Em dezembro de 2021, o papa Francisco referiu-se ao Mar Mediterrâneo como "o cemitério sem lápides", durante visita à ilha grega de Lesbos. Nesta quarta-feira (14/6), em um de seus pontos mais profundos, com 3.900m, o Mediterrâneo "sepultou" pelo menos 79 migrantes. Um barco pesqueiro que estaria transportando até 750 pessoas naufragou a 47 milhas náuticas (cerca de 87km) da costa da Grécia, em águas internacionais, no Mar Jônico.
Até a noite desta quarta-feira, 106 migrantes tinham sido resgatados com vida. A embarcação "tinha entre 25 e 30 metros de comprimento. Seu convés estava cheio de gente e supomos que seu interior estivesse tão cheio quanto", declarou Nikolaos Alexiou, porta-voz da Guarda Costeira, à emissora ERT. A tragédia, que tem se repetido nos últimos anos, é a mais mortífera registrada na Grécia. O barco viajava da cidade de Tobruk, na Líbia, para a Itália.
Uma fonte do Ministério das Migrações da Grécia admitiu à agência France-Presse que "centenas" de migrantes poderiam estar na embarcação. Os sobreviventes, em sua maioria, são procedentes da Síria, do Paquistão e do Egito. Segundo Thanasis Vasilopoulos, prefeito de Kalamata, cidade grega para onde as vítimas foram transferidas, todas têm entre 16 e 41 anos. "Eles nos contaram que havia mulheres e crianças no barco", relatou.
Um dos sobreviventes assegurou aos médicos do hospital de Kalamata que tinha visto ao menos uma centena de crianças no porão. Existem suspeitas de que os atravessadores — traficantes de seres humanos — trancaram muitos dos ocupantes ali. Por sua vez, o porta-voz do governo grego, Ilias Siakantaris, admitiu que o Executivo recebeu a informação de que 750 pessoas estariam a bordo. A Guarda Costeira divulgou imagens aéreas do barco feitas horas antes do naufrágio, que durou entre 10 e 15 minutos, depois que o motor parou de funcionar. Nas fotos, a embarcação está visivelmente superlotada. "A parte externa estava apinhada de gente, e assumimos que era o mesmo caso no convés", avaliou Alexiou.
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Os trabalhos de resgate envolvem patrulhas da Guarda Costeira, uma fragata da Marinha grega, um avião e um helicóptero da Força Aérea, além de seis barcos que estavam na região e foram mobilizados imediatamente. O governo da Grécia decretou luto oficial de três dias. Em visita ao Chile, Ursula von der Leyen — presidente da Comissão Europeia — se disse "profundamente entristecida pelas notícias do naufrágio". "Estou muito preocupado pelo número de desaparecidos. Devemos continuar a trabalhar, juntos, com países-membros e terceiras nações, para prevenir tais tragédias."
Símbolo
Em 2 de setembro de 2015, a fotografia do corpo do curdo-sírio Alan Kurdi, 3 anos, em uma praia da Turquia, tornou-se símbolo das tragédias no Mediterrâneo. Na ocasião, também morreram no naufrágio a mãe e o irmão do menino. Em entrevista exclusiva ao Correio, Fatima Kurdi, tia de Alan, não escondeu a emoção ao afirmar que tragédias como a de ontem a fazem reviver a dor da perda do sobrinho. "É muito doloroso, eu me sinto desesperançosa. Vejo que os líderes mundiais nada fazem. Isso parte meu coração. Nós seguimos com nosso sofrimento", afirmou.
Ela disse apoiar o trabalho dos barcos de resgate, "que fazem um grande trabalho para salvar vidas". "Há oito anos, não havia um barco de resgate para evitar o naufrágio e a morte de Alan. Apoiar o trabalho dessas equipes de resgate me traz muito conforto. Alguns países têm impedido esses barcos de atracarem em seus portos. Isso não é humano."
"Quantas mortes serão necessárias até que os líderes encontrem uma saída?", provoca Fatima. De acordo com ela, as pessoas têm ficado "dopadas" quando assistem na televisão sobre naufrágios no Mediterrâneo. "Muitos se acostumaram a essas cenas. Precisamos de uma solução para que as pessoas vivam em paz e parem de fugir", disse a tia de Alan.
A trabalhadora humanitária grega Anna Pantelia, 31 anos, atuou como gerente de comunicações dentro de barcos de busca e de resgate da Médicos sem Fronteiras, no Mediterrâneo Central, entre a Itália e a Grécia. "Essa não é mais uma tragédia nova. Temos visto isso ocorrer o tempo todo, entre a Itália e a Líbia, entre a Grécia e a Turquia. O governo de meu país tem buscado impedir as pessoas de alcançarem a Grécia. Agora, os imigrantes escolhem jornadas mais perigosas", contou à reportagem.
De acordo com Pantelia, ao pagarem aos contrabandistas para os levarem à Europa, os migrantes recebem a promessa de que viajarão em um barco seguro, com salva-vidas e poucas pessoas a bordo. "Quando chegam à praia, percebem a superlotação e a inexistência de equipamento de segurança."
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