Tragédia no Atlântico

Dono do submersível Titan ignorou alertas sobre segurança

Stockton Rush, fundador da OceanGate e uma das vítimas da implosão do submersível, trocou e-mails com um especialista que o acusou de colocar pessoas em risco. O executivo tratou o aviso como "lamúrias sem sentido"

Rodrigo Craveiro
postado em 24/06/2023 06:00
O submersível Titan sobre uma plataforma, à espera do sinal para mergulhar, em foto sem data, divulgada pela OceanGate: projeto polêmico  -  (crédito: OceanGate Expeditions/AFP)
O submersível Titan sobre uma plataforma, à espera do sinal para mergulhar, em foto sem data, divulgada pela OceanGate: projeto polêmico - (crédito: OceanGate Expeditions/AFP)

Além de admitir que violou "algumas regras" durante a construção do submersível Titan, Stockton Rush — CEO da companhia OceanGate — rejeitou alertas sobre segurança, ao qualificá-los de "lamúrias sem fundamento". No domingo passado (18/6), cerca de 1 hora e 45 minutos após iniciar a descida de 3.800m até os destroços do Titanic, no Atlântico Norte, a cerca de 500km da costa do Canadá, o Titan sofreu uma implosão catastrófica. Morreram na tragédia Rush; o francês Paul Henry Nargeolet, 77 anos, um dos maiores especialistas em Titanic; Hamish Harding, empresário britânico de 58 anos; Shahzada Dawood, executivo paquistanês de 48; e o filho Suleman, 19. Em 2018, Rob McCallum, especialista em exploração de mares profundos, enviou e-mails ao fundador da OceanGate. Em uma das mensagens, advertiu-lhe: "Acho que você está potencialmente colocando a si mesmo e a seus clientes em uma dinâmica perigosa. Em sua corrida até o Titanic, você está espelhando naquele famoso grito de guerra: 'Ela é inafundável'", escreveu McCallum.  

Stockton Rush ignorou o recado. "Com muita frequência, escutamos lamúrias do tipo: 'Você vai matar alguém'. Tomo isso como um sério insulto pessoal", respondeu o criador do Titan. McCallum insistiu sobre o suposto perigo representado pelo submersível e recomendou à OceanGate que buscasse uma certificação de segurança para a cápsula. "Até que um submarino seja classificado, testado e comprovado, ele não deve ser usado para operações comerciais de mergulho profundo", lembrou o especialista. 

A nova resposta de Rush veio com uma defesa do próprio empreendimento. Ele admitiu que "a abordagem inovadora e focada em engenharia da OceanGate vai contra a ortodoxia submersível". "Mas essa é a natureza da inovação", assegurou. A reportagem enviou um e-mail para McCallum e recebeu uma mensagem automática. "Estou no mar ao norte de Papua Nova Guiné e as comunicações poderão ser adiadas para depois de nosso retorno, em 30 de junho", afirma. McCallum não respondeu às mensagens enviadas pelo Telegram. 

Termo polêmico

Os tripulantes do Titan pagaram US$ 250 mil (cerca de R$ 1,1 milhão) por uma vaga no submersível de 6,7m de comprimento por 2,8m de largura e 2,5m de altura. Antes do mergulho até o Titanic, os exploradores eram obrigados a assinar um termo de responsabilidade de amplo escopo, o qual praticamente conferia blindagem total à OceanGate. "Por meio deste, assumo total responsabilidade pelo risco de lesões corporais, invalidez, morte e danos materiais devido à negligência (da OceanGate) durante o envolvimento na operação", sustenta o documento.

A empresa ressalta que "a embarcação submersível experimental não foi aprovada ou certificada por nenhum órgão regulador e pode ser construída com materiais que não foram amplamente utilizados em submersíveis ocupados por humanos". De fato, David Gallo, oceanógrafo e explorador de mares profundos, contou ao Correio que se preocupava com o fato de o Titan ter sido reformulado e construído com material  não convencional. "O submersível tinha um novo desenho. Ele carregava cinco pessoas, em vez de três. Também era feito de grafite de carbono, e não de aço, e de titânio. Meu amigo Nargeolet, que estava no Titan, me disse que se sentia seguro. Apesar de todas as minhas inquietações, eu confiei nele", disse. 

Para Gallo, é difícil especular o motivo que levou à implosão do Titan. "Ela pode ter sido produto de uma falha de muitas coisas. Isso será descoberto com a análise dos destroços." Questionado sobre o fato de Rush ter ignorado os alertas, o oceanógrafo disse ter uma explicação. "Stockton era um explorador que se arriscava. Ele foi longe demais. Como morreu no submersível, acreditava em si mesmo".

Familiares de Shahzada e Suleman  externaram sua "profunda tristeza". A família de Hamish Harding, 58 anos, rendeu um tributo a um "explorador apaixonado" e a um "marido que amava a esposa e pai dedicado aos dois filhos".

 


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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"Eu era amigo de Paul Henry Nargeolet. Assim como eu, ele era um explorador de mares profundos. Ele tinha visto o Titanic mais do que qualquer outra pessoa. Estava sempre perseguindo a sua curiosidade. Por uma razão pura: não fazia aquilo nem por fama, nem por dinheiro. Ele apenas era movido pela curiosidade e sabia tudo sobre o Titanic. Era um cara legal. De fato, Paul Henry e eu fomos colíderes de uma expedição que buscou os destroços do voo 447, que caiu em 2009, entre o Rio de Janeiro e Paris. Lembro-me de vivenciar aqueles dias ao lado de Paul Henry, no Recife. Ele será recordado da melhor forma possível."

David Gallo (E), oceanógrafo e explorador de mares profundos. Na foto tirada durante expedição ao Titanic, em 2010, ele está com Paul Henry Nargeolet (D), um dos mortos no Titan

 

 

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