guerra no leste europeu

A guerra contra a Ucrânia voltada para a Rússia

Especialistas avaliam que ataques no lado russo da fronteira buscam interromper o suprimento militar de Moscou e elevar o custo do conflito. Investidas ocorrem às vésperas da contraofensiva de Kiev

Rodrigo Craveiro
postado em 01/06/2023 06:00
Uma placa com a proibição de voos de drones é vista no centro de Moscou: armamento tecnológico foi usado pela primeira vez contra civis -  (crédito: Natalia Kolesnikova/AFP)
Uma placa com a proibição de voos de drones é vista no centro de Moscou: armamento tecnológico foi usado pela primeira vez contra civis - (crédito: Natalia Kolesnikova/AFP)

Belgorod, região situada no lado russo da fronteira com a Ucrânia, 22 de maio passado. Um grupo de sabotadores dos Corpos de Voluntários Russos e da Legião da Liberdade para a Rússia, invadiu vilarejos, forçou a fuga de milhares de civis, tomou delegacias de polícia e prometeu pôr fim ao regime do presidente Vladimir Putin. Os paramilitares utilizaram drones e tiros de artilharia. Moscou, capital da Rússia, 30 de maio. Pelo menos 25 aeronaves não tripuladas provocam explosões em áreas residenciais, deixando ao menos dois feridos e espalhando pânico. Nesta quarta-feira (31/5), duas refinarias de petróleo foram atingidas por drones em Ilsky, na região Krasnodar, no sul do território russo. Também em Belgorod, novo bombardeio feriu quatro cidadãos. Especialistas consultados pelo Correio reconhecem que a guerra atravessou a fronteira e chegou às portas do Kremlin. 

Para o ucraniano Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, os bombardeios a terminais de petróleo em Krasnodar ou a alvos em Belgorod, ambos no lado russo da fronteira, têm o objetivo de perturbar o suprimento das forças russas na Ucrânia. "É parte de um esforço para interromper essa rota de abastecimento, algo que tem sido usado nos últimos meses. A novidade, aqui, está nas incursões de voluntários russos na região de Belgorod e nos usos de drones dentro do território da Rússia", disse ao Correio.

Ele acredita que isso cria um efeito psicológico adicional e deve forçar o Exército de Moscou a retirar algumas de suas tropas da ex-república soviética e a deslocá-las para a fronteira ucraniana. "Há uma combinação de diferentes métodos. Essas operações ajudam a causar uma confusão estratégica dentro do establishment militar do Kremlin, ao mostrar que a Rússia possui brechas no sistema de defesa", avaliou Haran.

Diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim, o russo Alexander Gabuev admitiu ao Correio que, desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022, as forças da Ucrânia tentaram responder não apenas nas regiões de Donetsk e Luhansk (leste), mas também em Kherson (sul) e em Zaporizhzhia (sudeste), na Península da Crimeia e no território russo. "Temos visto vários atos de sabotagem e de ataques à infraestrutura crítica, os quais fazem parte do esforço de guerra. Entre os alvos, estão aqueles que capacitam a atividade militar, como refinarias e aeródromos. Foram ataques misteriosos, em solo russo, principalmente contra a infraestrutura civil e industrial", lembrou. Apesar de não terem sido reivindicadas por Kiev, a impressão digital da Ucrânia está em muitas delas, segundo o especialista. 

Gabuev não descarta o envolvimento de sabotadores simpatizantes da causa ucraniana, mas sublinha que essas ações foram desenhadas pelo Exército do presidente Volodymyr Zelensky. "É simplesmente lógico esperar que, uma vez que o território ucraniano seja bombardeado, e civis sejam mortos, a Ucrânia tente levar a guerra até a Rússia. Isso pode visar a interromper as operações militares e ampliar os custos do conflito", comentou. Ele também ressalta que, mais recentemente, as forças de Kiev tomaram medidas para montarem o cenário para a esperada contraofensiva. Ainda segundo Gabuev, as forças de Vladimir Putin retaliaram a incursão em Belgorod com um pesado bombardeio contra a capital da Ucrânia e outras grandes cidades. "Os ataques com drones em Moscou, provavelmente, foram uma resposta militar."

Crianças

Na quarta-feira (31/5), as autoridades russas começaram a retirar centenas de crianças das regiões fronteiriças, um sinal de que esperam novos ataques numa região cuja situação é "alarmante", na avaliação do Kremlin. "A partir de agora, estamos retirando nossas crianças dos distritos de Shebekinskii e Graivoronskii", disse o governador de Belgorod, Vyacheslav Gladkov. "Um primeiro grupo de 300 crianças será enviado hoje (ontem) a Voronej", cidade cerca de 250km ao nordeste. "Estamos realmente preocupados com esta situação. O bombardeio de alvos civis continua em Belgorod", declarou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. "Não ouvimos uma só palavra de condenação por parte do Ocidente. (...) A situação é realmente alarmante. Medidas estão sendo tomadas."

Também na quarta-feira (31/5), cinco pessoas morreram em um ataque aéreo noturno contra uma granja na região ocupada de Luhansk, no leste da Ucrânia. O ataque foi executado com um sistema lança-mísseis múltiplos HIMARS, fornecido pelos EUA à Ucrânia. No campo diplomático, a Alemanha fechará quatro dos cinco consulados russos em seu território em retaliação às restrições impostas por Moscou à sua própria representação, na Rússia.

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  • Também na capital russa, painel promove o recrutamento no exército
    Também na capital russa, painel promove o recrutamento no exército Foto: Natalia Kolesnikova/AFP
  • Belgorod, no lado russo da fronteira: região foi palco de sabotadores
    Belgorod, no lado russo da fronteira: região foi palco de sabotadores Foto: Olga Maltseva/AFP

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Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim
Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim (foto: Nessa Gnatoush)


"Quanto mais interrupções na guerra, mais os comandantes militares russos ficam nervosos e se preocupam com ataques de drones, uma tática que será vantajosa para os esforços de contraofensiva da Ucrânia. Depois de 14 meses de confronto, vemos demonstrações de que a guerra saiu da Ucrânia e atingiu a capital da Rússia."

Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim

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