito dos últimos dias colocou em xeque a aliança entre as tropas russas e o grupo de mercenários.
Putin classificou a ação dos últimos dias como uma "fuga criminosa" e um "motim armado". Já Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner, definiu o ato contra autoridades russas como uma "marcha da Justiça".
Independentemente da forma como for chamado, o fato é que o chefe do grupo Wagner fez tudo para tentar derrubar a liderança militar da Rússia.
A ação vinha se desenhando há algum tempo. Durante meses, houve disputas internas muito públicas entre o grupo Wagner e o ministério da defesa da Rússia sobre como a guerra na Ucrânia foi travada.
Prigozhin repetidamente acusou o ministério de não fornecer munição suficiente ao grupo mercenário (e de fazer isso de propósito).
Prigozhin afirma que o ministério da defesa realizou um ataque com mísseis na sexta-feira em um acampamento base do grupo Wagner. As autoridades russas negam e chamam essa história de "uma provocação de informação".
Em meio ao conflito interno, as tropas mercenárias tomaram o controle da cidade russa de Rostov e seguiam em direção a Moscou. Mas neste sábado (24/06) houve um acordo intermediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, e o grupo Wagner suspendeu as ações contra a Rússia.
Mas ainda que o conflito tenha sido amenizado, há dúvidas sobre a consequência que terá na guerra entre Rússia e Ucrânia.
Os impactos na guerra
Na manhã deste sábado, após o início do conflito com os mercenários, Putin fez um discurso repleto de referências à "traição" e à Rússia ter sido "esfaqueada pelas costas".
Ele prometeu uma "resposta dura". E quase certamente contou com o apoio de comandantes russos de alto escalão – alguns condenaram publicamente as ações do grupo de mercenários.
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, se manifestou na manhã de sábado sobre o caso. Ele afirmou que "a fraqueza da Rússia é óbvia" e disse que "quanto mais Moscou mantiver suas tropas e mercenários na Ucrânia, mais caos atrairá para casa."
"E quanto mais a Rússia mantiver suas tropas e mercenários em nossa terra, mais caos, dor e problemas ela terá para si mesma mais tarde", escreveu Zelensky.
Na noite deste sábado, após o recuo do Wagner, o Kremlin afirmou que a rebelião do grupo de mercenários não afetará a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.
Dmitry Peskov, secretário de imprensa do presidente Putin, disse que está "fora de questão" que a rebelião do grupo mercenário impactará a campanha da Rússia contra Kiev.
Mas especialistas avaliam que a revolta deve impactar negativamente a Rússia e beneficiar a Ucrânia.
Chefe do programa Rússia-Eurásia do Chatham House, um instituto de políticas públicas do Reino Unido, James Nixey afirma que a Ucrânia deve lucrar com o conflito entre Rússia e os mercenários.
Nixey disse à BBC que a Ucrânia provavelmente continuará a "alfinetar a Rússia" para tentar criar outras implosões dentro do país.
Nixey afirmou que este sábado se tornou o pior dia para Vladimir Putin em todos os seus anos de presidência.
"Ele está perdendo essa guerra [na Ucrânia]", disse o especialista.
"Isso não quer dizer que a Ucrânia está achando muito fácil vencer... mas isso não é o que Vladimir Putin esperava até agora em sua presidência", acrescentou.
De acordo com a mídia estatal russa, o líder do Wagner deixou a Rússia e seguiu para Belarus. E todas as acusações contra ele e seu grupo serão retiradas pelas autoridades para evitar "derramamento de sangue".
Para tentar amenizar a situação, autoridades russas ofereceram cargos militares a combatentes do Wagner.
O futuro do grupo mercenário
Correspondente de segurança da BBC News, Frank Gardner acredita que Prigozhin ouviu afirmações como "você está sozinho e ninguém veio apoiá-lo e se continuar nisso, é claro, muito sangue vai ser derramado", antes de recuar em Moscou.
Mas o que acontece com o Wagner após os últimos dias?
"Eles têm sido uma ferramenta útil para o Kremlin nos últimos oito anos, promovendo seus interesses do Mali à Ucrânia com pouca consideração pelos direitos humanos", pontuou Gardner.
Não é possível cravar uma resposta sobre como será o cenário da guerra sem o Wagner ao lado da Rússia, mas Gardner frisa que é difícil que Putin possa confiar novamente em seu ex-protegido Prigozhin.
"Ele (Putin) o acusou de traição e as forças de segurança do FSB o consideram um criminoso", disse Gardner.
"Portanto, espere expurgos e possivelmente alguma reorganização no ministério da defesa. E, enquanto isso, a guerra na Ucrânia provavelmente continuará inabalável. Para as tropas ucranianas pressionadas na linha de frente, o intervalo acabou", acrescentou o especialista em segurança.
O pesquisador Andrew D'Anieri, do centro de estudos americano Atlantic Council, pontuou que a mudança de Prigozhin para Belarus e os combatentes do grupo Wagner sendo absorvidos pelas forças armadas russas podem significar o fim da notória unidade de mercenários.
Mas ele também pontuou que a retirada do Wagner não representa que todas as empresas militares privadas na Rússia que estão atuando na guerra também irão acabar.
"Embora sejam tecnicamente ilegais na Rússia, vimos uma proliferação delas nos últimos 12 meses", apontou D'Anieri.
Ele considera que a revolta do grupo de mercenários deixou claro "como é pequeno o círculo de tomada de decisões em Moscou" e como a autoridade de Putin é frágil.
E D'Anieri avalia que é difícil traçar exatamente um possível cenário que a guerra terá a partir de agora, em razão da natureza pouco clara das informações vindas da Rússia.
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